RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS N.º 86.833-9/SP

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REL: MIN. SEPÚLVEDA PERTENCE

EMENTA

I. Prisão preventiva: fundamentação inidônea: liberdade provisória deferida.

1. Invocação da manutenção da ordem pública: ausência de fato concreto que a justifique.

A referência hipotética à mera possibilidade de reiteração de infrações penais, sem nenhum dado concreto que lhe dê amparo, não pode servir de supedâneo à prisão preventiva.

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2. Garantia da aplicação da lei penal: o simples fato de o recorrente não ter sido encontrado não é por si só bastante a fundamentá-la, a pretexto de fuga do acusado.

3. Suposta ameaça a testemunhas: fundamento acrescentado pelo Superior Tribunal de Justiça e não referido pelo decreto: não cabe às sucessivas instâncias, para denegar a ordem, suprir a deficiência originária da decisão, mediante achegas de novos motivos por ela não aventados.

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II. Suspensão condicional do processo: ausência de demonstração de que a questão tenha sido suscitada oportunamente, o que inviabiliza a concessão do habeas corpus de ofício.

(STF/DJU de 17/02/06)

Decidiu o Supremo Tribunal Federal, através de sua Primeira Turma, Relator o Ministro Sepúlveda Pertence, que as deficiências do Decreto de Prisão Preventiva não podem ser supridas por novos motivos acrescentados pelas sucessivas instâcias.

Consta do voto do Relator:

O Senhor Ministro Sepúlveda Pertence – (Relator):

Estou convencido de que, conforme enfatizou o Il. Subprocurador-Geral Cláudio Fonteles, o recurso deve ser provido, por insubsistência do decreto da prisão preventiva.

Extrato, no ponto, do parecer do Ministério Público Federal, cujos fundamentos adoto como razão de decidir:

?(…)

Não se pode aceitar o primeiro fundamento do decreto, da manutenção da ordem pública, ?posto restar por diversas vezes reiterado que se utilizam da fraude previdenciária como meio de vida, praticando variados estelionatos, consumados e tentados, com o mesmo modus operandi e sempre sob orientação do ?cabeça? Carlos Dória?. A referência hipotética à mera possibilidade de reiteração de infrações penais, sem nenhum dado concreto que lhe dê amparo, não pode, a meu ver, servir de supedâneo à prisão preventiva.

Penso que também não pode prevalecer o segundo fundamento, sobre a aplicação da lei penal. O simples fato de o recorrente não ter sido encontrado não é, por si só, indicativo da fuga, que não pode ser presumida. Sem que estejam presentes fundamentos concretos para a prisão preventiva, o fato de o acusado não ser encontrado apenas abre ensejo à aplicação do artigo 366 do Código de Processo Penal, com a decretação da revelia e a conseqüente suspensão do processo e do prazo de prescrição.

No sentido o voto do Ministro Sepúlveda Pertence no HC 79.392-SP (DJU 22.10.1999): ?como a citação por edital pressupõe, de regra, não ter sido o réu encontrado para a citação por mandado, da disposição se extrai que a sua hipótese normativa por si só não é motivo bastante a pretexto de fuga do acusado para a prisão preventiva, que só se decretará, com a suspensão do processo decorrente da revelia, ?se for o caso?, segundo a regra geral do art. 312 do Código?. Consignou, ainda, o relator que ?do contrário, o novo art. 366 C.Pr.Pen. teria feito ressurgir a prisão preventiva obrigatória, pela só ausência ao interrogatório do citado por edital: imprevisível absurdo dos absurdos, pois a revelia é faculdade do acusado, posto lhe acarrete, conforme a lei nova, com a suspensão do processo, a do curso da prescrição?. Aliás, nesses casos, é comum o decreto de prisão buscar apoio no suposto ?desinteresse em colaborar com a Justiça?. Mas, como tem decidido o Supremo Tribunal Federal, ao investigado ?não cabe o ônus de cooperar de qualquer modo com a apuração dos fatos que o possam incriminar que é de todo dos organismos estatais da repressão penal? (HC 79.781-SP, rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJU 09.06.2000).

Por outro lado, quanto à suposta ameaça às testemunhas, cuida-se de fundamento acrescentado posteriormente pelo acórdão do Superior Tribunal de Justiça e que, portanto, não pode servir para respaldar o decreto de prisão, que nenhuma referência fez a esse fato.

(…)?.

Certo, o MPF também se manifestou favorável à remessa dos autos ao Ministério Público estadual para que este se manifeste quanto à suspensão condicional do processo, verbis:

?Finalmente, no tocante à alegação de que seria possível, no caso em apreço, a suspensão do processo, afigura-se procedente o argumento defensivo na medida em que ao acusado imputa-se exclusivamente a prática do crime previsto no artigo 288, do Código Penal, o que o torna, em tese, beneficiário da suspensão condicional do processo.

Desse modo, deve ser determinado o retorno dos autos ao Ministério Público para manifeste sobre a suspensão condicional do processo ao ora Recorrente.?

Ocorre que o único pedido contido no recurso e na linha da impetração ao STJ – é de revogação da prisão preventiva.

E, à falta de demonstração de que a questão fora suscitada oportunamente, deixo de conceder, no ponto, a ordem de ofício.

Este o quadro, dou provimento ao recurso, para conceder liberdade provisória ao paciente, se por al: é o meu voto.

Decisão unânime, votando com o Relator os Ministros Marco Aurélio, Cezar Peluso, Carlos Britto e Eros Grau.

Ronaldo Botelho é advogado e professor da Escola da Magistratura.