“HABEAS CORPUS N.º 24.087/SP
Rel.: Min. Hamilton Carvalhido
EMENTA – 1. A toda evidência, a fundamentação das decisões do Poder Judiciário, tal como resulta da letra do inciso IX do artigo 93 da Constituição da República, é condição absoluta de sua validade e, portanto, pressuposto da sua eficácia, substanciando-se na definição suficiente dos fatos e do direito que a sustentam, de modo a certificar a realização da hipótese de incidência da norma e os efeitos dela resultantes.
2. Tal fundamentação, para mais, deve ser deduzida em relação necessária com as questões de direito e de fato postas na pretensão e na sua resistência, dentro dos limites do pedido, não se confundindo, de modo algum, com a simples reprodução de expressões ou termos legais, postos em relação não raramente com fatos e juízos abstratos, inidôneos à incidência da norma invocada.
3. A prisão por pronúncia, que é de natureza cautelar, obrigatória de forma absoluta no regime legal anterior, pode não ser mantida ou não ser decretada, em se cuidando do réu primário e de bons antecedentes, dês que ausentes os motivos da prisão preventiva, elencados no artigo 312 do Código de Processo Penal.
4. Deve o juiz, no próprio da questão cautelar, por força mesmo das normas insertas no parágrafo 2.º do artigo 408 do Código de Processo Penal e no inciso IX do artigo 93 da Constituição da República, decidir fundamentadamente a prisão ou a liberdade do imputado, pena de nulidade.
5. Em se reproduzindo, para além da inócua alusão a “que a presença física do increpado é indispensável aos trabalhos em Plenários”, meramente expressões e termos legais, induvidosamente insuficientes ao atendimento do imperativo constitucional da motivação das decisões judiciais, garantia da liberdade contra o abuso e indispensável ao exercício do direito de defesa conseqüente à presunção de inocência, faz-se manifesta, em sede da pronúncia, a caracterização do constrangimento ilegal.
6. Ordem concedida.”
(STJ/DJU de 30/6/2003, pág. 316).
A Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, relator o ministro Hamilton Carvalhido, decidiu que é obrigatória a manifestação da sentença de pronúncia sobre a prisão preventiva anteriormente decretada, tanto para revogá-la, como para mantê-la.
Consta do voto do relator:
O Exmo. Sr. Ministro Hamilton Carvalhido (Relator): Senhores Ministros, a toda evidência, a fundamentação das decisões do Poder Judiciário, tal como resulta da letra do inciso IX do artigo 93 da Constituição Federal, é condição absoluta de sua validade e, portanto, pressuposto da sua eficácia, substanciando-se na definição suficiente dos fatos e do direito que a sustentam, de modo a certificar a realização da hipótese de incidência da norma e os efeitos dela resultantes.
Tal fundamentação, para mais, deve ser deduzida em relação necessária com as questões de direito e de fato postas na pretensão e na sua resistência, dentro dos limites do pedido, não se confundindo, de modo algum, com a simples reprodução de expressões ou termos legais, postos em relação não raramente com fatos e juízos abstratos, inidôneos à incidência da norma invocada.
Em se tratando de prisão por pronúncia, a norma com incidência é a do artigo 408, parágrafo 2.º do Código de Processo Penal, verbis:
“Art. 408. Se o juiz se convencer da existência do crime e de indícios de que o réu seja o seu autor, pronunciá-lo-á, dando os motivos do seu convencimento.
§ 1.º Na sentença de pronúncia o juiz declarará o dispositivo legal em cuja sanção julgar incurso o réu, recomendá-lo-á na prisão em que se achar, ou expedirá as ordens necessárias para sua captura.
§ 2.º Se o réu for primário e de bons antecedentes, poderá o juiz deixar de decretar-lhe a prisão ou revogá-la, caso já se encontre preso.”
São estes os termos da pronúncia, no particular da prisão cautelar do ora paciente:
“(…)
Ante o exposto, pronuncio o réu GENILSON GOMES DE OLIVEIRA como incurso: a) no artigo 121, ‘caput’, c.c. artigo 14, inciso II, e artigo 29, na qualidade de partícipe do delito; e b) no artigo 155, § 4.º, inciso IV, todos do Código Penal, nos termos do artigo 408, ‘caput’, do Código de Processo Penal, a fim de que seja julgado pelo Egrégio Tribunal do Júri desta Comarca.
Mantenho a custódia cautelar do increpado. O réu não poderá aguardar o julgamento em liberdade eis que, tendo sido preso em flagrante e encontrando-se recolhido desde então, persistem os motivos ensejadores da prisão cautelar, quais sejam, a conveniência da instrução criminal e garantia da aplicação da lei penal, não se podendo olvidar que a presença física do increpado é indispensável aos trabalhos em Plenário.” (fls. 50/54).
E esta, a letra do acórdão impugnado:
“(…)
De insuficiência na fundamentação da decisão denegatória do direito de aguardar em liberdade o processamento do recurso interposto ou o julgamento pelo Júri, não há falar, certamente, visto que, segundo se vê a fls. 66 dos autos, deu o magistrado satisfatória e adequada explicação para a preservação da custódia do paciente. Ressaltou tratar-se de réu preso em flagrante e que assim permanecera ao longo de toda a instrução, fazendo evidente, ainda, que a presença física do acusado, para julgamento pelo tribunal popular, era razão a mais para preservar sua prisão.
Mas não é caso, tampouco, de se revogar a custódia até aqui imposta e que restou bem preservada pela pronúncia.
É que, se o réu foi denunciado e processado como autor de um homicídio tentado cumulado com furto qualificado, preso que fora em situação de flagrante, assim permanecendo ao longo de todo o processo, sem que jamais tivesse, ao que parece, reclamado contra a prisão regular, agora, certamente, muito menos poderia ter atendida pretensão da natureza dessa que aqui vem deduzida.
Como já se decidiu até mesmo no Supremo Tribunal Federal, ‘seria paradoxal que o réu que tivesse sido mantido preso no curso do processo… fosse posto em liberdade para aguardar o resultado de sua apelação, exatamente quando sua responsabilidade penal foi fixada…’ (STF, RHC n.º 61.894-4/SP, in DJU 120:10130, 22/6/84).
Mostrar-se-ia, na verdade, sumamente contraditória a postura judicial que, mantendo preso o acusado durante todo o processo, o que terá acontecido, certamente, por não vislumbrarem, o juiz e o tribunal, razão para a liberdade dele, ao depois da pronúncia, quando sobre o réu já pesa um juízo de admissibilidade da acusação, e sem que circunstâncias supervenientes recomendem posicionamento diverso do até então adotado, viessem a revogar a custódia em nome de uma dita injustificabilidade do encarceramento cautelar.
E se a tudo isso se somar, então, a nenhuma prova feita pelo paciente de que ostenta todos aqueles atributos que a si confere, não há como questionar a legitimidade da deliberação judicial que, até aqui, vem preservando a custódia de há muito decretada e imposta ao acusado.
Máxime se se ponderar, por derradeiro, que, segundo bem observado pelo magistrado, no caso, trata-se de crimes violentos, desses que mais indignação e temor trazem à população, comprometedores, por isso, da ordem pública, da paz social e que reclamam a presença física do acusado para que tenha lugar seu julgamento em plenário.” (fls. 77/79).
A prisão por pronúncia, que é de natureza cautelar, obrigatória de forma absoluta no regime legal anterior, pode não ser mantida ou não ser decretada, em se cuidando de réu primário e de bons antecedentes, dês que ausentes os motivos da prisão preventiva, elencados no artigo 312 do Código de Processo Penal.
De tanto, resulta que, em admitindo a acusação do réu perante o Tribunal do Júri, deve o juiz, no próprio da questão cautelar, por força mesmo das normas insertas no parágrafo 2.º do artigo 408 do Código de Processo Penal e no inciso IX do artigo 93 da Constituição da República, decidir fundamentadamente a prisão ou a liberdade do imputado, pena de nulidade.
In casu, fazendo manifesta a caracterização de constrangimento ilegal, permaneceu o juiz da pronúncia, para além da inócua alusão a “que a presença física do increpado é indispensável aos trabalhos em Plenários”, na afirmação pura de que “tendo sido preso em flagrante e encontrando-se recolhido desde então, persistem os motivos ensejadores da prisão cautelar, quais sejam, a conveniência da instrução criminal e garantia da aplicação da lei penal”, reproduzindo meramente expressões e termos legais, induvidosamente insuficientes ao atendimento do imperativo constitucional da motivação das decisões judiciais, garantia da liberdade contra o abuso e indispensável ao exercício do direito de defesa conseqüente à presunção de inocência.
Não é outra a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, valendo transcrever, a propósito, o seguinte precedente:
“HABEAS CORPUS. PROCESSO PENAL. PRISÃO PREVENTIVA. PRONÚNCIA.
A sentença de pronúncia deve manifestar-se sobre a prisão preventiva anteriormente decretada, seja para revogá-la ou para mantê-la.
A omissão da pronúncia importa na concessão de liberdade ao paciente.
Não vige mais o princípio da prisão obrigatória decorrente da pronúncia.
Habeas corpus deferido.” (HC 80.200/RJ, Relator Ministro Nelson Jobim, in DJ 24/8/2001).
E a deste Superior Tribunal de Justiça:
“PROCESSUAL PENAL. PRISÃO PREVENTIVA. PRONÚNCIA SOBREVINDA. SILÊNCIO DA SENTENÇA.
– Habeas corpus. Desafeito às regras do art. 408, §§ 1.º e 2.º, do Código de Processo Penal, o silêncio da sentença de pronúncia, quanto a manter ou não a prisão preventiva do réu, implica coação ilegal reparável por via do habeas corpus, sem prejuízo, porém, de que, suprindo tal omissão, haja o juiz da condenação de decretar nova custódia, conforme a motivação legal que tiver.” (RHC 4.198/MA, Relator Ministro José Dantas, in DJ 20/3/95).
“RÉUS PRONUNCIADOS. OMISSA A SENTENÇA QUANTO À PERMANÊNCIA DOS RÉUS EM LIBERDADE. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO CONTRA A PRONÚNCIA. DESPACHO DO RELATOR DETERMINANDO O RECOLHIMENTO DOS RÉUS À PRISÃO.
Ordem concedida, para que o Tribunal conheça do recurso sem a prisão dos pacientes.” (HC 2.273/AC, Relator Ministro José Cândido de Carvalho Filho, in DJ 23/5/94).
Pelo exposto, concedo a ordem, assegurando que o réu aguarde em liberdade o seu julgamento pelo Tribunal do Júri.
É o voto.
Decisão unânime, votando como relator os ministros Paulo Gallotti e Fontes de Alencar.
Ronaldo Botelho é advogado e professor da Escola da Magistratura.