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HABEAS CORPUS N.º 24.732/SC

Rel.: Min. LAURITA VAZ

EMENTA

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1. A lei processual, mormente o disposto no art. 607, do Código de Processo Penal, não exige como requisito de cabimento do recurso de protesto por novo júri que se trate de crime doloso contra a vida, não fazendo distinção se o crime julgado pela instituição do Tribunal do Júri é de competência "originária" ou decorrente da conexão.

2. Consagrado pelo Supremo Tribunal Federal o entendimento de que "a competência penal do Júri possui extração constitucional, estendendo-se – ante o caráter absoluto de que se reveste e por efeito da vis attractiva que exerce – às infrações penais conexas aos crimes dolosos contra a vida", não há, portanto, como obstar o direito do condenado a novo julgamento pelo Tribunal do Júri.

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3. Ordem concedida para reformar o acórdão ora impugnado e assegurar ao paciente o direito de ser submetido a novo julgamento popular, em razão de ter exercitado, em tempo oportuno, a pretensão recursal ao protesto por novo júri.

(STJ/DJU de 27/09/04, pág. 374)

Decidiu o Superior Tribunal de Justiça através de sua Quinta Turma, Relatora a ministra Laurita Vaz, que o protesto por novo Júri cabe sempre que a pena seja igual ou superior a 20 (vinte) anos, ainda que se trate de crime cuja competência originária não é do Tribunal do Júri.

Consta do voto da Relatora:

Exma. Sra. Ministra Laurita Vaz (Relatora):

A impetração merece acolhida.

Como é sabido, a teor do art. 607 do Código de Processo Penal, o protesto por novo júri é um recurso exclusivo da defesa e consiste no simples pedido de reexame do julgamento do Tribunal Popular quando aplicada pena de reclusão igual ou superior a vinte anos, in verbis:

"Art. 607. O protesto por novo júri é privativo da defesa, e somente se admitirá quando a sentença condenatória for de reclusão por tempo igual ou superior a 20 (vinte) anos, não podendo em caso algum ser feito mais de uma vez."

Extrai-se, portanto, da leitura do dispositivo legal transcrito que o protesto por novo júri tem como requisitos a aplicação de pena severa (igual ou superior a vinte anos) e o julgamento por jurados leigos, não havendo exigência expressa de que o crime deve ser doloso contra a vida.

Com efeito, a lei processual não faz distinção, como asseverou o Ministério Público Federal, se o crime julgado pela instituição do Tribunal do Júri é de competência "originária" ou decorrente da conexão. Com efeito, por disposição legal, o direito à interposição do recurso de protesto por novo júri é assegurado ao réu quando, submetido ao julgamento popular, é condenado à pena unitária igual ou superior à vinte anos.

Na doutrina pátria, a matéria é controvertida. Alguns autores, como VICENTE GRECO FILHO e HÉLIO TORNAGHI, entendem não ser cabível o protesto por novo júri se não se tratar de crime doloso contra a vida, sem, no entanto, explicitar motivo para tal restrição.

No pólo oposto, em artigo pormenorizado sobre o assunto, JOSÉ CARLOS MASCARI BONILHA, entende ser cabível o protesto por novo júri em crime conexo ao doloso contra a vida. Confira-se:

"À guisa de exemplo, poderíamos citar a hipótese de um autor de latrocínio que, após a consumação do crime matasse a testemunha presencial do crime patrimonial (…).

Isso ocorrendo, teríamos um latrocínio (157, parágrafo 3.º, parte final) conexo a um homicídio qualificado (art. 121, parágrafo 2.º, inciso V), ambos do Código Penal.

(…) Suponha-se que o réu, autor do duplo crime antes aludido, viesse a ser condenado [pelo Tribunal do Júri] e recebesse, pelo homicídio qualificado uma pena de doze anos de reclusão e, pelo latrocínio, uma pena de vinte anos de reclusão.

Neste exemplo, relativamente ao latrocínio, teria o réu preenchido os requisitos determinados pela lei, uma vez que, por um único crime, recebera pena igual a vinte anos de reclusão e essa quantidade não adveio de somatória de sanções. (…)

Impende averbar que a lei processual penal, no art. 607, não exige que o crime seja da competência do Júri, apenas estabelece os requisitos acima lembrados, entre eles, não se encontrando a necessidade de o crime ser doloso contra a vida.

Ainda segundo o exemplo acima oferecido, o autor do latrocínio, se este crime se viu conexo a um crime doloso contra vida, só será julgado pelo Júri Popular, razão pela qual todos os institutos previstos em lei para incidirem no procedimento escalonado do Júri, em relação aos crimes de sua competência, deverão, por evidente, incidir em relação ao crime conexo, não havendo motivo para excluir-se a aplicação de um recurso benéfico ao réu, como o protesto por novo júri.

Destarte, se o legislador não restringiu o alcance do protesto, limitando-o aos crimes dolosos contra a vida (de competência originalmente do Júri, por força de princípio constitucional, ex vi do art. 5.º, inciso XXXVIII, da Constituição da República), não pode o intérprete fazê-lo, porque a restrição ao seu espectro de abrangência implicaria franco prejuízo ao réu." (In Protesto Por Novo Júri e Crime Conexo, Revista APMP, Ano V, n.º 38, jun-ago/2001).

Também, sobre o tema, JOSÉ FREDERICO MARQUES, observa sumariamente que "cabe o protesto quando se cuidar de unidade delituosa consubstanciada em crime complexo, v. gratia, no latrocício" (In Elementos de Direito Processual Penal, Volume IV, 2.ª Ed., Millenium, Campinas, 2000, p. 353).

O Supremo Tribunal Federal consagrou entendimento de que "a competência penal do Júri possui extração constitucional, estendendo-se – ante o caráter absoluto de que se reveste e por efeito da vis attractiva que exerce – às infrações penais conexas aos crimes dolosos contra a vida" (HC n.º 74.295/RJ, rel. Min. CELSO DE MELLO, DJ de 22/06/2001).

Ressalte-se, ainda, que na jurisprudência do Pretório Excelso encontram-se precedentes em que se desautoriza o protesto por novo júri quando apenas pela soma das penas aplicadas a crimes praticados em concurso material. Em nenhum momento a Suprema Corte entendeu que não seria cabível o protesto quando o crime conexo ao doloso contra a vida, por si só, obtém apenação igual ou superior a vinte anos.

Confira-se, a propósito:

"HABEAS CORPUS – PROTESTO POR NOVO JÚRI – PENA RESULTANTE DO CONCURSO MATERIAL DE DELITOS – INADMISSIBILIDADE – CIRCUNSTÂNCIAS ATENUANTES – IMPOSSIBILIDADE DE REDUÇÃO DA PENA ABAIXO DO MÍNIMO LEGAL – PEDIDO INDEFERIDO.

– Não é admissível o protesto por novo júri quando a sanção penal, ainda que equivalente a vinte (20) anos de prisão, resultar da soma, em concurso material, das diversas penas concernentes aos delitos praticados. Hipótese em que o paciente foi condenado a 14 anos de reclusão por homicídio qualificado e a 6 anos de prisão por roubo qualificado, em concurso real. Precedentes.

– O juiz não pode, mesmo considerando as diversas circunstâncias atenuantes genéricas (a menoridade do réu, inclusive), fixar a sanção penal definitiva em limite abaixo do mínimo legalmente autorizado. Precedentes.” (HC n.º 70.883/SP, rel. Min. CELSO DE MELLO, DJ de 24/06/1994)

"Habeas corpus. Protesto por novo Júri.

– É firme a orientação desta Corte no sentido de que não cabe protesto por novo júri quando o réu é condenado a mais de 20 anos de reclusão em virtude de concurso material de crimes, cada um deles apenado com pena inferior a 20 anos de reclusão. Habeas corpus indeferido.” (HC n.º 70.818/SP, rel. Min. MOREIRA ALVES, DJ de 06/05/1994)

In casu, o paciente foi condenado pelo Tribunal do Júri da Comarca de Blumenau, no Estado de Santa Catarina, tão-somente pela prática do crime de latrocínio, em razão da conexão, à pena de 20 (vinte) anos e 06 (meses) de reclusão, o que, como visto, não constitui óbice ao benefício.

Portanto, condenado o paciente, pela prática do crime de latrocínio, à pena de 20 (vinte) anos e 06 (seis) meses de reclusão, pelo Tribunal do Júri, no exercício de sua competência legal, não há como negar-lhe o direito de interpor o recurso previsto no art. 607, do Código de Processo Penal.

Ante o exposto, CONCEDO A ORDEM para reformar o acórdão ora impugnado e assegurar ao paciente DARCI TEIXEIRA o direito de ser submetido a novo julgamento popular, em razão de ter exercitado, em tempo oportuno, a pretensão recursal ao protesto por novo júri.

É como voto.

Decisão unânime, votando com o Relator os Ministros José Arnaldo da Fonseca, Felix Fischer e Gilson Dipp.

Ronaldo Botelho é advogado e professor da Escola da Magistratura.