HABEAS CORPUS N.º 36.915/MG

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REL.: MIN. FELIX FISCHER

EMENTA

Com a ressalva do entendimento pessoal do Relator, prevalece na Quinta Turma desta Corte que o indeferimento do pedido de liberdade provisória feito em favor de quem foi detido em flagrante deve ser, em regra, concretamente fundamentado. A qualificação do crime como hediondo não dispensa a exigência de fundamentação concreta para a denegação da liberdade provisória (Precedentes).

Writ concedido, para que o paciente seja colocado em liberdade provisória, se por outro motivo não estiver preso, sem prejuízo de que nova custódia cautelar seja decretada em seu desfavor, desde que devidamente fundamentada.

(STJ/DJU de 04/10/04, pág. 335)

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Persiste firme a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, no sentido de que o despacho de indeferimento da liberdade provisória deve ser concretamente fundamentado com base nos requisitos de necessidade da prisão preventiva, não bastando a simples alusão à circunstância de se tratar de crime hediondo. Acórdão da Quinta Turma, Relator o Ministro Félix Fischer, com ressalva de sua opinião pessoal.

O Exmo. Sr. Ministro Felix Fischer: Busca-se pelo presente mandamus a concessão de liberdade provisória ao paciente, alegando-se que inexistem motivos que justifiquem a custódia cautelar.

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Consta dos autos que foi requerida a concessão de liberdade provisória em favor do paciente, a qual restou indeferida nos seguintes termos:

?A Constituição Federal, no seu art. 5., inc. XLIII considera inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem.

O art. 1., caput e inciso I da Lei 8.072/90, determina que o homicídio qualificado, consumado ou tentado, é insuscetível de anistia, graça e indulto, fiança e liberdade provisória.

Tanto a redação do texto constitucional, quanto a Lei 8.072/90 são extremamente claras: proíbem qualquer forma de liberdade provisória e determinam que o cumprimento da pena seja em regime integralmente fechado.

E tal rigor se impõe poque tais infrações são consideradas de maior potencial ofensivo e praticados por agentes, que ao realizá-las, normalmente atuam com exacerbada culpabilidade e causando, via de regra, conseqüências socialmente desastrosas.

Sob esta ótica deve ser analisado o pedido. Conforme consta na denúncia, o Investigado foi preso em flagrante delito após ceifar a vida de Geraldo Erizelton Santos, sendo denunciado nas iras do art. 121, § 2.º, II do Código Penal, delito considerado hediondo e insusceptível do benefício legal pretendido.

Já decidiu o Supremo Tribunal Federal que: ?Tráfico – Liberdade provisória – A Lei 8.072 de 25.07.90, proíbe, nos crimes de tráfico de entorpecentes e drogas afins, na linha da disposição constitucional inscrita no inciso XLIII do artigo 5. da C.F, a liberdade provisória? (STF, 2.ª Turma – Rel. Min. Marco Aurélio, DJU de 19.06.92, p. 9.521).

Com essas considerações, INDEFIRO O PEDIDO DE LIBERDADE PROVISÓRIA, mantendo-se o acusado ANTÔNIO ROMÃO FILHO recluso? (fl. 24).

Reza o parágrafo único do artigo 310 do Código de Processo Penal, que será concedida liberdade provisória quando o Juiz verificar a inocorrência de qualquer das hipóteses que autorizam a prisão preventiva. Se o Magistrado tem o dever de conceder, de ofício, a liberdade provisória nas hipóteses cabíveis, tem o acusado direito subjetivo a tal benefício quando preencher as condições para a sua concessão.

Logo, com a ressalva do entendimento pessoal do relator, a decisão que indefere a liberdade provisória deve obrigatoriamente demonstrar a ocorrência concreta dos requisitos da custódia cautelar, o que não ocorreu no presente caso, conforme se percebe da leitura dos r. decisum que indeferiu o pedido. Nesse sentido já se pronunciou o colendo Supremo Tribunal Federal:

?O Parágrafo único do art. 310 do Código de Processo Penal não impõe ao juiz, ao exarar de ofício, despacho fundamentado de toda e qualquer prisão que lhe seja comunicada, se entender configurado qualquer dos pressupostos da prisão preventiva. Todavia, cabe-lhe a obrigação de fundamentar a decisão sempre a liberdade provisória é postulada e denegada? (RTJ 105/131).

In casu, observa-se que o indeferimento do pedido de liberdade provisória não foi fundamentado em fatos concretos que ensejassem a manutenção da custódia preventiva.

Ademais, impende ressaltar que o único fato de ter o paciente sido preso e denunciado pela prática de crime hediondo não pode, por si só, dar ensejo à manutenção da medida constritiva, impedindo-se a concessão de liberdade provisória. O indeferimento do pedido de liberdade provisória exige fundamentação adequada, devendo exsurgir de fatos concretos, o que não ocorreu no presente caso.

Aliás, este tem sido o entendimento manifestado por esta Corte Superior, conforme se depreende dos seguintes precedentes:

?PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. ART. 12, CAPUT E 14, AMBOS DA LEI N.º 6.368/76. PRISÃO EM FLAGRANTE. FLAGRANTE PREPARADO. PEDIDO DE LIBERDADE PROVISÓRIA. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO.

I – ?Não há falar em nulidade do flagrante, sob a alegação de ter sido preparado ou provocado, pois o crime tráfico de entorpecentes, de efeito permanente, gera situação ilícita que se prolonga com o tempo, consumando-se com a mera guarda ou depósito para fins de comércio, restando inaplicável o verbete da súmula 145/STF? (RHC 9839/SP, 6.ª Turma, Rel. Min. Fernando Gonçalves, in DJU 28/8/2000).

II – O indeferimento do pedido de liberdade feito em favor de quem foi detido em flagrante deve ser, em regra, concretamente fundamentado. A qualificação do crime como hediondo não dispensa a exigência de fundamentação concreta para a denegação da liberdade provisória. (Precedentes).

Ordem deferida, para conceder a liberdade provisória ao paciente, com a conseqüente expedição do alvará de soltura, se por outro motivo não estiver preso?

(HC 31618/SP, 5.ª Turma, DJU de 08/03/2004).

?PROCESSUAL PENAL – TRÁFICO DE ENTORPECENTES – INOCÊNCIA -EXAME DE PROVAS – APLICAÇÃO DO RITO PREVISTO NA LEI 10.409/02 -MATÉRIA NÃO EXAMINADA PELO TRIBUNAL A QUO – PRISÃO EM FLAGRANTE – PEDIDO DE LIBERDADE PROVISÓRIA – AUSÊNCIA DE MOTIVAÇÃO CONCRETA.

– A alegação genérica de inocência é inviável de ser examinada pela via estreita do writ, em razão da necessidade do amplo exame de provas.

– No que tange ao argumento de que não foi observado o rito previsto na Lei 10.409/02, que trata da defesa preliminar, verifico que tal matéria não foi objeto de análise pela Corte a quo, o que impede seu exame nesta oportunidade, sob pena de suprimir-se instância.

– Por fim, consoante entendimento desta Corte, mesmo em se tratando de tráfico de entorpecentes, a negativa de concessão de liberdade provisória deve ser fundamentada, não sendo suficiente a mera alegação de que se trata de crime equiparado a hediondo.

– Ordem concedida em parte apenas para que seja deferida à paciente a liberdade provisória, ressalvada a sua constrição por motivo superveniente?

(HC 28012/RS, 5.ª Turma, Rel. Min. Jorge Scartezzini, DJU de 15/12/2003).

?HABEAS CORPUS. CRIME DE TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES. PRISÃO EM FLAGRANTE. LIBERDADE PROVISÓRIA. INDEFERIMENTO. AUSÊNCIA DE CONCRETA FUNDAMENTAÇÃO PARA A MANUTENÇÃO DA CUSTÓDIA PREVENTIVA. FUNDAMENTAÇÃO DEFICIENTE. ORDEM CONCEDIDA.

1. Ainda que o crime seja classificado como hediondo pela Lei n.º 8.072/1990, a simples alegação da natureza hedionda do crime cometido pelo agente do delito não é per si justificadora do deferimento do decreto de segregação cautelar, devendo, também, a autoridade judicial devidamente fundamentar e discorrer sobre os requisitos previstos no art. 312 do Código de Processo Penal. Precedentes do STJ.

2. Habeas corpus concedido?

(HC 26032/PR, 5.ª Turma, Rel. Min. Laurita Vaz, DJU de 12/05/2003).

?CRIMINAL. HC. HOMICÍDIO TENTADO. FLAGRANTE. INDEFERIMENTO DE LIBERDADE PROVISÓRIA. AUSÊNCIA DE CONCRETA FUNDAMENTAÇÃO. NECESSIDADE DA MEDIDA NÃO-DEMONSTRADA. PRESENÇA DE CONDIÇÕES PESSOAIS FAVORÁVEIS. ORDEM CONCEDIDA.

I. Exige-se concreta motivação ao óbice à liberdade provisória de paciente primário e sem maus antecedentes, mesmo em sede de delitos hediondos, não bastando a simples alusão à vedação do art. 2.º, inc. II, da Lei n.º 8.072/90. Precedentes.

II. A presença de condições pessoais favoráveis, mesmo não sendo garantidoras de eventual direito à liberdade provisória, devem ser devidamente valoradas, quando não demonstrada a presença de requisitos que justifiquem a medida constritiva excepcional.

III. Deve ser concedida a liberdade provisória em favor de JOSÉ FERREIRA DA SILVA FILHO, com a imediata expedição de alvará de soltura em seu favor, se por outro motivo não estiver preso, mediante condições a serem estabelecidas em 1.º grau de jurisdição, sem prejuízo de que o Julgador, com base em fundamentação concreta, venha a decretar nova custódia.

IV. Ordem concedida, nos termos do voto do Relator?

(HC 25181/RJ, 5.ª Turma, Rel. Min. Gilson Dipp, DJU de 05/05/2003).

?CRIMINAL. HC. ENTORPECENTES. PRISÃO EM FLAGRANTE. LIBERDADE PROVISÓRIA. AUSÊNCIA DE CONCRETA FUNDAMENTAÇÃO PARA A MANUTENÇÃO DA CUSTÓDIA. NECESSIDADE DA MEDIDA NÃO-DEMONSTRADA. PRESENÇA DE CONDIÇÕES PESSOAIS FAVORÁVEIS. TENTATIVA. TESE NEGATIVA DE AUTORIA. IMPROPRIEDADE DO MEIO ELEITO. ORDEM PARCIALMENTE CONCEDIDA.

Exige-se concreta motivação da decisão que indefere o pedido de liberdade provisória, com base em fatos que efetivamente justifiquem a custódia processual, atendendo-se aos termos do art. 312 do CPP e da jurisprudência dominante. Precedente.

A mera alusão à existência de indícios de autoria não é suficiente para motivar a manutenção da custódia.

O simples fato de se tratar de crime hediondo não basta para que seja determinada a segregação. Precedentes.

Condições pessoais favoráveis, mesmo não sendo garantidoras de eventual direito à liberdade provisória, devem ser devidamente valoradas, quando não demonstrada a presença de requisitos que justifiquem a medida constritiva excepcional.

O habeas corpus constitui-se em meio impróprio para a análise de alegações que exijam o reexame do conjunto fático-probatório como a apontada tese negativa de autoria, se não demonstrada, de pronto, qualquer ilegalidade nos fundamentos da denúncia.

Deve ser concedida, em parte, a ordem para revogar a prisão cautelar efetivada contra CÍRIA FERNANDES DE MORAES, determinando-se a imediata expedição de alvará de soltura em seu favor, se por outro motivo não estiver presa, mediante condições a serem estabelecidas pelo Julgador de 1.º grau, sem prejuízo de que venha a ser decretada novamente a custódia, com base em fundamentação concreta.

Ordem parcialmente concedida, nos termos do voto do Relator?

(HC 23738/SP, 5.ª Turma, Rel. Min. Gilson Dipp, DJU de 03/02/2003).

?PROCESSUAL PENAL. PRISÃO EM FLAGRANTE. CRIME HEDIONDO. LIBERDADE PROVISÓRIA. POSSIBILIDADE. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. EFEITO SUSPENSIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. MANEJO. IMPROPRIEDADE.

1 – Recusa o entendimento pretoriano dominante o manejo do mandado de segurança para emprestar efeito suspensivo a recurso em sentido estrito.

2 – O fato de tratar-se de crime hediondo, isoladamente, não é impeditivo da liberdade provisória, haja vista princípios constitucionais regentes da matéria (liberdade provisória, presunção de inocência, etc.). Faz-se mister, então, que, ao lado da configuração idealizada pela Lei n.º 8.072/90, seja demonstrada também a necessidade da prisão. A manutenção da prisão em flagrante só se justifica quando presentes os requisitos ensejadores da preventiva, nos moldes do art. 310, parágrafo único do CPP.

3 – Habeas corpus concedido?

(HC 21223/SP, 6.ª Turma, Rel. Min. Fernando Gonçalves, DJU de 09/09/2002).

Ademais, vislumbra-se em tal questão uma aparente incongruência entre o inciso II do art. 2.º da Lei n.º 8.072/90, que encontra fundamento no art. 5.º, inc. XLIII, da Constituição Federal, o qual estabelece ser insusceptível de liberdade provisória aos acusados de praticarem crimes tidos por hediondos, com o próprio § 2.º da citada lei que prevê que ?em caso de sentença condenatória, o juiz decidirá fundamentadamente se o réu poderá apelar em liberdade?.

Se mesmo diante de uma sentença condenatória, cuja certeza de cometimento do ilícito está devidamente comprovada, em face de toda uma instrução criminal, é permitido ao juiz conceder ao réu o direito de apelar em liberdade, desde que haja decisão fundamentada, com maior razão se deve exigir a fundamentação para a prisão cautelar, que ainda se reveste de indícios acerca da culpabilidade do réu.

Feitas essas considerações, concedo o writ para que o paciente seja colocado em liberdade provisória, se por outro motivo não estiver preso, sem prejuízo de que nova custódia cautelar seja decretada em seu desfavor, desde que devidamente fundamentada.

É como voto.

Decisão unânime, votando com o Relator os Ministros Gilson Dipp, Laurita Vaz, Arnaldo Esteves Lima e José Arnaldo da Fonseca.

Ronaldo Botelho é advogado e professor da Escola da Magistratura.