Processual penal. Prisão da pronúncia. Decretação, manutenção ou revogação. Necessidade de fundamentação.

HABEAS CORPUS N.º 20.260/MS

Rel: Min. Vicente Leal

EMENTA – Embora se conceba a prisão provisória como efeito jurídico-processual da sentença de pronúncia, deve, todavia, o juiz, seja para decretar, seja para manter, seja para revogar a custódia, decidir de modo fundamentado, com demonstração objetiva das razões que indiquem a necessidade da cautela.

– À luz do comando expresso no art. 408 § 2.º, do CPP, constitui constrangimento ilegal, passível de reparação por habeas-corpus, a manutenção da prisão processual após a sentença de pronúncia, sem qualquer referência à necessidade da custódia.

Habeas-corpus concedido.

(STJ/DJU de 13/10/03, pág. 449)

Decidiu o Superior Tribunal de Justiça, através de sua Sexta Turma, relator o ministro Vicente Leal, que a prisão na pronúncia, seja para a decretação, seja para a manutenção, ou, mesmo para a revogação, deve ser fundamentada, com razões concretas e vinculadas.

Consta do relator:

Exmo. Sr. Ministro Vicente Leal (Relator): Funda-se o presente habeas-corpus na alegação de que o paciente se encontra submetido a constrangimento ilegal porque, estando sob prisão preventiva, permanece preso após a sentença de pronúncia, embora neste édito o juiz tenha silenciado sobre a manutenção da custódia.

Examine-se a alegação.

Efetivamente, a sentença de pronúncia, inserta nestes autos, por cópia, às fls. 11/17, foi absolutamente silente quanto à manutenção da prisão processual. Não manteve, nem revogou a custódia. Nada disse.

Tal postura, situa-se em desarmonia absoluta com a regra do art. 408 § 2.º, do CPP, que preconiza, verbis:

“Se o réu for primário e de bons antecedentes, poderá o juiz deixar de decretar-se a prisão ou revogá-la, caso já se encontre preso”.

À luz desse preceito, a jurisprudência pretoriana consolidou o entendimento de que, embora se conceba a prisão provisória como efeito jurídico-processual da sentença de pronúncia, todavia, o juiz sentenciante, seja para decretar, seja para manter, seja para revogar a custódia, deve decidir de modo fundamentado, com demonstração objetiva, na hipótese de segregação física, das razões que indiquem a necessidade da cautela.

Como qualquer outra prisão processual, a sentença por pronúncia deve ser suficientemente motivada, porque restritiva do status libertatis, que deve, em princípio ser preservado, à luz do princípio da presunção de inocência. De outra parte, a motivação do decreto prisional, inclusive na sentença de pronúncia, atende às exigências do art. 315, do CPP, e do art. 93, IX, da Carta Magna.

Sentença de pronúncia que silencia quanto à manutenção ou revogação da prisão preventiva afronta a regra do art. 408, §§ 1.º e 2.º, do CPP, e constitui constrangimento ilegal, passível de reparação por via de habeas-corpus.

Tal é a hipótese dos autos.

A propósito, assim manifestou-se a douta Subprocuradoria-Geral da República, verbis:

“Com efeito, verifica-se, que o juiz sentenciante realmente não se manifestou em momento algum sobre a situação prisional em que se encontra o Paciente.

É dever do Juiz na sentença de pronúncia, como no caso presente, recomendar o réu na prisão em que se encontre ou colocá-lo em liberdade, de forma fundamentada” (fls. 199).

E em reforço ao seu entendimento, o nobre subprocurador-geral José Flaubert Machado põe em destaque o magistério de Julio Fabrini Mirabete, verbis:

“Na sentença de pronúncia, o juiz deve, no caso de estar o réu preso, ‘recomendá-lo na prisão em que se achar’, ou, no caso de estar em liberdade, expedir as ordens necessárias para sua captura. A prisão decorrente da pronúncia constitui, portanto, segundo a lei, efeito natural e necessário desse ato de inocência consagrando no artigo 5.º, LVII, da Constituição Federal de 1988. A Carta Magna não veda a decretação de qualquer espécie de prisão provisória decretada pelo juiz, entre elas a decorrente da pronúncia, e não autoriza indiscriminadamente a liberdade do acusado durante a ação penal. Quando se refere no artigo 5.º à prisão em flagrante ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente (inc. LXI) e à liberdade provisória, quando a lei a admitir (inc. LXVI), à evidência permite o recolhimento à prisão durante o processo quando houver previsão legal. O referido princípio constitucional impede a execução da pena e os efeitos da condenação, mas não a prisão antes do trânsito em julgado da sentença. Entretanto, deve-se entender que a prisão cautelar deve sempre ser motivada, somente se justificando quando necessário ou conveniente” (in Código de Processo Penal Interpretado, 3.ª edição, 1995. pág. 484).

Nessa linha de visão, é de se reconhecer a presença do constrangimento ilegal decorrente da manutenção da custódia sem motivação.

Isto posto, concedo o habeas-corpus para ordenar a soltura do paciente Maurício Zomigman Fontanari, nos termos do pedido.

É o voto.

Processual penal. Crime tributário. Pagamento após o recebimento de denúncia. Extinção da punibilidade. Aplicação retroativa do art. 9.º da Lei n.º 10.684/03.

“HABEAS CORPUS N.º 81.929-0/RJ

Rel.: Min. Cézar Peluso

EMENTA – O pagamento do tributo, a qualquer tempo, ainda que após o recebimento da denúncia, extingue a punibilidade do crime tributário.

(STJ/DJU de 27/2/04).

Decidiu o Supremo Tribunal Federal, através de sua Primeira Turma, relator o ministro Cézar Peluso, que, nos crimes tributários (arts. 1.º e 2.º da lei n.º 8.137/90 e 168-A e 337-A do Código Penal), o pagamento do tributo mesmo após o recebimento da denúncia constitui causa de extinção da punibilidade.

Trata-se de decisão das mais justas e acertadas. Se o que o governo pretendia quando editou essas leis dos crimes tributários era receber os impostos através da ameaça da sanção penal, nada mais correto do que extinguir a punibilidade sempre que o tributo for pago. E qual a diferença essencial entre o pagamento do tributo antes do recebimento da denúncia, ou depois?

Além disso, muitas vezes o fisco se excede nos cálculos, levando o contribuinte a recorrer às instâncias superiores. Porém, quando obtém resultado favorável já é tarde, porque o Ministério Público propôs anteriormente a ação penal.

Consta do voto do relator:

Ministro Cézar Peluso

1. Os impetrantes atacam aresto do Superior Tribunal de Justiça, argüindo, em síntese, nulidade do julgamento em virtude de entrave à realização de sustentação oral e, no mérito, insurgem-se contra avaliação dos antecedentes para efeito da prisão contra o ora paciente decretada.

2. Pedi vista dos autos para melhor exame de ambas as increpações e, ao fazê-lo, deparei com questão preliminar que, a meu juízo, prejudica a análise dos fundamentos do pedido.

3. Os impetrantes aduziram, à inicial, ter sido o débito quitado antes da edição da sentença que condenou o ora paciente. Deveras, do apenso consta cópia incontroversa da guia de recolhimento de tributo e de seus acessórios, cujo pagamento se deu em 24 de novembro de 1998 (doc. n.º 14, fls. 61). Por confirmar o acerto da decisão do Plenário no HC n.º 81.611 (rel. min. Sepúlveda Pertence) sublinho que a impugnação administrativa do auto de infração e lançamento acabou por reduzir o débito de 899.321,81 para 10.122,87 Ufir, ou seja, reduziu-o em 97% (!), tornando possível ao paciente quitar a dívida e assoalhar a magnitude do desacerto da autuação.

4. É de recordar que, na época – 1998 – os efeitos penais do pagamento do tributo estavam regidos pelo disposto no art. 34 da Lei n.º 9.249/95, que previa a extinção da punibilidade mediante o pagamento, só quando fosse este realizado até o recebimento da denúncia. Daí, não terem os impetrantes postulados desde logo a extinção da punibilidade, por falecer-lhe tal direito ao paciente, ao tempo da impetração.

Ocorre que, em 30 de maio do presente ano, veio a lume a Lei n.º 10.684, a qual, no art. 9.º, deu nova disciplina aos efeitos penais (do parcelamento e) do pagamento do tributo, nos casos dos crimes descritos nos arts. 1.º e 2.º da Lei n.º 8137, de 27 de dezembro de 1990, e nos arts. 168-A e 337-A do Código Penal.

“Art. 9.º – É suspensa a pretensão punitiva do Estado, referente aos crimes previstos nos arts. 1.º e 2.º da Lei n.º 8.137, de 27 de dezembro de 1990, e nos arts. 168-A e 337-A do Decreto-Lei n.º 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, durante o período em que a pessoa jurídica relacionada com o agente dos aludidos crimes estiver incluída no regime de parcelamento.

§ 1.º A prescrição criminal não corre durante o período de suspensão da pretensão punitiva.

§ 2.º Extingui-se a punibilidade dos crimes referidos neste artigo quando a pessoa jurídica relacionada com o agente efetuar o pagamento integral dos débitos oriundos de tributos e contribuições sociais, inclusive acessórios” (grifei).

Pondera, então a doutrina:

“uma leitura apressada, feita sob a ótica da disciplina do antigo Refis, do novo § 2.º do artigo 9.º poderia levar à crença de se tratar de norma que faz referência ao momento final do parcelamento, ou seja, que o final do parcelamento, implicando em pagamento, levaria à extinção da punibilidade. Sim, o entendimento está correto, mas o dispositivo diz mais que isto. Em nosso entender, o dispositivo pode perfeitamente ser interpretado de forma a permitir que sempre que houver pagamento, independentemente de ser o momento final do parcelamento, extinta estará a punibilidade e, agora, sem limite temporal, isto é, sem que o recebimento da denúncia inviabilize o efeito jurídico-penal do pagamento integral do tributo.

Esta interpretação se assenta em dois fundamentos. Primeiro deles: na disciplina anterior (do Refis), o § 3.º expressamente atrelava a extinção da punibilidade ao pagamento das parcelas do parcelamento, verbis: Extingui-se a punibilidade dos crimes referidos neste artigo quando a pessoa jurídica relacionada com o agente efetuar o pagamento integral dos débitos oriundos de tributos e contribuições sociais, inclusive acessórios, que tiverem sido objeto de concessão de parcelamento antes do recebimento da denúncia criminal”(grifamos). A nova disciplina é bem diferente sob este aspecto, confira-se: “Extingue-se a possibilidade dos crimes referidos neste artigo quando a pessoa jurídica relacionada com o agente efetuar o pagamento integral dos débitos oriundos de tributos e contribuições sociais, inclusive acessórios” (art. 9.º, § 2.º). O segundo deles reside na questão da igualdade: se o agente pode, a qualquer momento, parcelar o débito, suspendendo a punibilidade que, ao cabo do parcelamento, será extinta, com maior razão a mesma extinção aquele que opta por, num só ato, pagar integralmente o débito.

Tal qual ocorre relativamente ao parcelamento, a nova disciplina dos efeitos jurídico-penais do pagamento, por ser mais benéfica, retroage atingindo todos os cidadãos que se encontrem nesta situação, não importando, igualmente, o estágio processual (art. 5.º, XL, CF, art. 2.º, CP)” (Heloísa Estellita, “Pagamento e parcelamento nos crimes tributários: a nova disciplina da Lei n.º 10.684/03”, in Boletim IBCCRIM, SP, set. 2003, p. 2-3).

A nova disciplina, evidentemente mais benéfica ao réu, retroage para alcançar o presente caso (art. 5.º, da Constituição Federal), impondo à Corte o dever de outorgar de ofício a ordem, nos termos do art. 61, caput, do Código de Processo Penal:

“Em qualquer fase do processo, o juiz, se reconhecer extinta a punibilidade, deverá declará-lo de ofício”.

Para tais razões, concedo habeas corpus de ofício, para declarar extinta a punibilidade do crime imputado ao paciente, em virtude do pagamento do tributo e acessórios na forma prevista pelo art. 9.º, § 2.º, da Lei n.º 10.684/03.

Retificação de voto

O senhor ministro Sepúlveda Pertence – (presidente) – acompanho o eminente ministro Cezar Peluso para deferir de ofício o habeas corpus.

Assinalo, apenas, que a nova lei tornou escancaradamente clara que a repressão penal nos “crimes contra a ordem tributária” é apenas uma forma reforçada de execução fiscal.

Lavrará o acórdão o ministro Cezar Peluso.

Ronaldo Botelho

é advogado e professor da Escola de Magistratura.