Processual penal. Roubo duplamente qualificado. Liberdade provisória. Indeferimento com base na gravidade do delito. Inadmissibilidade.

“RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS N.º 14.008-SP

REL.: MIN. LAURITA VAZ

EMENTA: 1. Afasta-se o conhecimento da argüida negativa de autoria, porquanto a questão implica na incursão na seara fático-probatória, inviável na estreiteza da presente via, consoante o disposto na Súmula n.º 07 desta Corte.

2. De outro lado, a manutenção da custódia cautelar foi determinada com a utilização de conjecturas, dissociadas de qualquer elemento concreto, além da referência genérica à gravidade do delito, o que enseja a concessão da ordem para sanar a ilegalidade, nos termos da jurisprudência pacífica desta Corte.

3. Recurso parcialmente conhecido e, nessa parte, provido para conceder a liberdade provisória ao Paciente, se por outro motivo não estiver preso, sem prejuízo de eventual decretação de nova prisão preventiva devidamente fundamentada.”

(STJ/DJU de 26/5/03, pág. 369)

A Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, relatora a ministra Laurita Vaz, concedeu habeas corpus para anular despacho que havia indeferido liberdade provisória com fundamento apenas em referência genérica à gravidade do delito.

Na linha de inúmeros precedentes, considerou a Corte que toda e qualquer prisão cautelar exige fundamentação concreta e vinculada, com base em dados objetivos.

Costa do voto da relatora:

Exma, sra. ministra Laruta Vaz (relatora):

De início, cumpre afastar o conhecimento da argüida negativa de autoria, porquanto a questão implica na incursão na seara fático-probatória, inviável na estreiteza da presente via, consoante o disposto na Súmula n.º 07 desta Corte.

Quanto à reclamada ilegalidade da custódia cautelar, razão assiste ao recorrente.

Com efeito, o MM. juiz de primeiro grau, com base em precedentes da Corte Estadual, indeferiu a liberdade provisória apenas diante da gravidade do crime perpetrado.

Depreende-se da leitura da decisão de fls. 49/49v que a manutenção da custódia cautelar foi determinada com a utilização de conjecturas, dissociadas de qualquer elemento concreto, além da referência genérica à gravidade do delito.

O acórdão recorrido, por seu turno, manteve a decisão impuganada, aduzindo que:

“A gravidade do delito que, por si só, não autoriza a custódia cautelar, quando somada à periculosidade demonstrada pelo agente, que, para avançar sobre o patrimônio alheio, não titubeia para colocar em risco as vidas de outras pessoas, não só autoriza, como obriga a efetivação da medida restritiva da liberdade, pouco importando ser este último primário, de bons antecedentes, com residência no distrito da culpa, trabalhador, casado e com filhos, o que deve ser considerado na primeira fase de fixação da pena, se ele vier a ser condenado.”(fl. 76)

Vê-se que, apesar do esforço de justificar a constrição também diante da periculosidade do agente, o aresto recorrido o fez de maneira totalmente vaga. Não há uma linha sequer que descreva a conduta do réu, de modo que se pudesse inferir, a partir dela, sua real personalidade perigosa.

Sendo a liberdade a regra, e a prisão a exceção, até a sentença condenatória transitada em julgado, mostra-se inelidível a fundamentação da medida extrema, fulcrada no caso concreto.

Deve-se, ainda, ressaltar que este Superior Tribunal de Justiça não está alheio às aflições e à insegurança que vêm se espalhando, em especial, nos últimos anos.

O Poder Judiciário deve, sim, ser rigoroso e atuar com presteza, contribuindo, assim, com a debelação dos altos índices de violência que assolam o País.

Todavia, o juiz não pode avocar a espada de justiceiro e sair decretando prisões provisórias, valendo-se, de modo genérico, de argumentos até válidos sob o ponto de vista do sentimento comum da sociedade da qual ele faz parte, porém sem qualquer justificativa concreta, sem individualização das condutas. Corre-se, assim agindo, o sério risco de comprometer a própria sobrevivência do Estado Democrático de Direito.

É importante registrar que o magistrado deve ter em mente a necessidade de, ainda que de modo conciso, fazer indicações objetivas, e com base no caso concreto, para justificar a prisão processual do réu, de modo a não extrapolar a estreiteza dos requisitos legais, sob pena de tornar insustentável uma medida, eventualmente, necessária.

Nesse contexto, na esteira da jurisprudência pacífica desta Corte, a decisão impugnada merece reforma. Ante o exposto, em conformidade com o parecer ministerial, conheço em parte do recurso e, nessa parte, DOU-LHE PROVIMENTO para conceder a liberdade provisória ao paciente, se por outro motivo não estiver preso, sem prejuízo de eventual decretação de nova prisão preventiva devidamente fundamentada.

É o voto.

Ministra Laurita Vaz – relatora

Decisão unânime, votando com o relator os ministros José Arnaldo da Fonseca, Felix Fischer, Gilson Dipp e Jorge Scartezzini.

Processual Penal. Recurso. Intimação do Ministério Público. Contagem a partir da entrega dos autos com vista.

“RECURSO ESPECIAL N.º 444.801-SP

REL.: MIN. PAULO GALLOTTI

EMENTA – 1. É intempestivo o recurso especial interposto fora do prazo de 15 dias a que se refere o art. 26 da Lei n.º 8.038/90.

2. O prazo de interposição de recurso pelo Ministério Público começa a fluir da intimação pessoal de seu representante, que se aperfeiçoa com a entrega dos autos com vista.”

(STJ/DJU de 24/2/03)

Firme a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que o prazo para o Ministério Público recorrer começa a fluir da entrega dos autos com vista, tal qual determina o art. 41, inciso IV, da lei n.º 8.625/93.

É o que se vê nesta decisão da Sexta Turma, relator o ministro Paulo Gallotti:

Voto

O senhor ministro Paulo Gallotti (relator): Não há como conhecer da irresignação, dado que interposta intempestivamente.

Com efeito, o exame do processo revela que a entrega dos autos com vista ao Ministério Público se deu em 23/4/2001, fl. 81, começando o respectivo prazo a fluir no dia seguinte, 24/4/2001, mostrando-se extemporâneo o especial, protocolado em 29/5/2001, fl. 85, além dos quinze dias a que se refere o art. 26 da Lei n.º 8.038/90.

A exigência da intimação pessoal do representante do Ministério Público está prevista no art. 41, inciso IV, da Lei n.º 8.625/93, que, todavia, se aperfeiçoa com a entrega dos autos com vista, correndo a partir dessa data o prazo de interposição para qualquer recurso, entendimento este já proclamado pela Terceira Seção desta Corte no julgamento dos EREsp n.º 123.995/SP (DJU 26/8/1998).

Assim, não cabe falar que o termo inicial para recorrer começaria a fluir do momento em que o parquet apõe o seu ciente nos autos, o que lhe conferiria a posição privilegiada de absoluto controle dos prazos processuais, situação que não se mostra razoável e muito menos coloca as partes em igualdade de condições.

Veja-se os precedentes:

A – “Processo Penal. Recurso Especial. Tempestividade. Ministério Público. Intimação pessoal. Vista dos autos.

1. O prazo de recurso para o Ministério Público começa a fluir da intimação pessoal, formalidade que se opera, a teor da Lei n.º 8.625, de 12/2/93, art. 41, inciso IV, através da entrega dos autos com vista.

2. Remetidos os autos à Procuradoria de Justiça em 23 de dezembro de 1998, apresenta-se como intempestivo o recurso especial interposto após 29 de janeiro de 1999, data em que o representante do MP fez lançar o `ciente’.

3. Recurso especial não conhecido.” (REsp n.º 231.245/SP, relator o ministro Fernando Gonçalves, DJU de 10/9/2001)

B – “Processual Penal. Recurso Especial. Recurso em sentido estrito. Ministério Público. Prazo. Termo inicial. Intimação pessoal. LONMP, Art. 41, IV; CPP, Art. 619, Habeas Corpus.

– O Ministério Público, em face da relevância de suas atribuições institucionais, goza do privilégio processual de receber intimação pessoal, ex vi do art. 41, IV, da LONMP, intimação esta que se concretiza, no âmbito dos Tribunais Regionais Federais, com a comunicação efetuada por mandado ao chefe da Procuradoria Regional Federal ou do recebimento dos autos na Secretaria da Procuradoria Regional.

– No processo penal, o prazo para a interposição de recurso em sentido estrito em face de decisão, despacho ou sentença é de cinco dias, nos termos do art. 586, do Código de Processo Penal.

– Recebidos os autos pela Procuradoria Regional da República em 29/1/99, é intempestivo recurso em sentido estrito protocolizado em data de 10/2/99.

– Recurso especial conhecido e desprovido.” (REsp n.º 332.644/SP, relator o ministro Vicente Leal, DJU de 18/3/2002).

C – “Penal e Processual Penal. Recurso Especial. Homicídio culposo. Ministério Público. Intimação antecedentes. Suspensão do recurso (Art. 89 da Lei n.º 9.099/95).

I – O Ministério Público Federal, tal como o Estadual (v. arts. 41, inciso IV da LONMP e 18, inciso II, al alínea “h” da LOMPU), tem a prerrogativa da intimação pessoal, em qualquer processo e grau de jurisdição, a qual se efetiva com a entrega dos autos ao agente do Parquet.

II – Funcionário do Ministério Público não tem poderes para receber intimação.

III – ….

IV – ” (REsp n.º 305.925/SP, relator o ministro Felix Fischer, DJU de 6/5/2002).

Diante do exposto, não conheço do recurso.

É como voto.

Decisão unânime, votando com o relator os ministros Fontes de Alencar, Vicente Leal, Fernando Gonçalves e Hamilton Carvalhido.

Ronaldo Botelho

é advogado e professor da Escola da Magistratura.