Processual Penal. Réu que respondeu solto ao processo. Direito de apelar em liberdade.

“HABEAS CORPUS N.º 13.818-RS

REL.: MIN. HAMILTON CARVALHIDO

EMENTA – “A jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça, na voz de sua Terceira Seção, registrando-se, nesse passo, o entendimento contrário desta relatoria, firmou-se em que o réu que respondeu solto ao processo deve aguardar em liberdade o julgamento do seu recurso de apelação, ainda que reincidente ou portador de maus antecedentes, salvo se presentes, demonstradamente, os motivos legais que determinam a decretação da prisão preventiva (HC 17.208/CE, in DJ 18/2/2002).

Recurso provido”

(STJ/DJU de 9/12/2003)

Não obstante certa resistência, permanece vigorando no Superior Tribunal de Justiça o entendimento que vem desde os tempos do ministro Cernichiaro, no sentido de que o réu que respondeu solto ao processo tem direito, em caso de condenação, de apelar em liberdade, mesmo que não seja primário ou que não tenha bons antecedentes.

É o que se vê desta decisão da Sexta Turma, relator o ministro Hamilton Carvalhido, trazendo à colação julgado da Terceira Seção.

O exmo. sr. ministro Hamilton Carvalhido (relator): senhores ministros, recurso ordinário em habeas corpus contra acórdão da Quarta Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul que não conheceu de writ impetrado em favor de Valter Jandir Scarsi, por se tratar de reiteração de pedido anterior, denegado em acórdão assim ementado:

“Habeas Corpus.

1. Inteligência do artigo 594 do CPP. Para a concessão do benefício de apelar em liberdade são necessários primariedade e bons antecedentes. Inocorrente um deles, não há como conferi-lo.

2. Substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos. A via estreita do mandamus não é adequada ao pleito de substituição de pena, que deve ser deduzido em recurso próprio.

À Unanimidade, denegeram a ordem.”

Ao que se tem, o paciente foi condenado como incurso no artigo 1.º, incisos II e III, da Lei n.º 8.137/90, combinado com o artigo 71, caput, do Código Penal às penas de 3 anos de reclusão, a ser cumprida em regime fechado, e multa, porque teria fraudade a fiscalização tributária, ao inserir elementos inexatos em notas fiscais, utilizando-se do expediente denominado `nota calçada’, negando-se-lhe o direito de apelar em liberdade, por se cuidar de reincidente.

Sustenta o paciente que tem o direito de recorrer em liberdade, em face do princípio da presunção da inocência, tendo permanecido solto durante toda a instrução criminal, não havendo, por isso, necessidade a justificar a custódia cautelar.

Aduz, ainda, que restou violada a lei n.º 9.714/98, porque negado ao réu o direito à substituição da pena privativa de liberdade pela restritiva de direito, a despeito de não ser o paciente reincidente específico em crime doloso, eis que condenado anteriormente em crime diverso e de natureza culposa.

Pugna, ao final, pelo provimento do recurso, “para que seja reformado o acórdão recorrido, determinando-se, conseqüentemente, o processamento da apelação interposta contra a sentença penal condenatória proferida pelo Juízo da Comarca de Guaporé-RS.” (fl. 50).

Na letra do artigo 594 do Código de Processo Penal – efeito que é da sentença condenatória recorrível “ser o réu preso ou conservado na prisão, assim nas infrações inafiançáveis, como nas afiançáveis, enquanto não prestar fiança”, como estatui o artigo 393, inciso I, do mesmo diploma processual -, a prisão do imputado é condição de admissibilidade do recurso de apelação, salvo se se cuidar de primário e portador de bons antecedentes, condições cumulativas do apelo em liberdade.

A jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça, contudo, na voz de sua Terceira Seção, registrando-se nesse passo, o entendimento contrário desta relatoria, firmou-se em que o réu que respondeu solto ao processo, deve aguardar em liberdade o julgamento do se recurso de apelação, salvo se presentes, demonstradamente, os motivos legais que determinam a decretação da prisão preventiva (HC 17.208/CE, in DJ 18/2/2002).

In casu, a denegação do apelo em liberdade ao paciente, que respondeu solto ao processo, encontra razão exclusiva na norma do artigo 594 do Código de Processo Penal, por força de reincidência decorrente de anterior condenação por crime culposo, em manifesto confronto com o entendimento desta Corte Superior de Justiça.

Pelo exposto, dou provimento ao recurso para assegurar ao paciente o direito de apelar em liberdade.

É o Voto.

Processual civil. Interesse de incapaz. Parecer do Ministério Público em desfavor do incapaz. Admissibilidade

RECURSO ESPECIAL N.º 135.744/SP

REL.: MIN. BARROS MONTEIRO

EMENTA – Não está obrigado o representante do Ministério Público a manifestar-se, sempre, em favor do litigante incapaz. Estando convencido de que a postulação do menor não apresenta nenhum fomento de juridicidade, é-lhe possível opinar pela sua improcedência.

Recurso especial não conhecido.

(STJ/DJU de 22/09/03)

Decidiu o Superior Tribunal de Justiça, através de sua Quarta Turma, Relator o Ministro Barros Monteiro, que o Ministério Público pode manifestar-se contra o interesse do incapaz quando sua postulação não apresentar nenhum fomento de juridicidade.

Convêm observar, porém, que diversa é a situação quando se tratar de questão controvertida na doutrina ou na jurisprudência. Nessa situação, o Ministério Público, segundo precedentes, deve optar pela solução favorável ao incapaz, ainda que contrária ao seu entendimento pessoal.

Consta do voto do Relator:

O Sr. Ministro Barros Monteiro (Relator):

1. Não colhe a assertiva de preclusão, aventada em contra-razões de REsp, quanto ao recurso interposto por Antônio Polato Filho. É que, intimados os tutores da co-autora incapaz Rita Aparecida de Cássia Polato em 12.6.1996 (fl. 314), com a juntada da carta de ordem a 19.6.1996 (fl. 316), o comparecimento de ambos, no dia 17.6.1996, (fl. 317) deu-se em tempo hábil, por aplicação analógica da regra inserta no art. 241, III, do CPC.

2. De outro lado, inadmissível o apelo especial tocante às alegações de contrariedade a texto constitucional. A sua vez, os arts. 6.º, 125, I, e 128 do CPC nenhuma pertinência têm na espécie, cuja incidência, por sinal, não chegou a ser justificada pelos recorrentes.

3. O ponto nodal da controvérsia posta neste recurso extremo diz com a obrigatoriedade ou não de pronunciar-se o representante do Ministério Público em favor dos interesses do incapaz, na demanda em que este for parte.

O v. Acórdão recorrido, ao afastar a matéria preliminar invocada, mostra-se incensurável em sua motivação e conclusão.

Na forma do disposto no art. 82, I, do Código de Processo Civil, compete ao Ministério Público intervir “nas causas em que há interesses de incapazes”, vale dizer, cabe-lhe oficiar na qualidade de custos legis, como fiscal da lei, “velando pelo seu exato cumprimento” (fl. 191).

Nessa condição, não está obrigado a manifestar-se, sempre, em favor do litigante incapaz. Se acaso estiver convencido de que a postulação do menor não apresenta nenhum fomento de juridicidade, como é o caso em tela, é-lhe possível opinar pela sua improcedência.

José Roberto dos Santos Bedaque, em seu trabalho denominado “A Curadoria de Incapazes”, anota com razão que:

“Pode acontecer, evidentemente que, apesar de todas as providências do Curador, não se consiga provar os fatos narrados pelo incapaz. Também é possível que os fatos descritos pelo incapaz não lhe assegurem qualquer situação de vantagem prevista em lei, o que implica inexistência de direito subjetivo.

Não se pode exigir do Curador, nesses casos extremos, a defesa intransigente dos interesses do incapaz, obrigando-o a violentar sua própria consciência. Em tais hipóteses, a função do Curador se esgota na tentativa de demonstrar a ocorrência da situação fática favorável ao incapaz, ou da subsunção desta à regra legal. Como tal não foi possível, não poderá ele sustentar uma situação vantajosa para o incapaz, pois ela inexiste” (in Justitia”, vol. 148, págs. 20/21, ano 1989).

Não é diverso o escólio do Prof. Arruda Alvim:

“É importante, ainda, salientar-se que o Ministério Público, quando atua no processo com base no art. 82, deve fiscalizar acima de tudo a exata aplicação da lei. Assim, se intervir na causa porque, por exemplo, haja interesse de menor em jogo, não deverá opor-se necessariamente à pretensão contra o menor formulada, a não ser que haja razão para tal. Inexistindo razão. Não há por que fazê-lo, pois sua autuação, como custos legis, deve ter o caráter, em certa escala, de imparcialidade” (Manual de Direito Processual Civil, vol. 1, págs. 540/541, 7.ª ed.).

Confira-se, a propósito, o magistério de Hugo Nigro Mazzilli:

“Em todo o feito em que o Ministério Público exerça funções típicas, conservará liberdade de opinião. Mesmo quando atue em razão da existência de interesses personificados, sua posição protetiva não lhe retira a liberdade de opinião, nem lhe impõe obrigatoriedade de recorrer, quando sucumbe o interesse por ele defendido” (Introdução ao Ministério Público, pág. 232, 3.ª ed.,).

Na mesma linha orienta-se a jurisprudência. O c. Supremo Tribunal Federal já teve ocasião de assentar:

“Se nos casos em que o Ministério Público funciona como parte principal, lícito lhe é, a final, considerar que a pretensão por ele deduzida não se acha justificada, afigura-se legítimo que, como interveniente, após exercida a atividade processual favorável ao incapaz, conclua igualmente pelo infundado da pretensão” (RT vol. 464, pág. 272, Relator Ministro Oswaldo Trigueiro).

Nesses termos, não ocorre in casu a alegada negativa de vigência do art. 82, I, da lei processual civil.

3. Ante o exposto, não conheço do recurso.

É o meu voto.

Ronaldo Botelho

é advogado e professor da Escola da Magistratura.