RECURSO ESPECIAL N.º 988.408-SP
Rel.: Min. Felix Fischer
Ementa

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I – A fundamentação baseada apenas na fragilidade das provas produzidas não autoriza o e. Tribunal a quo a proferir juízo absolutório, em sede de revisão criminal, pois esta situação não se identifica com o alcance do disposto no art. 621, inciso I do CPP que exige a demonstração de que a condenação não se fundou em uma única prova sequer, daí ser, portanto, contrária à evidencia dos autos. (Precedentes desta Corte e do Pretório Excelso)

II – Esta Corte, a propósito, já firmou orientação no sentido de que: “A expressão “contra a evidência dos autos” não autoriza a absolvição por insuficiência ou precariedade da prova.” (REsp 699773/SP, 5.ª Turma, Rel. Min. Gilson Dipp, DJ de 16/5/2005).

III – Assim, uma vez verificado constar no voto condutor do reprochado acórdão que a absolvição ali determinada fundava-se na fragilidade do conjunto probatório, imperioso reconhecer-se a ofensa ao art. 621, inciso I do CPP.

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Recurso especial provido.
(STJ/DJU de 25/8/08)

Decidiu a Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça através do Ministro Felix Fischer, que há diferença entre ser a decisão contrária e evidência dos autos, que autoriza a revisão criminal e a precariedade das provas que abona o Juízo absolutório. No caso, as provas não autorizavam a formação na instância comum de Juízo de condenação, daí ter sido deferida a Revisão Criminal. Constam do Relatório e do voto do Ministro Relator:

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O Exmo. Sr. Ministro Felix Fischer: Trata-se de recurso especial interposto pelo Ministério Público Estadual, com fundamento no art. 105, inciso III, alíneas a e c da Constituição Federal, contra v. acórdão prolatado pelo e. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.
Depreende-se dos autos que o paciente, submetido a julgamento pelo Tribunal do Júri, foi condenado como incurso nas sanções do art. 121, § 2.º, inciso III do Código Penal, à pena de 12 (doze) anos de reclusão. Irresignada apelou a defesa. Mantida a condenação.

Persistindo o inconformismo, ajuizou a defesa revisão criminal a qual, julgada, absolveu o paciente. Daí o presente apelo raro no qual, a par de dissídio jurisprudencial, alega o Parquet violação ao disposto nos arts. 621, inciso I e 626, ambos do Código de Processo Penal. Para tanto aduz que “em sede de revisão criminal, somente se cassa decisão, como contrária à evidência dos autos, que não se apoia em nenhuma prova” e “em revisão criminal, o e. Tribunal de Justiça pode determinar seja o réu submetido a novo julgamento pelo Júri, se entender que a decisão é manifestamente contrária à prova dos autos, mas não pode alterar a decisão do Conselho de Sentença” (fls.113/114).

Busca, ao final, seja cassada a decisão impugnada, por conseguinte restabelecida a condenação. Transcorreu in albis o prazo para oferecimento de contra-razões.

A d. Subprocuradoria-Geral da República se manifestou pelo provimento do recurso em parecer que recebeu a seguinte ementa:
“RECURSO ESPECIAL. REVISÃO CRIMINAL. DIREITO PROCESSUAL PENAL. Só há decisão contrária à prova dos autos quando não se apóia em nenhuma prova existente no processo e não quando os julgadores concluem que as provas são insuficientes ou precárias. PARECER PELO PROVIMENTO DO RECURSO” (fl. 211).

É o relatório.

Voto

O EXMO. SR. MINISTRO FELIX FISCHER: A tese veiculada no presente recurso especial merece prosperar. O recorrido, após ter sido condenado pelo Tribunal do Júri e após o trânsito em julgado, ajuizou pedido de revisão criminal que, uma vez julgado, o absolveu.
Entretanto, os fundamentos utilizados pela e. Corte de origem não se revelam idôneos.

Dispõe o art. 621 do Código de Processo Penal: “Art.621. A revisão dos processos findos será admitida:

I – quando a sentença condenatória for contrária ao texto expresso da lei penal ou à evidencia dos autos.”

O Pretório Excelso, ao interpretar este dispositivo, decidiu:

“- REVISÃO CRIMINAL. – SÓ HÁ DECISÃO CONTRARIA A EVIDENCIA DOS AUTOS QUANDO NÃO SE APOIA ELA EM NENHUMA PROVA EXISTENTE NO PROCESSO, NÃO BASTANDO, POIS, PARA O DEFERIMENTO DA REVISÃO CRIMINAL, QUE OS JULGADORES DESTA CONSIDEREM QUE O CONJUNTO PROBATÓRIO NÃO E CONVINCENTE PARA A CONDENAÇÃO (PRECEDENTES DO S.T.F.). RECURSO EXTRAORDINÁRIO CONHECIDO E PROVIDO.”

(RE 113.269/SP, 1.ª Turma, Rel. Min. Moreira Alves, DJ de 7/8/1987).

Esse entendimento firmado no âmbito da Suprema Corte encontra ressonância neste Tribunal Superior, v.g., HC 16.621/SP, 5.ª Turma, Rel. Min. José Arnaldo da Fonseca e Resp 86.561/SP, 6.ª Turma, Rel. Min. Luiz Vicente Cernicchiaro, DJ de 13/10/1997.
Pois bem, o v. acórdão reprochado, ao determinar, em sede de revisão criminal, a absolvição do recorrido com base no art. 386, inciso VI – não existir prova suficiente para a condenação – sob o fundamento de que existiriam apenas indícios acerca da autoria divergiu, frontalmente, da jurisprudência já firmada.

Como destacado, a revisão criminal ajuizada com base no preceito legal em comento não se confunde com novo recurso de apelação. Assim, não basta a constatação por parte do órgão julgador que os elementos utilizados para a condenação seriam frágeis. Neste caso, para que reste caracterizada a hipótese em que se constata que a condenação é contrária à evidencia dos autos há de exsurgir da decisão combatida a total ausência de qualquer elemento probatório capaz de sustentar o decreto condenatório. Caso contrário, como já enfatizado, a revisão criminal seria equiparada a um segundo recurso de apelação. Não foi por outra razão que esta Corte decidiu que “conforme o disposto no art. 621, do Código de Processo Penal – “quando a sentença condenatória for contrária ao texto expresso da lei penal ou à evidência dos autos”. Interprete-se a norma na seguinte extensão; não é mero reexame do conjunto probatório. É imprescindível a prova reexaminada, por si só, ser bastante. Se outra continuar a respaldar o decreto condenatório, ainda que falha, ou imprópria, a prova impugnada não será suficiente para alterar a sentença condenatória.”(Resp 165.469/DF, 6.ª Turma, Rel. Min. Luiz Vicente Cernicchiaro, DJ de 16/8/1999)

Ainda, no mesmo sentido:

“CRIMINAL. RESP. REVISÃO CRIMINAL. ABSOLVIÇÃO. PRECARIEDADE DAS PROVAS. INADMISSIBILIDADE. RECURSO PROVIDO.
I. Hipótese em que foi deferido o pleito de revisão criminal, para absolver o peticionário, sob o fundamento de precariedade de provas da autoria.

II. Fere o sistema processual penal brasileiro a decisão que, não obstante ter se fulcrado no art. 621, I, do CPP, embasou toda a sua fundamentação na fragilidade e precariedade das provas produzidas, transformando o pedido revisional em recurso de apelação criminal.

III. A expressão “contra a evidência dos autos” não autoriza a absolvição por insuficiência ou precariedade da prova.
IV. Recurso provido.”

(REsp 699773/SP, 5.ª Turma, Rel. Min. Gilson Dipp, DJ de 16/5/2005)

No entanto, a própria tese veiculada no pedido revisional já indicava o uso inapropriado da ação, pois consignado no relatório do v. julgado combatido que a defesa pugnava pela absolvição “com base em insuficiente comprovação de autoria.” (fl.87). E, após esmiuçar a prova coligida no feito arremata afirmando que: “No caso concreto, parece adequado concluir que a condenação deve ser revista. Ela está escorada em elementos precários, cuja convicção final de culpa não passa de fruto de mera presunção”. (fl.87) Além disso está também consignado: “A imputação da autoria é demasiadamente frágil para autorizar o decreto condenatório.” (fl.88) Por fim conclui: “Em suma (…) entendo não haver prova suficiente para a imposição de uma sanção…” (fl.91)

De outro lado, apenas para argumentar, uma vez verificada que a decisão proferida pelo Conselho de Sentença seria contrária à evidencia dos autos, o correto seria determinar que o recorrido fosse submetido a novo julgamento pelo Tribunal do Júri e não determinar, de plano, sua absolvição. Esse o magistério jurisprudencial desta Corte:

“PROCESSO PENAL REVISÃO CRIMINAL TENTATIVA DE HOMICÍDIO TRIBUNAL DO JÚRI DECISÃO MANIFESTAMENTE CONTRÁRIA À PROVA DOS AUTOS MÉRITO DA ACUSAÇÃO RÉU QUE DEVE SER SUBMETIDO A NOVO JÚRI MANUTENÇÃO DE SUA CONSTRIÇÃO CAUTELAR.
– Como se sabe, as decisões proferidas pelo Tribunal do Júri não podem ser alteradas, relativamente ao mérito, pela instância ad quem, podendo, tão-somente, dentro das hipóteses previstas no art. 593, do Código de Processo Penal, ser cassadas para que novo julgamento seja efetuado pelo Conselho de Sentença, sob pena de usurpar a soberania do Júri. Na verdade, o veredicto não pode ser retificado ou reparado, mas sim, anulado.

– O cerne da questão, no presente pedido, situa-se no fato de que a decisão do Júri foi reformada, em seu mérito, em sede revisional que, diferentemente da apelação, cuja natureza é recursal, trata-se de verdadeira ação que é ajuizada sob o manto do trânsito em julgado.

– A meu sentir, seguindo a exegese da melhor doutrina, o reconhecimento pelo Tribunal a quo, de que a decisão do Júri foi manifestamente contrária à prova dos autos, ainda que em sede revisional, não tem o condão de transferir àquela Corte, a competência meritória constitucionalmente prevista como sendo do Tribunal do Júri. Portanto, entendo que cabe ao Tribunal, mesmo em sede de revisão criminal, somente a determinação de que o paciente seja submetido a novo julgamento.

– No que tange à possibilidade do paciente aguardar ao novo julgamento em liberdade, não assiste razão ao impetrante. Com efeito, depreende-se dos autos que o réu foi preso em flagrante delito e nessa condição permaneceu durante toda a instrução e por ocasião da pronúncia. Desconstituída a r. sentença que o condenou e mantidas as condições que demonstravam a necessidade de sua prisão cautelar esta deve ser mantida, em decorrência do restabelecimento da sentença de pronúncia, não se exigindo nova e ampla fundamentação.

– Ante o exposto, concedo parcialmente a ordem, para anular o v. acórdão objurgado, determinando a realização de novo julgamento pelo Tribunal do Júri mantendo-se a constrição do acusado.”

(HC 19419/DF, 5.ª Turma, Rel. Min. Jorge Scartezzini, DJ de 18/11/2002)

Ante o exposto, dou provimento ao recurso e, por conseguinte, casso a decisão do e. Tribunal a quo, restabelecendo a decisão condenatória.

É o voto.

Decisão unânime, votando com o Relator os Ministros Laurita Vaz, Arnaldo Lima e Napoleão Nunes Maia Filho.

Ronaldo Botelho é advogado e professor da Escola da Magistratura.