Processual penal. Recurso ordinário em Mandado de Segurança. Busca e apreensão. Medida realizada há mais de sete anos. Ofensa ao princípio da razoabilidade.

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RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA N.º 21.453-DF

Rel.: Min. Felix Fischer

EMENTA

I – A medida de busca e apreensão atende, no presente caso, aos requisitos legais que disciplinam sua realização (art.240 e seguintes do CPP). Contudo, há que se reconhecer que a medida excede prazo de duração recomendável, pois realizada há mais de 7 (sete) anos, sendo que não foi deflagrada, até o presente momento, ação penal referente aos fatos em apuração.

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II – O princípio da razoabilidade, vetor constitucional, embora implícito no texto magno, recomenda que situações como a presente não sejam chanceladas pelo Poder Judiciário, pois se mostram desarrazoadas e divergentes do Estado de Direito.

Recurso ordinário provido.

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(STJ/DJU de 4/6/07)

Trata-se de um caso de recurso ordinário em Mandado de Segurança ao qual foi dado provimento em 19 de abril de 2007, tendo votado com o Senhor Relator, Ministro Felix Fischer, os seguintes Ministros: Gilson Dipp, Laurita Vaz e Arnaldo Esteves Lima. Após 7 (sete) anos de transcurso, considerou a Egrégia Quinta Turma que houve ofensa ao princípio da razoabilidade, não tendo sido até o presente deflagrada a ação penal.

Consta do voto do Relator:

O exmo. sr. Ministro Felix Fischer: No presente caso foi determinada, pelo MM. Juiz da Sexta Vara Criminal de Brasília/DF, medida de busca e apreensão, tendo em vista a notícia de que Ângelo de Santi, Antônio Carlos Levi, José Erenilton Ferreira Barbosa e Francisco José Lima Pereira, sócios da empresa Cobrasf Ltda, estariam possivelmente cometendo crimes de usura e extorsão.

Referido ato constritivo foi efetivado nos domicílios das pessoas acima citadas nos dias 12 e 13 de janeiro do ano de 2000. Pelo que se tem dos autos, referida medida não excedeu os limites legais, observadas, portanto, as regras do art. 240 e seguintes do Código de Processo Penal. Uma vez que estariam sendo apuradas condutas que, em tese, poderiam caracterizar a prática dos crimes de usura e extorsão, mostrou-se apropriada a determinação contida no mandado para apreensão de ?documentos e cheques?.

Nesse ponto, impende registrar o seguinte trecho do voto condutor do v. acórdão reprochado:

?O dr. Juiz não poderia, data venha, por antecipação, antever quais documentos, quais objetos fariam relação com os crimes em apuração, em investigação. Por certo, a ordem de busca e apreensão deveria, mesmo, guardar certa generalidade que não daria vazão a um ato abusivo, injustificável, porque S. ex.ª, o dr. Juiz, na própria ordem de busca e apreensão ressalvou: ?a apreensão dos objetos e documentos que guardassem pertinência com os crimes de usura e extorsão?. Então, na medida em que o Dr. Juiz expressou quais os delitos investigados, por óbvio os objetos e documentos apreendidos deveriam guardar relação com os crimes de usura e de extorsão.

E é neste sentido que, parece-me, a apreensão dos títulos de crédito de fichas cadastrais guardariam absoluta pertinência com o crime de usura, que significa a prática de juros extorsivos, não admitidos em lei? (fl. 994).

Contudo, tenho que a medida, levando em conta a observância ao princípio da razoabilidade, afastou-se dos fins a que originariamente destinada.

Ressalto que, muito embora não examinado este ponto pelo v. acórdão recorrido – demora excessiva para a duração da medida -, tendo em vista o efeito devolutivo amplo afeto ao recurso ordinário em mandado de segurança, nos moldes ao que ocorre em relação ao recurso de apelação, de um lado, e a superveniência da demora, de outro, passo a analisar a questão.

A determinação da medida de busca e apreensão, medida excepcional, não custa lembrar, foi determinada na fase de investigação a fim de que fornecesse subsídios para verificação do cometimento de crimes por parte dos investigados e, assim, posteriormente, fosse proposta a ação penal. Contudo, transcorridos mais de 7 (sete) anos, o feito encontra-se ainda sob a direção da autoridade policial. Ou seja, mesmo após a prova amealhada em virtude da realização da busca e apreensão, não foram colhidos indícios suficientes aptos a ensejarem a instauração da ação penal.

É cediço que muitas vezes dificuldades permeiam o regular andamento das investigações policiais o que faz com que certos atrasos sejam compreendidos e tolerados. Porém, após 7 (sete) anos de investigações, na qual já foi inclusive determinada uma das mais drásticas medidas possíveis nessa fase – a busca e apreensão – e, não tendo sido ainda proposta ação penal, não vejo razão para se manter a constrição aos bens e documentos pertencentes aos investigados.

Nesse momento é necessário que se examine o caso com supedâneo no princípio da razoabilidade que, embora implícito, é constitucionalmente reconhecido. Assim, escapa ao juízo do razoável concordar com a privação dos bens apreendidos há longos sete anos. Se, logo após a colheita da prova não foi possível ao membro do Ministério Público dar início à persecução criminal, o que se dirá passado esse longo tempo.

O Estado Democrático de Direito impõe que medidas como a busca e apreensão sejam consideradas medidas de exceção, eis que privam o particular da posse de seus bens, ainda que temporariamente. Evidente que a comentada medida é necessária e em certas ocasiões imprescindível. Contudo, não pode perdurar indefinidamente no tempo, encontrando, no princípio da razoabilidade, suas balizas.

Poderia se argumentar, com base no disposto no art.118 do Código de Processo Penal que ?antes de transitar em julgado a sentença final, as coisas apreendidas não poderão ser restituídas enquanto interessarem ao processo.? Note-se, contudo, que a hipótese descrita no artigo, ao contrário, reforça o entendimento de que a medida ora combatida, de fato, revela-se, imprópria. É que, a lei, como pode se observar, condiciona a devolução das coisas apreendidas ao fim do processo. E assim deve ser, já que elas, como ressalta o comentado artigo, interessam ao processo. Na hipótese em análise, ao revés, como já ressaltado, decorridos sete anos de investigações, não houve sequer a instauração da ação penal. Portanto, o caso em exame não guarda pertinência com a hipótese regulamentada no citado art. 118 do CPP.

Ademais, impende salientar que a duração razoável do processo e a celeridade de sua tramitação, a partir da Emenda Constitucional n.º 45/04, passou a integrar a lista dos direitos fundamentais consagrados na Constituição Federal. Direito esse, vale lembrar, que se estende também aos processos administrativos. Desse modo, entendo que essa garantia deve alcançar as investigações criminais, pois incontestável que há um interesse, tanto do Estado, como por quem está sendo investigado, que o procedimento não se eternize.

Ante o exposto, dou provimento ao recurso nos termos requeridos pelo recorrente.

É o voto.

Ronaldo Botelho é advogado e professor da Escola da Magistratura.