Processual penal. Prisão em flagrante. Pedido de liberdade provisória. Indeferimento que deve ser fundamentado. Condenação em regime semi-aberto. Direito de apelar em liberdade

“HABEAS CORPUS N.º 27.270/DF

Rel.: Min. Félix Fischer

EMENTA – I – Uma vez prolatada a sentença penal, fica sem objeto o writ que pretende ver reconhecida a inexistência dos motivos ensejadores da prisão preventiva.

II – O indeferimento do pedido de liberdade feito em favor de quem foi detido em flagrante deve ser, em regra, concretamente fundamentado. A gravidade do delito não pode, por si só, dar ensejo à manutenção da medida constritiva, impedindo-se a concessão de liberdade provisória.

III – Se, na r. sentença condenatória, foi fixado o regime semi-aberto como o inicial de cumprimento da pena, deverá o réu aguardar o julgamento do recurso da apelação em liberdade, se por al não estiver preso.

Hábeas corpus prejudicado, com concessão de ofício, por outros motivos.”

(STJ/DJU de 12/8/03, pág. 250)

Neste julgado da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, relator o ministro Félix Fischer, duas importantes decisões em favor dos direitos processuais dos acusados foram tomadas: a primeira delas diz respeito com orientação que já se consolida no seio da Corte de que o indeferimento da liberdade provisória em caso de flagrante deve sempre ser devidamente fundamentado, não bastando a simples referência à gravidade do crime, tanto faz que hediondo ou não. A segunda, refere-se a entendimento que já se torna majoritário na Corte de que o acusado condenado em regime semi-aberto tem direito de apelar em liberdade.

Consta do voto do relator

Vê-se, pois, que a apreciação relativa à custódia cautelar não trouxe a devida fundamentação, apesar de indicar a materialidade e indícios de autoria, restringindo-se a apontar que pela garantia da ordem pública e aplicação aplicação da lei penal, deveria o paciente permanecer aprisionado.

Determina o art. 310, parágrafo único, do Código de Processo Penal, que será concedida liberdade provisória quando o juiz verificar a inocorrência de qualquer das hipóteses que autorizem a prisão preventiva. A fundamentação não pode basear-se em proposições abstratas que, em tese, se aplicam a uma pluralidade de delitos, mas deve exsurgir de fatos concretos. Assim, a simples indicação genérica dos requisitos do artigo 312 não serve de base para a constrição. Também a gravidade do delito não pode, por si só, impedir a liberdade provisória.

Nesse sentido, já se manifestou esta Corte Superior, in verbis:

“HABEAS CORPUS. ROUBO QUALIFICADO. FUNDAMENTAÇÃO DO INDEFERIMENTO DO PEDIDO DE LIBERDADE PROVISÓRIA. AUSENTES OS REQUISITOS EXIGIDOS PELO ART. 312, DO CPP A JUSTIFICAR A MANUTENÇÃO DA PRISÃO.

A gravidade do delito, por si só, não enseja a proibição da liberdade provisória, que também exige o atendimento aos pressupostos inscritos no CPP, art. 312, mediante a exposição de motivos concretos a indicar a necessidade da cautela.

Não há elementos efetivos de que o réu vá perturbar a ordem pública, a instrução criminal ou a aplicação da lei penal. A gravidade genérica do delito, desprovida de modus operandi que indique a periculosidade concreta do paciente, não justifica a manutenção da custódia cautelar.

Liminar confirmada.

Ordem concedida”.

(HC 19.761/SP, 5.ª Turma, Rel. Min. José Arnaldo da Fonseca, DJU de 13/5/02).

“RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. ESTRANGEIRO. USO DE DOCUMENTO FALSO. PRISÃO EM FLAGRANTE. LIBERDADE PROVISÓRIA.

Afigura-se viável a concessão do benefício da liberdade provisória em hipóteses, como a dos autos, em que se verifica a insubsistência, a teor do art. 312 do CPP, dos motivos ensejadores da custódia cautelar.

Recurso parcialmente provido para conceder a liberdade provisória ao recorrente, com a conseqüente expedição do alvará de soltura, se por outro motivo não estiver preso, sem prejuízo de eventual decretação de prisão preventiva devidamente fundamentada”.

(RHC 13.889/SP, 5.ª Turma, DJU de 05/05/2003).

“CRIMINAL. HC. ESTELIONATO. PRISÃO PREVENTIVA. AUSÊNCIA DE CONCRETA FUNDAMENTAÇÃO. NECESSIDADE DA MEDIDA NÃO-DEMONSTRADA. PRESENÇA DE CONDIÇÕES PESSOAIS FAVORÁVEIS. RECURSO PROVIDO.

I. Exige-se concreta motivação do decreto de prisão preventiva, com base em fatos que efetivamente justifiquem a excepcionalidade da medida, atendendo-se aos termos do art. 312 do CPP e da jurisprudência dominante. Precedentes.

II. Condições pessoais favoráveis, mesmo não sendo garantidoras de eventual direito subjetivo à liberdade provisória, devem ser devidamente valoradas, quando não demonstrada a presença de requisitos que justifiquem a custódia processual.

Ordem concedida para revogar a prisão cautelar efetivada contra ZADEIR FERREIRA DOS SANTOS, determinando a imediata expedição de alvará de soltura em seu favor, se por outro motivo não estiver preso, mediante condições a serem estabelecidas pelo Julgador de 1º grau, sem prejuízo de que venha a ser decretada novamente a custódia, com base em fundamentação concreta”.

(HC 18.330/PR, 5.ª Turma, Rel. Min. Gilson Dipp, DJU de 4/3/2002).

“RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. PRISÃO PREVENTIVA.

1. É nula a decisão desprovida de fundamentação, mostrando-se irrepreensível a sua desconstituição, o que conseqüencializa ilegalidade a sanar.

2. Recurso improvido”.

(RHC 9.320/PR, 6.ª Turma, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, DJU de 18/9/2000).

“HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. PRISÃO EM FLAGRANTE. LIBERDADE PROVISÓRIA CONCEDIDA A UM DOS CO-RÉUS. FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO DO DECISUM QUE DENEGA O BENEFÍCIO AOS DEMAIS CO-RÉUS.

I – A decisão que indefere o pedido de liberdade provisória deve obrigatoriamente demonstrar a ocorrência concreta dos requisitos da custódia cautelar (Inteligência do parágrafo único do art. 310 do CPP).

II -A simples indicação genérica dos re-quisitos do artigo 312 não serve de base para a constrição.

III- Ordem deferida para conceder liberdade provisória aos pacientes”

(HC 10.962/SP, 5.ª Turma, DJU de 02/05/2000).

Frise-se, ainda, que tal situação também não restou sanada quando da prolação da sentença, que, por sua vez, não trouxe uma suficiente fundamentação, a ponto de justificar a custódia do paciente, cingindo-se a dizer que estavam presentes nos autos os requisitos autorizadores da prisão preventiva. Observa-se, ainda, que, com fulcro no art. 33, § 2º, “b” do Código Penal, foi fixado como regime inicial de cumprimento de pena o semi-aberto, demonstrando inexistir qualquer justificativa para uma imposição de regime mais rigoroso, como prevê o § 3º, do citado artigo.

Quanto a esse último aspecto, inclusive, vale ressaltar que apesar de ter sido fixado o regime semi-aberto, como sendo o inicial para o cumprimento da pena (fl. 234), a MM. Juíza de Direito, entendeu por não permitir ao réu que recorresse em liberdade. Ora, o paciente não pode aguardar o julgamento de eventual apelo em regime diverso daquele fixado na r. sentença.

Nesse sentido, destaco os seguintes precedentes proferidos por esta Eg. Corte Superior de Justiça:

“RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. PROCESSO PENAL. RÉU QUE ESTEVE PRESO DURANTE TODO O PROCESSO. CONDENAÇÃO. NEGATIVA DO DIREITO DE APELAR EM LIBERDADE. REGIME SEMI-ABERTO.

“A exigência da prisão provisória, para apelar, não ofende a garantia constitucional da presunção de inocência” (Súmula 09, do STJ).

Encontrando-se o paciente preso durante a instrução do processo, não faz jus ao apelo em liberdade da sentença condenatória, tendo em vista que um dos efeitos desta é que o réu seja conservado na prisão. Maus antecedentes expressamente consignados na sentença.

Sendo fixada, entretanto, na sentença que o regime inicial para o cumprimento da pena será o semi-aberto, é neste regime que deverá ser mantido o paciente se por outro motivo não estiver preso. Precedentes.

Recurso parcialmente provido”.

(RHC 11.501/SP, 5.ª Turma, Rel. Min. José Arnaldo da Fonseca, DJU de 4/3/02).

“PROCESSUAL PENAL. RECURSO ORDINÁRIO DE HABEAS CORPUS. TENTATIVA DE FURTO QUALIFICADO. APELO EM LIBERDADE. RÉU REINCIDENTE.

I – Não tem direito de apelar em liberdade o réu reincidente (art. 594 do CPP e Súmula n.º 09 – STJ).

II – Se, todavia, foi beneficiado com regime semi-aberto, ele deverá aguardar o julgamento do recurso na forma indicada na sentença se por al não estiver preso.

Recurso parcialmente provido”.

(RHC 9.111/SP, 5.ª Turma, DJU de 13/12/1999).

“PROCESSUAL PENAL. HABEAS-CORPUS. SENTENÇA CONDENATÓRIA. DIREITO DE RECORRER EM LIBERDADE. MAUS ANTECEDENTES. MULTIPLICIDADE DE CRIMES. REGIME PRISIONAL. INOBSERVÂNCIA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL.

– Não tem direito a apelar em liberdade em face de sentença penal condenatória o réu submetido a múltiplos processos, relevando personalidade dirigida à atuação criminosa, impondo-se a sua submissão a custódia processual.

– Condenado o réu a cumprir pena em regime semi-aberto, não pode o mesmo ser mantido em regime fechado, sob pena de incorrer em patente constrangimento ilegal.

– Habeas-corpus parcialmente concedido”.

(HC 9.054/RJ, 6.ª Turma, Rel. Min. Vicente Leal, DJU de 23/8/1999).

Ante o exposto, julgo prejudicado o presente writ e, de ofício, concedo a ordem para que, sendo devidamente intimado da r. sentença condenatória e, em havendo eventual recurso de apelação, possa o paciente aguardar em liberdade o julgamento do apelo, se por al não estiver preso.

É o voto.

Decisão unânime, votando com o relator os ministros Gilson Dipp, Jorge Scartezzini, Laurita Vaz e José Arnaldo da Fonseca.

Ronaldo Botelho

é advogado e professor da Escola da Magistratura.