Processual penal. Termo inicial dos prazos do Ministério Público.

“AgRG no Agravo de Instrumental n.º 318.172 – SP

Rel.: Min. Vicente Leal

EMENTA – Esta egrégia Sexta Turma firmou entendimento no sentido de que o prazo para a interposição de recurso pelo Ministério Público começa a correr a partir da intimação pessoal, que se concretiza com a entrega dos autos com vista, e não com a aposição do “ciente” pelo representante do Ministério Público.

– Não há como prosperar o entendimento de que se tome como termo inicial do prazo para a interposição de recurso pelo Ministério Público o dia da aposição do “ciente” pelo seu representante, visto que, a prevalecer tal tese, o referido prazo permanecerá em aberto até quando o desejasse o membro do parquet encarregado de oficiar no processo, gerando essa situação a absoluta insegurança da parte contrária, com evidente desrespeito ao devido processo legal, ao princípio da isonomia e ao contraditório, colunas fundamentais do processo penal.

Agravo regimental desprovido.”

(STJ/DJU de 28/10/02)

Como se vê a presente decisão posta em destaque, da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, relator o ministro Vicente Leal, consolida-se na jurisprudência da Corte Superior o entendimento de que o prazo para a interposição de recursos pelo Ministério Público conta-se a partir da entrega dos autos com vista e não da data em que o agente do “Parquet” coloca o seu ciente, caso esta data não coincida com a data da entrega dos autos.

E nem poderia ser diferente ante a clara e desenganada redação do artigo 41 inciso IV, da lei orgânica do Ministério Público (Lei n.º 8.625/93).

Eis, na íntegra, o voto do relator:

O Exmo. Sr. Ministro Vicente Leal (relator):

Tenho que não merece prosperar a pretensão do agravante.

Com efeito, esta egrégia Sexta Turma firmou entendimento no sentido de que o prazo para a interposição de recurso pelo Ministério Público começa a correr a partir da intimação pessoal, que se concretiza com a entrega dos autos com vista, e não com a aposição do “ciente” pelo representante do Ministério Público.

A propósito do tema, vejamos os seguintes precedentes, verbis:

“Processual penal. Recurso especial. Ministério Público. Prazo. Termo inicial. Intimação pessoal. LONMP, art. 41, IV.

– O Ministério Público, em face da relevância de suas atribuições institucionais, goza do privilégio processual de receber intimação pessoal, ex vi do art. 41, IV, da LONMP, intimação esta que se concretiza , no âmbito dos Tribunais de Justiça, com a comunicação efetuada por mandado ao chefe do Ministério Público ou com o recebimento dos autos na Procuradoria-Geral de Justiça.

– Recebidos os autos pela Procuradoria-Geral de Justiça em 21/9/2000, é intempestivo o recurso especial protocolizado em data de 16/10/2000.

– Recurso especial não conhecido.” (REsp 324.095/SP, Sexta Turma, de minha relatoria, DJ 1/7/2000).

– Fica o promotor de Justiça intimado no momento em que assina em livro apropriado a carga do processo.” (REsp 181.112/SP, Sexta Turma, rel. em. ministro Fontes de Alencar, DJ 1/4/2002)

“Processo penal. Recurso especial. Intempestividade. Ministério Público. Intimação pessoal. Direção de veículo automotor sem habilitação. Inexistência de perigo de dano. Artigo 32 da lei das contravenções penal. Artigo 309 do Código de Trânsito Brasileiro.

1. É intempestivo o recurso especial interposto fora do prazo de 15 dias a que se refere o art. 26 da Lei n.º 8.038/90.

2. O prazo de interposição de recursos pelo Ministério Público começa a fluir da intimação pessoal de seu representante, que se aperfeiçoa com a entrega dos autos com vista.

3. É atípica, penalmente considerada, a ação de quem dirige veículo automotor sem a devida habilitação, desde que não gere perigo de dano.

4. Recurso não conhecido.” (REsp 343.603/SP, Sexta Turma, rel. em. ministro Paulo Gallotti, DJ 24/6/2002).

“Processo penal. Recurso Especial. Ministério Público. Intimação pessoal.

1. A exigência de intimação pessoal do representante do Ministério Público está prevista no art. 42, inciso IV, da Lei n.º 8.625/93, que se aperfeiçoa com a entrega dos autos com vista, correndo a partir dessa data, o prazo para a interposição de recurso.

2. Precedentes.

3. Recurso conhecido, mas improvido.”

“Processo penal. Recurso especial. Tempestividade. Ministério Público. Intimação pessoal. Vista dos autos.

1. O prazo de recurso para o Ministério Público começa a fluir da intimação pessoal, formalidade que se opera, a teor da Lei n.º 8.625, de 12/2/93 – art. 41, IV – através da entrega dos autos com vista.

2. Remetidos os autos à Procuradoria da Justiça em 28 de dezembro de 1998, apresenta-se como intempestivo o recurso especial interposto após 29 de janeiro de 1999, data em que o representante do MP fez lançar o “ciente”.

3. Recurso especial não conhecido.”(REsp 231.245/SP, Sexta Turma, rel. em. ministro Fernando Gonçalves, DJ 10/9/2001).

Ora, conforme restou destacado na decisão agravada, não há como prosperar o entendimento de que se tome como termo inicial do prazo para a interposição de recurso pelo Ministério Público, o dia da aposição do “ciente” pelo seu representante, visto que, a prevalecer tal tese, o referido prazo permaneceria em aberto até quando o desejasse o membro do parquet encarregado de oficiar no processo, gerando essa situação a absoluta insegurança da parte contrária, com evidente desrespeito ao devido processo legal, ao princípio da isonomia e a o contraditório, colunas fundamentais do processo penal.

É o voto.

Decisão unânime, votando com o relator os ministros Fernando Gonçalves, Hamilton Carvalhido, Paulo Gallotti e Fontes de Alencar.

 

Processual civil. Ação indenizatória por dano moral. Aditamento à inicial pelo Ministério Público. Incabimento.

“RECURSO ESPECIAL

N.º 197.573-SP

REL. P/ACÓRDÃO:

MIN. ALDIR PASSARINHO JÚNIOR

EMENTA – I. A legitimidade do Ministério Público na defesa dos interesses de menores não chega ao ponto de se lhe permitir o aditamento à inicial, de outros pedidos além daqueles formulados pela parte autora, devidamente representada por advogado constituído nos autos, à qual coube a iniciativa da ação e a fixação do alcance da prestação jurisdicional desejada.

II. Recurso especial conhecido e provido.”

(STJ/DJU de 23/9/02, pág. 367)

Vencido o relator, decidiu a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, com base no voto do ministro Aldir Passarinho Júnior, que o Ministério Público não detém legitimidade para aditar a inicial, incluindo outros pedidos, quando o menor está representado por advogado constituído, que formulou a pretensão em seu exato alcance e extensão.

De salientar, entretanto, que, consoante se vê do voto vencedor, admite-se essa intervenção, em caráter excepcional, quando tem por finalidade suprir algum direito essencial.

Constam dos votos vencido e vencedor;

O exmo. sr. ministro Ruy Rosado de Aguiar.

1. Processado o recurso por decisão do relator, proferida antes da vigência da nova lei, tenho por oportuno desde logo julgar o especial, muito embora tenha sido interposto de decisão proferida em agravo de instrumento.

2. A intervenção do Ministério Público como fiscal da lei, nas causas em que há interesse de menores, não se limita a comparecer aos atos processuais, nem se satisfaz com a simples intimação e oferecimento de parecer, mas consiste no uso de todos os meios que a lei permite para a efetiva concretização do melhor direito, para o que pode e deve adiar, impugnar, requerer provas, suscitar incidentes, argüir preliminares, recorrer, etc.

“Custos legis não é considerado parte pelo Código de Processo Civil. Trata-se, porém, de qualificação negativa apenas nominal, com o objetivo de delimitar e distingüir os poderes do Ministério Público, no processo, quando atua como autor, dos que possui quando funciona apenas como fiscal da lei. Tantos são, porém, no Código, os poderes do fiscal da lei, que em nada se distingue, praticamente, sua atuação processual daquela do Ministério Público figurando como réu. Assim sendo, entendemos que sua posição processual deve ser considerada como de autêntica parte, espécie, às vezes de assistente sui generis, que propugna em favor de quem tem ao seu lado o interesse público, ou, em outros casos, como interveniente também sui generis, que se coloca parcialmente contra ambos os litigantes, ou impede os efeitos de acordos ou conchavos contrários ao espírito da lei.” (REsp 45487-MG, 4.ª Turma, rel. em. min. Antônio Torreão Braz, DJ 21/11/94)

E concluiu o il. relator: “Exegese magnífica da mens legis” (REsp. 45.847/MG).

Na eg. Terceira Turma, onde se examinou a falta de nomeação de curador especial, foi elaborada a seguinte ementa:

“Menor. Curador especial.

A nomeação de curador especial supõe a existência de conflito de interesses entre o incapaz e seu representante. Isso não resulta do simples fato de esse último ter-se descurado do bom andamento do processo. As falhas desse podem ser supridas pela atuação do Ministério Público, a quem cabem os mesmos poderes e ônus das partes.”

(REsp 34.377/SP, 3/ª Turma, rel. em. min. Eduardo Ribeiro, DJ 13/10/97)

Apreciando a questão da legitimidade para recorrer, mais de uma vez se disse na Quarta Turma que o Ministério Público, ainda quando os interesses são disponíveis e as partes bem representadas, mesmo assim o Ministério Público tem legitimidade recursal:

“I – Consoante entendimento fixado pela Turma, o Ministério Público detém legitimidade para recorrer nas causas em que atua como custos legis, ainda que se trate de discussão a respeito de direitos individuais disponíveis e mesmo que as partes estejam bem representadas.”

(REsp 160125-DF, 4.ª Turma, rel. em. min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ 24/5/99)

No REsp. n.º 100/690/DF, sendo relator o em. min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, ficou reconhecida a legitimidade do Ministério Público para suscitar a incompetência relativa do juízo:

“O Ministério Público, mesmo quando atua no processo como custos legis, o que acontece em inventário no qual haja menor interessado, tem legitimidade para intervir, inclusive para argüir a incompetência relativa do juízo.”

Em situação que de algum modo se aproxima à dos autos, porque envolve a capacidade de iniciativa, julgou-se legítima a atuação do Ministério Público na propositura da ação de alimentos.

“Ação de alimentos. Legitimidade do Ministério Público para intentá-la. Arts. 98, II, e 201, III, do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n.º 8.069, de 13.07.90).

Tratando-se de menor que se encontra sob a guarda e responsabilidade da genitora, falta legitimidade ao Ministério Público para ajuizar a ação alimentos como substituto processual.”

(REsp 120118-PR, 4.ª Turma, de minha relatoria, DJ 01.03.99)

Também tem sido admitida como correta a promoção, pelo Ministério Público, da ação indenizatória “ex delicto”, sempre que inexistentes serviços de assistência judiciária em condições de garantirem o pleno exercício do direito de acesso à Justiça:

“Ministério Público. Ação de indenização ex delicto. Legitimidade ativa. Substituto processual.

O Ministério Público tem legitimidade para promover a ação de indenização ex delicto (art. 68 do CPP). Poderia ser afastada essa atuação se demonstrado que o lesado teve à sua disposição outros serviços estatais, sem qualquer prejuízo para seu acesso à Justiça, o que não aconteceu no caso dos autos. Precedentes. Recurso não conhecido. (REsp 200695/SP, 4.ª Turma, de minha relatoria)

“Direito processual – Constitucional. Ação Civil “Ex delicto” (CPP, Art. 68). Legitimidade do Ministério Público enquanto não instituída a Defensoria Pública. Inconstitucionalidade progressiva (Arts. 127, 129, IX, e 134 da Constituição) assentada pela suprema corte. Precedentes do tribunal. Recurso desacolhido.

1 – Com o advento da Constituição de 1988, a defesa judicial dos necessitados passou a ser atribuição da Defensoria Pública. Mas, tem entendido o Supremo Tribunal Federal, interpretando o texto constitucional e acolhendo a tese da inconstitucionalidade progressiva, subsistir a legitimidade do Ministério Público onde ainda não instituída a Defensoria Pública para propor a ação civil “ex delicto”

(CPP, art. 68).

Como se vê, em todas as manifestações mencionadas, este Tribunal tem-se orientado no sentido de permitir ao Ministério Público o uso dos meios processuais adequados para que realize a sua função de coadjuvante da efetiva realização do direito, seja como custos legis, seja como substituto processual.

Harmonizando-se com esse entendimento, a precisa fundamentação do r. acórdão, de lavra do juiz Oscar Feltrin:

“Era não só legítimo como altamente conveniente o aditamento pretendido pelo agravante cujos benefícios ressaltam evidentes a um simples exame de sua leitura (fls. 32/33).

Não se poderia mesmo entender plena a assistência aos menores se ao Ministério Público, cuja intervenção no processo é obrigatória, fosse vedado o aditamento da petição inicial elaborada por advogado constituído, ainda que isto venha implicar na ampliação do pedido e da própria causa de pedir. A bem da verdade, afirma Cândido Dinamarco (Fundamentos do Processo Civil Moderno, 2.ª ed. RT, pag. 331) não se trata de representar o incapaz: supõe-se que ele esteja representado pelo representante legal (ou assistido, conforme o caso) e que nos autos esteja defendido através de profissional habilitado. O curador de incapazes oficia ao lado do advogado do incapaz. Sua figura processual não é a de representante, mas de assistente (ad coadjuvandum).

Afinal, intervir obrigatoriamente no processo, como manda a lei, sem a possibilidade de acrescer ou aditar fatos ou ampliar pedidos que desde logo se apresentam pertinentes e benéficos aos incapazes, revela-se, no mínimo, uma participação menor e limitada, contrária à intenção e finalidade de que se ocupou o citado art. 82, I do CPC, com real prejuízo à missão fiscalizadora e integrativa do Ministério Público coadjuvante.

Atuando como fiscal da lei, diz José Frederico Marques, a atividade do Ministério Público se apresenta múltipla e complexa, ponderando, a seguir que dentro da relação processual, atua ele quando custos legis, como sujeito do processo, mas em posição de todo sui generis. É ele aí a pars adjointe do Direito francês, ou o titular de uma atuação processual acessória, como fala Carnelutti. Cumpre-lhe ativar a jurisdição, suprindo omissões das partes e procurando fazer respeitada a ordem jurídica (Instituições de Direito Processual Civil, 4.ª ed. Forense, 1971, pág. 171).

Outro não é o entendimento de Celso Agrícola Barbi quando, a propósito da intervenção obrigatória do Ministério Público de que trata a lei processual, observa que `a disposição legal tem em vista a situação de inferioridade que pode surgir em qualquer demanda para os incapazes… A função do Ministério Público, nessas causas, é de vigilância, para suprir eventual falha na defesa dos interesses dos incapazes’ (Comentários ao CPC, ed. Forense 1983, pág. 378)

Mais do que isto, reafirma Cândido Dinamarco, quando o Ministério Público tem legitimidade para atuar em nome dos menores, `ele não ingressa no processo como fiscal do cumprimento da lei, mas em nome do contraditório que precisa estar presente e que precisa ser equilibrado. Ele intervém para compensar a fraqueza presumida de uma das partes…” (ob. cit. pág. 332).

E compensando a omissão contida na petição inicial da ação indenizatória, que em princípio se vislumbra evidente e prejudicial aos três menores co-autores, não era dado ao d. magistrado indeferir o aditamento sob pena de rejeitar, desde logo, um pedido que em tese era possível fazê-lo contra o qual, aliás, não houve nenhuma oposição dos incapazes. E como bem ponderou a d. Procuradora de Justiça, subscrevendo a argumentação do agravante, a intervenção do Ministério Público ocorre em favor do interesse público e no caso, relevante a certeza de que a acumulação conduz a princípio salutar, o da economia processual, o qual deságua na seara da prestação judicial mais célere, o aditamento se impõe porque evitará a propositura de outra ação, contra a mesma parte, em face do idêntico objeto.”

(fls. 107/109)

No caso dos autos, o dr. promotor de Justiça acrescentou ao pedido inicial outras parcelas, que considerou incluídas no direito das autoras e devidas pela empresa responsável. Tenho que esse aditamento poderia ser feito, mas não em nome da viúva, que é pessoa maior de idade e capaz, representada nos autos por seu procurador. O aditamento somente poderia ser feito em favor daquele hipossuficiente, cuja presença nos autos justificou a intervenção do Ministério Público.

Posto isso, estou conhecendo em parte do recurso, pela alínea a, e dando-lhe parcial provimento, para limitar o aditamento em relação aos direitos das menores ao tempo da promoção.

É o voto.

Exmo. sr. ministro Aldir Passarinho Júnior: – sr. presidente, admito a intervenção do Ministério Público, em caráter excepcional, quando essa intervenção se dá para suprir algum direito essencial, apesar de os autores estarem representados por alguém que detém o pátrio poder e por advogado constituído nos autos.

No entanto, como se trata de meramente adicionar parcelas à pretensão indenizatória, sem que tais condições excepcionais se revelem, penso que o papel do Ministério Público não pode transmudar de custos legais para parte no processo, representando o autor, ou melhor, não parte, mas como defensor do autor.

Feitas essas considerações, ouso divergir do eminente ministro-relator para conhecer do recurso especial e dar-lhe provimento.

O sr. ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira:

Também vou divergir. Nos termos da lei processual civil, o Ministério Público somente pode atuar em duas situações: ou como parte, ou como custos legis.

No caso, não está a atuar como parte; conseqüentemente, etá presente na causa como fiscal da lei. Nessa circunstância, não lhe é dado aditar o pedido.

Conheço do recurso e dou-lhe provimento.

O exmo. sr. ministro César Asfor Rocha: – sr. presidente, data venia de V. Exa., acompanho os eminentes ministros Aldir Passarinho Júnior e Sálvio de Figueiredo Teixeira, por entender que, atuando como custos legis, o Ministério Público não pode também atuar como parte. Decisão por maioria, votando com o relator os ministros Sálvio de Figueiredo Teixeira e César Asfor Rocha.

Ronaldo Botelho

é advogado e professor da Escola da Magistratura.