RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS N.º 12.757 – BA

REL. MIN. PAULO MEDINA

EMENTA

A busca pela verdade real constitui princípio que rege o Direito Processual Penal.

A produção de provas, porque constitui garantia constitucional, pode ser determinada inclusive pelo juiz, de ofício, quando julgar necessário (arts. 155 e 209 do CPP).

O juiz apreciará livremente a prova. Contudo, constitui cerceamento de defesa o indeferimento de pedido de oitiva de testemunha, arrolada na defesa prévia, máxime sob convencimento antecipado quanto a sua imprestabilidade.

Recurso provido, para determinar a oitiva da testemunha arrolada pela defesa.

(STJ/DJU de 15/9/03, pág. 401)

Se a defesa arrolou testemunhas no tráduo legal da defesa prévia, constitui cerceamento de defesa o indeferimento de sua ouvida pelo juiz. Assim decidiu a Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, relator o mnistro Paulo Medina, com o seguinte voto condutor:

Portanto, deve prevalecer o entendimento, expendido no aresto recorrido, de que “é direito da defesa produzir a prova que entende necessária para demonstrar a inocência do acusado, em relação à imputação que lhe foi feita, mesmo quando o magistrado entende ser desnecessário”.

Em verdade, o direito à prova não se distingue do devido processo legal.

Neste sentido, recolho o seguinte escólio doutrinário:

“… é preciso ter em mente a base constitucional do direito à prova, que não pode ser suprimido ou restringido por norma ordinária; não se pode ir ao ponto de negar à acusação ou à defesa o exercício legítimo do poder de influenciar, através das provas, o convencimento do juiz.

Também é evidente que não se permite ao juiz, em nome do livre convencimento, excluir qualquer prova pela consideração antecipada de que seus resultados não irão alterar a sua convicção; isso não somente importaria em prejulgamento, como também levaria à exclusão de eventuais elementos que poderiam servir a um reexame da causa, em grau de recurso ou revisão, com inequívoca afronta ao direito à prova.

(ANTONIO MAGALHÃES GOMES FILHO, Direito à prova no processo penal, São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 1997, p. 132/133)

Precedentes deste Tribunal não destoam desta orientação. Confira-se:

“PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. CRIMES DE RESPONSABILIDADE DOS PREFEITOS. DILIGÊNCIAS. DEFESA PRÉVIA (CPP, ART. 395) E ART. 499 DO CPP. TESTEMUNHAS REFERIDAS. INDEFERIMENTO. CERCEAMENTO DE DEFESA.

I – Na defesa prévia é permitido requerer-se a produção de todas as provas desde que admitidas em direito. E estando estas relacionadas com a materialidade e a autoria não pode o magistrado simplesmente indeferi-las, sob pena de violação ao princípio da ampla defesa.

II – Sendo provável a utilidade das declarações de testemunhas referidas no decorrer da instrução, o indeferimento do requerimento da defesa, por ocasião do art. 499 do CPP, indica hipótese de cerceamento.

Writ concedido, para anular o processo a partir das alegações finais, possibilitando-se a produção da perícia nos carros oficiais, a inspeção nas oficinas e a inquirição dos membros da comissão de licitação.”

(HC 15.194/PB, Relator o Min. Félix Fischer, DJ de 8/10/2001, pág. 229)

“PROCESSUAL PENAL. HABEAS-CORPUS. INDEFERIMENTO DE PROVAS. CERCEAMENTO DE DEFESA. NULIDADE.

– Em sede de processo penal, as provas requeridas na fase das alegações escritas (CPP, art. 395), desde que admitidas em direito e pertinentes à materialidade e à autoria do fato criminoso, não podem ser indeferidas pelo juiz, sob pena de desrespeito aos princípios da ampla defesa e do contraditório.

– Na fase do art. 499, do Código de Processo Penal, não há espaço para a ampla produção de provas, podendo o juiz indeferir aquelas consideradas desnecessárias ou inconvenientes, devendo, todavia fundamentar suficientemente a decisão, com indicação objetiva das razões do indeferimento.

– Recurso ordinário provido. Habeas-corpus concedido.”

(RHC 6.103/BA, Relator o Min. Vicente Leal, DJ de 18/08/1997, pág. 37916)

“RHC – PROCESSUAL PENAL – JÚRI – PROVA.

– A busca da verdade real é principio do Direito Processual Penal. Admissível qualquer prova, salvo admitida por meio ilícito. Assim, legal o deferimento de provas após a sentença de pronúncia. Inexistência de nulidade ante o conhecimento prévio da defesa. Tempo útil, pois para impugnar qualquer ilegalidade.

(RHC 3.088/ES, Relator o Min. Luiz Vicente Cernicchiaro, DJ de 22/11/1993, pág. 24980)

O Supremo Tribunal Federal igualmente consagra esta orientação, destacando-se:

PROVA – REALIZAÇÃO – DEFESA – EXERCÍCIO.

O direito de defesa confunde-se com a noção de devido processo legal, além de, preservado, atender aos reclamos decorrentes do fundamento da República Federativa do Brasil que é a dignidade da pessoa humana – artigos 1.º e 5.º, inciso LV, da Constituição Federal. Ambígua a situação, tal direito há de ser viabilizado à exaustão (Coqueijo Costa), óptica robustecida quando em jogo o exercício da liberdade de ir e vir.

(HC 80.031/RS, Relator o Min. Maurício Corrêa, DJ de 14/12/2001, pág. 25)

Assim, em que pesem os argumentos expendidos pela Corte ordinária, entendo que a decisão cerceia o direito de defesa do recorrente.

Posto isso, DOU PROVIMENTO ao recurso, para que seja ouvida a testemunha da defesa, sr. Pedro Alfredo Barbosa.

Decisão unânime, votando como relator os ministros Fontes de Alencar, Hamilton Carvalhido e Paulo Gallotti.

Responsabilidade Civil. Ato ilícito praticado pelo marido. Exclusão da meação da mulher

RECURSO ESPECIAL N.º 208.322-MG

REL.: MIN. ANTÔNIO DE PÁDUA RIBEIRO

EMENTA

I. – Decorrendo a dívida de ato ilícito, praticado pelo marido, exclui-se da penhora a meação da mulher se não há comprovação de que esta se beneficiou do ato. Ofensa ao art. 1.521, III, do Código Civil não caracterizada.

II. – A divergência de julgamentos apta à admissibilidade do presente recurso pressupõe a semelhança entre as hipóteses que as ensejaram tal como apuradas pelas decisões confrontadas. Inexistência, in casu.

III. – Recurso especial não conhecido.

(STJ/DJU de 30/6/03, pág. 236)

Na linha de diversos precedentes da Corte, decidiu a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, relator o ministro Antônio de Pádua Ribeiro que, mesmo em hipótese de responsabilidade por ato ilícito cometido pelo marido, deve ser excluída da penhora a meação da mulher, desde que não tenha se beneficiado do ato.

Consta do voto do relator:

O exmo. sr. ministro Antônio de Pádua Ribeiro (relator): Pelo que consta dos autos, Maria de Fátima Oliveira Gonçalves, mulher do executado, opôs embargos de terceiro objetivando suspender a penhora que recaiu sobre o caminhão Mercedes Benz L1313, para excluir da constrição judicial os 50% de sua meação, em face de o débito não haver beneficiado a família, uma vez que resultou de ação de reparação de dano por acidente automobilístico.

No voto condutor do acórdão, o ilustre relator negou provimento ao apelo do ora recorrente, afirmando:

“A circunstância de o caminhão constituir meio para se obter o necessário à sobrevivência da família, não assegura ao credor o direito de impor sobre o mesmo o ônus de quitar débito do marido da embargante, já que a lei civil não expressa, em nenhum de seus textos, conceito de comunicabilidade em bens utilizados ao sustento da entidade familiar, sendo que tal fato, de igual modo, não obstaculiza o ajuizamento da via aqui eleita com o fim de separar o que a lei já considera destacado e inerente ao patrimônio individual da virago.

Não se harmoniza, ainda, com o conceito de incomunicabilidade dos bens, a invocada tese de que a representação legal atribuída ao marido (art. 233, CC) importa em responder todos os bens do casal por dívida contraída pelo ‘chefe da sociedade conjugal’ (fl. 88), já que atos de representação não induzem em onerar patrimônio do representado mas, simplesmente, gerir os negócios nos limites impostos em textos legais.

O certo é que a recorrida, ao promover esta ação, especificou que sua meação, necessariamente, haveria de ser respeitada, em razão de o débito originar-se de reparação de dano em acidente de veículo, argumento este que encontra amparo no artigo 263, inciso, VI, do Código Civil, ao preconizar que as obrigações advindas de ato ilícito são excluídas da comunhão” (fls. 108/109).

(……………………………………..)

“Constituindo ponto incontroverso nestes autos que a cobrança forçada em que o caminhão foi penhorado resulta de sentença condenatória, em ação de reparação de danos em que o marido da embargante causou danos ao embargado, fato este ilícito a teor do artigo 159 do Código Civil, incomunicável se torna o bem em tese, não podendo, destarte, assegurar o valor que está sendo excutido naquela ação, através de título judicial referente a essa ilicitude” (fls. 110/111).

A discussão, portanto, gira em torno da possibilidade de a mulher casada em comunhão de bens defender, por meio de embargos de terceiro, a sua meação, quando a dívida resultou de ilícito praticado pelo marido.

A jurisprudência desta Corte tem-se firmado no sentido de que se exclui a meação da mulher quando a dívida decorreu de ato ilícito praticado pelo marido, a menos que haja prova de que ela foi beneficiada com o produto da infração.

Vejam-se, a propósito, as seguintes ementas:

“EMBARGOS DE TERCEIRO. MULHER CASADA. ATO ILÍCITO. MEAÇÃO.

Não responde a meação pelo cumprimento de obrigação oriunda de ato ilícito pelo marido”

(Resp n.º 39.348-SP, rel. min. Cláudio Santos, DJ de 19/8/1996).

“TRIBUTÁRIO. SOCIEDADE POR QUOTAS DE RESPONSABILIDADE LIMITADA. RESPONSABILIDADE PESSOAL DO SÓCIO-GERENTE EM RAZÃO DE ATO ILÍCITO. EXCLUSÃO DA MEAÇÃO DA MULHER.

A meação da mulher só responde pelos atos ilícitos praticados pelo marido, mediante a prova de que ela foi beneficiada com o produto da infração (Código Civil, art. 263, VI); nessa hipótese, o ônus da prova e do credor, diversamente do que se passa com as dívidas contraídas pelo marido, em que a presunção de terem favorecido o casal deve ser elidida pela mulher.

Recurso especial não conhecido”

(Resp n.º 50.443-RS, rel. min. Ari Pargendler, DJ de 12/5/1997).

“PROCESSO CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL. EXECUÇÃO. MEAÇÃO DA MULHER. EXCLUSÃO. RESPONSABILIDADE DE SÓCIO-GERENTE. DISSÍDIO NÃO DEMONSTRADO.

1. Jurisprudência que se firmou no sentido de que, se a dívida decorreu de ato ilícito praticado pelo marido, exclui-se a meação da esposa, cabendo ao credor o ônus da prova de que esta se beneficiou e, se as dívidas são de outra natureza, não se exclui a meação, a não ser que o cônjuge comprove que a família não se beneficiou com as importâncias.

2. Hipótese em que a Fazenda Estadual não demonstrou que o sócio-gerente agiu com excesso de poderes ou infringindo a lei, afastando o acórdão sua responsabilidade e de sua esposa, inclusive porque não se demonstrou que as dívidas foram contraídas em benefício da embargante.

3. Dissídio jurisprudencial não demonstrado.

4. Agravo regimental improvido”

(AgReg no Resp n.º 118.288-SP, rel”. min”. Eliana Calmon, DJ de 3/4/2000).

No caso dos autos, o ilícito praticado pelo marido da embargante não lhe trouxe qualquer benefício, e o fato de o caminhão constituir meio para a sobrevivência da família não faz do marido o preposto da esposa, de modo a impedir que se lhe seja deferida a meação do bem penhorado pela prática de ato ilícito.

O art. 263, inciso VI, do Código Civil, exclui da comunhão as obrigações provenientes de atos ilícitos.

O ilustre Professor Washington de Barros Monteiro, comentando o citado artigo, esclarece:

“A responsabilidade civil por ato ilícito é pessoal, não sendo possível, destarte, recair sobre bens comuns. Se um dos cônjuges pratica, portanto, ato ilícito, de que decorra obrigação de ressarcir, óbvio que o quantum da indenização deve sair tão-somente da meação do culpado, ou então de seus bens particulares.”

(“Direito Civil – Direito de Família”, Editora Saraiva, 2001, 36.ª edição, pág. 170)

Sílvio Rodrigues ensina:

“O legislador procura aplicar, no campo civil, o salutar princípio de direito criminal de que a pena só pode castigar o criminoso. Se um dos cônjuges praticou ato ilícito, ele, e só ele, é quem deve responder. Assim, não se devem comunicar as obrigações provenientes de ato ilícito”

(In “Direito Civil – Direito de Família”, 26.ª edição, Ed. Saraiva, págs. 179/180).

“Conforme Clóvis Bevilacqua:

‘As obrigações provenientes de atos ilícitos não se comunicam, porque a responsabilidade criminal é pessoal, como, igualmente, pessoal deve ser a dos chamados delitos e quase-delitos civis. A comunicação das dívidas e obrigações pressupõe um interesse comum, que as tenha causado ou lhes tenha sido ocasião e esse não pode existir nos crimes e atos ilícitos de cada um”

(Obra citada, pág. 180).

Não houve, pois, a alegada violação ao dispositivo citado e a divergência não restou caracterizada, por falta de similitude entre as hipóteses confrontadas.

Ante o exposto, não conheço do recurso especial.

Decisão unânime, votando com o relator os ministros Carlos Alberto Menezes Direito e Nancy Andrighi.

Ronaldo Botelho é advogado e professor da Escola da Magistratura.

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