“HABEAS CORPUS N.º 25.642-RS

REL.: MIN. GILSON DIPP

EMENTA – I. Exige-se concreta motivação do decreto de prisão preventiva, com base em fatos que efetivamente justifiquem a excepcionalidade da medida, atendendo-se aos termos do art. 312 do CPP e da jurisprudência dominante.

II. Não se sustenta a medida pela conveniência da instrução criminal, se evidenciado que nenhuma das testemunhas da acusação corre, em princípio, o risco de ser influenciada pelo paciente, que já foram prestados quase todos os depoimentos perante a autoridade policial, que não há prova documental a ser produzida e que já concluída a prova pericial.

III. Juízes de mera probabilidade não podem servir de fundamentação à custódia para a conveniência da instrução criminal.

IV. A possibilidade de abalo à ordem pública – devido às “peculiaridades” dos delitos e da aduzida “periculosidade” do agente – não pode ser motivada por circunstâncias que estão subsumidas na gravidade do próprio tipo penal.

V. Não obstante o fato de o réu ter se apresentado espontaneamente à autoridade policial, colaborando com as investigações, não ser suficiente para garantir eventual direito subjetivo à liberdade provisória, tal aspecto não pode deixar de ser considerado na hipótese dos autos.

VI. Condições pessoais favoráveis, mesmo não sendo garantidoras de direito à liberdade provisória, devem ser devidamente valoradas, quando não demonstrada a presença de requisitos que justifiquem a medida constritiva excepcional.

VII. Confirmando-se a liminar, deve ser concedida, em definitivo, a ordem de habeas corpus para revogar a prisão cautelar efetivada contra H.A., mediante condições a serem estabelecidas pelo julgador de 1.º grau, sem prejuízo de que venha a ser decretada novamente a custódia, com base em fundamentação concreta.

VIII. Ordem concedida, nos termos do voto do relator.”

(STJ/DJU de 28/4/03)

Seguindo a firme orientação da Corte, a Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, relator o ministro Gilson Dipp, decidiu que a prisão preventiva, como medida excepcional, exige concreta motivação, com base em fatos que efetivamente a jusfitiquem, não bastando referências genéricas e a simples reprodução de expressões e termos legais.

Consta do voto do relator:

Exmo. sr. ministro Gilson Dipp (relator):

Trata-se de habeas corpus, substitutivo de recurso ordinário, contra acórdão do e. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, que denegou ordem anteriormente impetrada em favor de HERMANN ALBRECHT, visando à revocação da prisão preventiva contra ele decretada.

O paciente foi acusado pela prática, em tese, do delito de homicídio triplamente qualificado e ocultação de cadáver, praticados contra a sua tia.

Pretende, a impetração, com base na extensa argumentação da inicial, a revogação da custódia cautelar do paciente.

Em razões, sustenta-se a inexistência de motivos embasadores da custódia cautelar, sob as seguintes alegações, em síntese: a) que a prisão processual teria sido decretada por serem graves as acusações, assim como as circunstâncias do crime, e devido à possibilidade de interferência na prova, se livre o acusado. Contudo, a gravidade do delito não poderia, por si só, justificar a custódia, sendo que não houve, em nenhum momento, qualquer ação para obstaculizar a investigação ou colheita de provas; b) que o paciente teria se apresentado espontaneamente e contribuído para a investigação policial, eis que confessou a ocultação do cadáver, indicando sua localização para identificação, antes da realização de perícia; c) não teria havido qualquer tentativa, por parte do paciente, de se ausentar do distrito da culpa; d) que se trata de paciente primário e de bens antecedentes, com residência fixa e estudante universitário, e e) que não há justa causa para a prisão.

Merece prosperar a irresignação.

Pelo exame dos autos, verifico que os motivos ensejadores da presente prisão cautelar efetivamente não se sustentam.

O decreto prisional tem o seguinte teor:

“Vistos.

A autoridade policial representou pela decretação da prisão preventiva do indicado HERMANN ALBRECHHT, qualificado na fl. 15, imputando ao mesmo a prática do delito de homicídio triplamente qualificado e ocultação de cadáver, em que foi vítima sua tia CARMEN JUSSARA PEREIRA DUTA.

O Ministério Público concordou com a pretensão, fl. 111.

Tratam-se de graves acusações, que tem como vítimia familiar do representado.

Os depoimentos até então colhidos nos informam da forma fria e calculista apresentada pelo acusado após a prática dos fatos, o que evidencia a sua periculosidade.

Certamente, a sua mantença em liberdade oferece riscos às testemunhas e possíveis prejuízos na colheita da prova: isto porque o que, até então, restou comprovado, demonstra a capacidade de buscar o acusado interferir no esclarecimento das reais condições em que ocorreram o fatos.

Tem-se a comprovação da materialidade do homicídio, bem como da autoria, eis que admitida pelo representado.

Diante do até então apurado, tenho que resta imperiosa a segregação preventiva do acusado; evidenciando-se a necessidade do afastamento de HERMANN do próprio convívio familiar e da danosa influência que poderá interferir na conclusão das investigações policiais e da futura instrução criminal.

Desta forma, concluo que é a decretação da segregação preventiva a medida necessária e adequada para o momento.

Ante o exposto, acolho a pretensão para decretar a prisão preventiva de HERMANN ALBRECHT, identificado na fl. 15, com fundamento no art. 311 e seguintes do Código de Processo Penal.

Expeça-se mandado de prisão, encaminhando-se-o à autoridade requerente.” (fl. 315).

Note-se que não houve o exame de qualquer fato concreto a justificar a medida constritiva excepcional em relação ao paciente, mas tão-somente juízos de mera probabilidade e conjecturas (“mantença em liberdade” que ofereceria “riscos às testemunhas e possíveis prejuízos na colheita da prova”; “danosa influência que poderá interferir na conclusão das investigações policiais e futura instrução criminal”, etc.).

Evidenciou-se, ao contrário, que nenhuma das testemunhas da acusação corre, em princípio, o risco de ser influenciada pelo paciente e que já foram prestados quase todos os depoimentos perante a autoridade policial (com exceção dos policiais).

Desta forma, inexistindo prova documental a ser produzida e já concluída a prova pericial, penso que a conveniência da instrução criminal não pode servir de fundamental para a custódia, sendo certo que as elocubrações sobre o que o réu poderá vir a fazer não podem respaldar a medida.

Por outro lado, a periculosidade do agente, a fim de motivar a necessidade da prisão para a garantia da ordem pública, restou fundamentada apenas nas circunstâncias em que o crime foi cometido, tampouco podendo servir para embasar a medida extrema.

Tais peculiaridades estão subsumidas na gravidade do delito em tese praticado, já estando previstas no próprio tipo penal, portanto. De qualquer forma, serão devidamente sopesadas quando da aplicação da pena.

Sobressai, portanto, a impropriedade da custódia cautelar do paciente, tendo em vista que a determinação de prisão deve ser fundada em fatos concretos que indiquem que a prisão se faz necessária, atendendo aos termos do art. 312 do Código do Processo Penal e da jurisprudência dominante.

A corroborar tal entendimento, trago à colação os seguintes precedentes:

“Processual Penal. Recurso Ordinário de Habeas Corpus. Roubo majorado. Prisão preventiva. Fundamentação.

É de se anular a decretação da prisão preventiva que não apresenta fundamentação concreta. Inaceitável a motivação genérica e desvinculada.

Recurso provido”.

(RHC 8.570 – SP, DJ 2/8/99, rel. min. Felix Fischer)

“Criminal. HC. Extorsão mediante seqüestro. Prisão preventiva. Ausência de concreta fundamentação. Necessidade da medida não-demonstrada. Ordem concedida.

I. Exige-se concreta motivação do decreto de prisão preventiva, com base em fatos que efetivamente justifiquem a excepcionalidade da medida, atendendo aos termos do art. 312 do CPP e da jurisprudência dominante, mesmo em sede de delitos hediondos. Precedentes.

II. Ordem concedida para revogar a prisão cautelar efetivamente contra Ronaldo Silva de Oliveira, determinando a imediata expedição de alvará de soltura em seu favor, se por outro motivo não estiver preso, mediante condições a serem estabelecidas pelo julgador de 1.º grau, sem prejuízo de que venha a ser decretada novamente a custódia, com base em fundamentação concreta.”

(HC 12.898/PE, DJ de 15/9/2000, de minha relatoria)

Cabe, ainda, a ressalva de que o paciente apresentou-se espontaneamente à autoridade policial, contribuindo para a investigação policial, o que, não obstante não ser suficiente para garantir eventual direito subjetivo à liberdade provisória, não pode deixar de ser considerado na hipótese dos autos.

Outrossim, não obstante o entendimento de que as condições pessoais favoráveis não são garantidoras de eventual direito à liberdade provisória, entendo que as mesmas devem ser devidamente valoradas quando não demonstrada a presença de requisitos que justifiquem a medida constritiva excepcional.

Especificamente em relação ao paciente, deve-se atentar ao fato de que possui peculiar situação a ser considerada – eis que é primário, com bons antecedentes, possui domicílio certo, reside no distrito da culpa e é estudante universitário.

Assim, confirmando-se a liminar, deve ser concedida, em definitivo, a ordem de habas corpus para revogar a prisão cautelar efetivada contra HERMANN ALBRECHT, mediante condições a serem estabelecidas pelo julgador de 1.º grau, sem prejuízo de que venha a ser decretada novamente a custódia, com base em fundamentação concreta.

Diante do exposto, concedo a ordem, nos termos da fundamentação acima.

É como voto.

Decisão unânime, votando com o relator os ministros Jorge Scartezzini, Laurita Vaz, José Arnaldo da Fonseca e Felix Fischer.

Ronaldo Botelho é advogado e professor da Escola da Magistratura.

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