HABEAS CORPUS N.º 31.659/MG

REL.: MIN. FELIX FISCHER

EMENTA

O direito do réu de apelar em liberdade, assegurado pelo art. 594 do CPP, não lhe pode ser denegado, se permaneceu solto durante a instrução criminal e não restaram evidenciadas quaisquer das hipóteses previstas no art. 312 do CPP, quando da prolação da r. sentença condenatória (Precedentes).

Writ concedido.

(STJ/DJU de 24/5/04, pág. 310)

Em acórdão ilustrado por inúmeros precedentes da Corte, decidiu o Superior Tribunal de Justiça, através de sua Quinta Turma, relator o ministro Félix Fischer, que o réu que permaneceu solto durante a instrução criminal tem direito de recorrer em liberdade, salvo se o juiz demonstrar, através de despacho com fundamentação concreta e vinculada, a existência dos requisitos da custódia cautelar (art. 312 do CP.P. Penal)

Voto do relator:

O Exmo. Sr. Ministro Felix Fischer: Cuida-se de habeas corpus substitutivo de recurso ordinário, em que se pretende a concessão do direito do paciente de apelar em liberdade da r. sentença que o condenou à pena de 02 (dois) anos e 06 (seis) meses de reclusão, em regime fechado, e ao pagamento de 26 (vinte e seis) dias-multa, por infringência à norma do art. 171, § 2.º, VI, c/c o art. 61, I, todos do Código Penal.

O impetrante, em suas razões, alega que o paciente permaneceu solto durante toda instrução criminal, devendo o princípio da presunção de inocência militar em seu favor.

De fato, o paciente permaneceu solto durante a instrução criminal, tendo a r. sentença condenatória determinado que o réu se recolhesse à prisão para apelar, nos termos do art. 594 do CPP, por ser possuidor de maus antecedentes (fls. 11/12).

Inicialmente, destaco que a jurisprudência já consolidou entendimento no sentido de que a necessidade do réu se recolher à prisão para apelar não ofende o princípio da presunção de inocência, havendo, inclusive, enunciado sumular desta e. Corte neste sentido, verbis:

“Súmula n.º 09 – A exigência da prisão provisória para apelar, não ofende a garantia constitucional da presunção de inocência.”

Ocorre, entretanto, que o juiz, quando da determinação do recolhimento do réu para apelar, deve efetivamente demonstrar a necessidade da segregação.

Ora, a segregação cautelar deve ser considerada exceção, já que, por meio desta medida, priva-se o réu de seu jus libertatis antes do pronunciamento condenatório definitivo. É por isso que tal medida constritiva só pode ser decretada se expressamente for justificada sua real indispensabilidade para assegurar a ordem pública, a instrução criminal ou a aplicação da lei penal, ex vi do artigo 312 do Código de Processo Penal.

Os requisitos objetivos insculpidos no art. 594 do Código de Processo Penal devem ser corroborados com a demonstração efetiva da necessidade do recolhimento do paciente para apelar, notadamente se este permaneceu solto durante toda a instrução criminal.

No caso em tela, como visto, percebe-se que os pressupostos para a segregação cautelar não foram atendidos, uma vez que em relação a este ponto específico, a r. sentença não demonstrou, quanto ao paciente, a efetiva necessidade do recolhimento à prisão.

Verifica-se que, não obstante a demonstração de que o paciente teria maus antecedentes, não foi feita qualquer alusão aos pressupostos constantes do art. 312 do Código de Processo Penal, ensejadores da segregação cautelar.

Além disso, verifica-se que o paciente esteve solto durante toda a instrução criminal, tendo comparecido regularmente aos atos dos quais foi intimado, não havendo qualquer fato novo capaz de modificar o quadro fático em análise.

Acerca deste tema, oportuno é mencionar os seguintes precedentes desta c. Corte Superior de Justiça:

“PENAL E PROCESSUAL. ROUBO CIRCUNSTANCIADO. CONDENAÇÃO. MANDADO DE PRISÃO. EXPEDIÇÃO. APELAÇÃO EM LIBERDADE. POSSIBILIDADE.

Da presunção constitucional de não culpabilidade decorre ser cabível, ao réu condenado por sentença recorrível, apelar em liberdade, se inexistentes os pressupostos e requisitos autorizadores da prisão preventiva.

As decisões judiciais devem ser necessariamente motivadas e fundamentadas, sob pena de nulidade (art. 93, IX, da Constituição Federal).

O réu que esteve solto durante toda a instrução criminal, a qual teve curso regular, tem direito de aguardar em liberdade o julgamento da apelação.

Precedentes do STJ.

Ordem concedida.”

(HC 28820/SP, 6.ª Turma, Rel. Min. Paulo Medina, DJU de 09/12/2003.)

“PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. RÉU A QUEM SE GARANTIU O DIREITO À LIBERDADE PROVISÓRIA. SENTENÇA. RECOLHIMENTO À PRISÃO PARA APELAR. PRESSUPOSTOS DA CUSTÓDIA INOCORRENTES. CONSTRANGIMENTO ILEGAL. ORDEM CONCEDIDA.

No primeiro momento processual, tendo o Juízo de origem anotado a falta de requisitos para manter a prisão em flagrante, não poderá proceder ao recolhimento do acusado quando da sentença condenatória, sem que haja fatos novos a justificá-lo, o que, in casu, inocorreram.

Por isso, a simples menção à norma permissiva da constrição não cumpre a exigência da indicação dos requisitos legais, mesmo que diante de crime dito hediondo.

Ordem concedida.”

(HC 19687/DF, 5.ª Turma, Rel. Min. José Arnaldo da Fonseca, DJU de 19/12/2002.)

“PROCESSUAL PENAL. RECOLHIMENTO À PRISÃO PARA APELAR. RÉU QUE PERMANECEU SOLTO DURANTE TODO O PROCESSO. MAUS ANTECEDENTES E REINCIDÊNCIA. IMPOSSIBILIDADE DE DECRETAÇÃO DA CUSTÓDIA CAUTELAR.

1. Se o paciente, durante toda a instrução criminal, permanece solto, impõe-se manter o seu status libertatis que, nesse caso, à míngua de qualquer fato novo (concreto) apto a ensejar a incidência do art. 312, do Código de Processo Penal, não se compadece com a menção aos maus antecedentes e à reincidência.

2. Ordem concedida.”

(HC 20212/SP, 5.ª Turma, Rel. Min. Fernando Gonçalves, DJU de 14/10/2002.)

“PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. ARTIGO 594 DO CPP. RÉUS QUE PERMANECERAM SOLTOS DURANTE TODO O TRANSCORRER DA AÇÃO PENAL. SENTENÇA CONDENATÓRIA. RECURSO DE APELAÇÃO CONDICIONADO AO RECOLHIMENTO À PRISÃO EM VIRTUDE DE ANTECEDENTES TIDOS COMO NEGATIVOS. IMPOSSIBILIDADE. NÃO DEMONSTRAÇÃO DA NECESSIDADE DA MEDIDA.

1. Em princípio, o réu que esteve em liberdade durante o transcorrer da ação penal tem o direito de aguardar solto o julgamento do recurso que interponha contra a sentença que o condenou.

2. A prisão cautelar, de natureza processual, só pode ser decretada em se mostrando a absoluta necessidade de sua adoção.

3. Ordem de habeas corpus concedida”.

(HC 17208/CE, 3.ª Seção, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, DJU de 18/02/2002.)

“PENAL. PROCESSUAL. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. APELO EM LIBERDADE. LEI 8072/90, ART. 2.º, II. CPP, ART. 594.

1. Tratando-se de réu que permaneceu durante mais de seis anos de instrução do processo em liberdade, não criando qualquer transtorno para o regular processamento do feito, não basta a mera indicação da Lei 6368/76, art. 35, para que lhe seja negado o direito de recorrer em liberdade, sendo imprescindível a efetiva demonstração da necessidade da custódia cautelar.

2. Ordem de “Habeas Corpus” deferida, para assegurar ao paciente o direito de aguardar o julgamento do recurso interposto em liberdade”.

(HC 11802/RR, 5.ª Turma, Rel. Min. Edson Vidigal, DJU de 18/12/2000.)

“PROCESSUAL PENAL. SENTENÇA. FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO. NÃO OCORRÊNCIA. PROGRESSÃO DE REGIME PRISIONAL. CRIMES HEDIONDOS. SUBSISTÊNCIA DA LEI 8.072/90 EM FACE DA LEI 9455/97. RECOLHIMENTO À PRISÃO PARA APELAR. RÉU QUE PERMANECEU SOLTO DURANTE TODO O PROCESSO. PRIMARIEDADE E BONS ANTECEDENTES. IMPOSSIBILIDADE DE DECRETAÇÃO DA CUSTÓDIA CAUTELAR.

(…)

4. Se a paciente, durante toda a instrução criminal, permaneceu solta, impõe-se manter o seu “status libertatis” que, nesse caso, à míngua de qualquer fato novo que pudesse ensejar a incidência do art. 312, do CPP, não se compadece com a simples alegação de presunção de periculosidade, máxime quando ocorrentes a primariedade e os bons antecedentes.

5. Ordem concedida em parte.”

(HC 7525/SP, 5.ª Turma, Rel. Min. Fernando Gonçalves, DJU de 15/03/99.)

A questão foi inclusive submetida à apreciação da e. Terceira Seção deste c. Tribunal, que assim se manifestou:

“PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. ARTIGO 594 DO CPP. RÉUS QUE PERMANECERAM SOLTOS DURANTE TODO O TRANSCORRER DA AÇÃO PENAL. SENTENÇA CONDENATÓRIA. RECURSO DE APELAÇÃO CONDICIONADO AO RECOLHIMENTO À PRISÃO EM VIRTUDE DE ANTECEDENTES TIDOS COMO NEGATIVOS. IMPOSSIBILIDADE. NÃO DEMONSTRAÇÃO DA NECESSIDADE DA MEDIDA.

1. Em princípio, o réu que esteve em liberdade durante o transcorrer da ação penal tem o direito de aguardar solto o julgamento do recurso que interponha contra a sentença que o condenou.

2. A prisão cautelar, de natureza processual, só pode ser decretada em se mostrando a absoluta necessidade de sua adoção.

3. Ordem de habeas corpus concedida”.

(HC 17208/CE, 3.ª Seção, Rel. p/ acórdão Min. Paulo Gallotti, DJU de 18/02/2002.)

Diante do exposto, concedo a ordem para que o paciente possa aguardar o julgamento do recurso de apelação em liberdade, se por algum outro motivo não estiver preso.

É como voto.

Decisão unânime, votando com o relator os ministros Gilson Dipp, Jorge Scartezzini e Laurita Vaz.

Ronaldo Botelho é advogado e professor da Escola da Magistratura.

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