Processual penal. Habeas corpus. Prisão preventiva. Fundamentação precária. Writ concedido.

“HABEAS CORPUS N.º 22.019-GO

REL.: MIN. PAULO GALLOTTI.

EMENTA: 1 – A circunstância de o paciente foragido desde a ocorrência delituosa foi o único fundamento indicado pela magistrada para determinar sua prisão, mesmo assim sem tecer maiores considerações a respeito.

2 – A prisão antecipada daquele contra quem se move ação penal só é aceita se evidenciada sua necessidade, não se mostrando possível a convalidação do decreto preventivo, dado que, por si só o fato de o paciente não ter permanecido no distrito da culpa, após a ocorrência delituosa, não leva obrigatoriamente ao reconhecimento de ser imperativa a adoção da medida extrema, principalmente, como no caso, por se tratar de pessoa com bons antecedentes, possuindo residência fixa e atividade laboral.

– Não se presta à manutenção da custódia a circunstância de se tratar de crime hediondo, tendo em conta que a gravidade do delito, isoladamente, não é motivo bastante para justificá-la.

Habeas corpus concedido.”

(STJ/DJU de 7/12/02)

Considerou o Superior Tribunal de Justiça, através de sua Sexta Turma, relator o ministro Paulo Gallotti que nem a circunstância de se tratar de crime hediondo nem a de encontrar-se o paciente foragido desde a ocorrência delituosa, são suficientes para a decretação da prisão cautelar, sobretudo por se tratar de pessoa com bons antecedentes, residência fixa e atividade laboral.

Consta do voto do relator:

O senhor ministro Paulo Gallotti (relator): Tenho que a ordem de habeas corpus deve ser concedida, visto não se ter justificado a necessidade da custódia preventiva.

Com efeito, veja-se, no que interessa, o decreto prisional:

“São pressupostos da prisão preventiva: a) a natureza do crime; b) a probalidade da condenação; c) o periculum in mora; d) o controle jurisdicional prévio. In Elementos de Direito Processual Penal, volume IV, página 58.

O caso ora em análise preenche todos os requisitos acima citados. De fato, a conduta delitiva atribuída ao acusado é inafiançável, visto que o mínimo da pena cominada abstratamente é superior a dois anos; a probabilidade da condenação do acusado, definida pela doutrina como a materialidade e autoria, está consubstanciada no laudo do exame cadavérico em fls. 30/32 e nos depoimentos prestados perante a autoridade policial, onde atribui-se ao acusado a prática do crime ora investigado; o perigo da demora, ou a necessidade de cautela pessoal, inclusive pelo fato de que o acusado se encontra foragido desde a ocorrência do fato. E, finalmente, o controle jurisdicional prévio é em razão de, na conformidade do disposto na Constituição Federal, somente existir a prisão em flagrante delito ou a determinada por autoridade judiciária competente.

Preenchidos os requisitos da medida cautelar, impõe-se sua decretação para garantia da aplicação da lei penal.

Fundamenta-se, pois, a prisão preventiva nos artigos 331 e 312 do Código de Processo Penal, pela conveniência da instrução criminal.” (fl 36).

Constata-se facilmente que a circunstância do paciente estar foragido desde a ocorrência delituosa foi o único fundamento indicado pela magistrada para determinar sua prisão, mesmo assim, sem tecer maiores considerações a respeito.

Sendo certo que a prisão antecipada daquele contra quem se move ação penal só é aceita se evidenciada sua necessidade, não vejo como convalidar o decreto preventivo, dado que, por si só, o fato de o paciente não ter permanecido no distrito da culpa, após a ocorrência delituosa, não leva obrigatoriamente ao reconhecimento de ser imperativos a adoção da medida extrema, principalmente, como no caso, por se tratar o paciente, o que não é refutado nos autos, de pessoa com bons antecedentes, possuindo residência fixa e atividade laboral.

Por fim, também não se presta à manutenção da custódia a circunstância de se tratar de crime hediondo, tendo em conta que a gravidade do delito, isoladamente, não é motivo bastante para justificá-la.

Do exposto, o meu voto concedido o habeas corpus.

Voto-Vogal

Exmo sr. ministro Fontes de Alencar:

Senhor presidente, acompanho o voto do eminente ministro-relator, sobretudo quanto à existência ou não de fundamentação necessária para a decretação da prisão preventiva. Obviamente, se em qualquer instante do curso do processo sobrevier motivação bastante para a decretação da prisão preventiva do paciente, poderá o juiz fazê-lo.

Concedo a ordem de habeas-corpus.

Voto-Vogal

Decisão unânime, votando com o relator os ministros Fontes de Alencar, Vicente Leal, Fernando Gonçalves e Hamilton Carvalhido.

Processo Penal. Intimação do Ministério Público. Ato que se perfaz com a entrega dos autos com vista.

“RECURSO ESPECIAL N.º 330.126-SP

REL.: MIN. PAULO GALLOTTI

EMENTA

1. É intempestivo o recurso especial interposto fora de 15 dias a que se refere o art. 26 da Lei n.º 8.038/90.

2. O prazo de interposição de recurso pelo Ministério Público começa a fluir da intimação pessoal de seu representante, que se aperfeiçoa com a entrega dos autos com vista.

3. É atípica, penalmente, considerada, a ação de quem dirige veículo automotor sem a devida habilitação, desde que não gere perigo de dano.

3. Recurso não conhecido.”

(STJ/DJU de 07/10/02, pág. 310)

Como se vê desta decisão posta em destaque, da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, relator o ministro Paulo Gallotti, consolida-se na corte o entendimento de que a intimação pessoal a que tem direito o Ministério Público se completa com a entrega dos autos com vista, independentemente da data em que o seu agente opõe o “ciente”.

Consta do voto do relator:

O senhor ministro PAULO GALLOTTI (relator):

Não há como conhecer da irresignação, dado que interposta intempestivamente.

Com efeito, o exame do processado revela que a entrega dos autos com vista ao Ministério Público se deu em 14/06/2000, fls. 100 e 101, mostrando-se extemporâneo o especial protocolado em 31/07/2000, fl. 51, além dos quinze dias a que se refere o art. 26 da Lei n.º 8.038/90.

A exigência de intimação pessoal do representante do Ministério Público está prevista no art. 41, inciso IV, da Lei n.º 8.625/93, que, todavia, se aperfeiçoa com a entrega dos autos com vista, correndo a partir dessa data o prazo de interposição de qualquer recurso.

Assim, não cabe falar que o termo inicial para recorrer começaria a fluir do momento em que o parquet apõe o seu ciente nos autos, o que lhe conferiria a posição privilegiada de absoluto controle dos prazos processuais, situação que não se mostra razoável e muito menos coloca as partes em igualdade de condições.

Vejam-se os precedentes:

A

? “PROCESSO PENAL. RECURSO ESPECIAL. TEMPESTIVIDADE. MINISTÉRIO PÚBLICO. INTIMAÇÃO PESSOAL. VISTA DE AUTOS.

1. O prazod e recurso para o Ministério Público começa a fluir da intimação pessoal, formalidade que se opera, a teor da Lei n.º 8.625, de 12/02/93, art. 41, inciso IV, através da entrega dos autos com vista.

2. Remetidos os autos à Procuradoria de Justiça em 28 de dezembro de 1998, apresenta-se como intempestivo o recurso especial interposto após 29 de janeiro de 1999, data em que o representante do MP fez lançar o `ciente’.

3. Recurso especial não conhecido.”

(REsp n.º 231.245/SP, relator o ministro Fernando Gonçalves, DJU de 10/09/2001)

B ?

“PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. SENTENÇA DE IMPRONÚNCIA. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO INTERPOSTO PELO MINISTÉRIO PÚBLICO. INTEMPESTIVIDADE. Lei n.º 8.625/93, art. 41, IV.

1. Não obstante possuir o Ministério Público o privilégio da intimação pessoal, o seu prazo começa a fluir independentemente do lançamento do “ciente” nos autos pelo seu membro atuante. Caso contrário, estar-se-ia permitindo que o órgão acusador tivesse o total controle sobre os seus prazos processuais, em clara afronta aos princípios do devido processo legal e da igualdade das partes, norteadores do nosso processo penal.

2. Pedido de habeas corpus deferido para declarar a intempestividade do recurso em sentido estrito interposto pelo Ministério Público Estadual.

“(HC n.º 14.650/MG, relator o ministro Edson Vidigal, DJU de 05/03/2001).

Mesmo que restasse ultrapassado esse óbice, melhor sorte não assistiria ao recorrente, visto que esta corte tem proclamado, em consonância com o Supremo Tribunal Federal (RHC n.º 80.362/SP), a compreensão no sentido de que “o ato voluntário de dirigir veículo automotor sem possuir a carteira de habilitação, antes definido como contravenção penal, recebeu novo tratamento jurídico após a edição do novo Có<%0>digo Nacional de Trânsito, que deu-lhe novo conceito: a) se tal postura não acarretar efetivo perigo de dano, com demonstração objetiva dessa potencialidade, o fato consubstancia mera infração administrativa; b) se demonstrado o perigo, o fato é definido como crime (art. 309)”.

REsp n.º 264.166/SP, relator o ministro Fontes de Alencar, DJU de 11/06/2001).

Na hipótese, o recorrido, no dia da ocorrência tida como delituosa, estava conduzindo um automóvel sem a necessária habilitação, quando foi abordado por policiais militares, não se mencionando, como se vê do termo circunstanciado de fl. 02/06, que assim procedendo, de qualquer forma, tivesse gerado perigo de dano.

Diante do exposto, não conheço do recurso.

É como voto.

Decisão unânime, votando com o relator os ministros Vicente Leal, Fernando Gonçalves e Hamilton Carvalhido.

Processo civil. Ação civil pública. IPTU. Taxa de limpeza, conservação de vias e logradouros e iluminação pública. Ministério Público. Ilegitimidade ativa “ad causam”.

“RECURSO ESPECIAL N.º 252.803-SP

REL.: MIN. FRANCISCO PEÇANHA MARTINS

EMENTA – A ação civil pública não pode ser utilizada como substituta da ação direta de inconstitucionalidade da lei municipal, nem mesmo para declaração incidental.

– O Ministério Público não tem legitimidade para manifestar ação civil pública com o objetivo de impedir a cobrança de tributos, como as taxas de limpeza, conservação de vias e logradouros e iluminação pública, assumindo a defesa dos interesses do contribuinte.

– Contribuinte e consumidor não se equivalem; o Ministério Público está legalmente autorizado a promover a defesa dos direitos do consumidor, mas não do contribuinte.

Recurso não conhecido.”

(STJ/DJU de 14//10/02)

Decidiu a Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça, relator o ministro Francisco Peçanha Martins, que o Ministério Público não tem legitimidade para manifestar ação civil pública com o objetivo de impedir a cobrança de tributos, mesmo porque contribuinte e consumidor não se equivalem.

Consta do voto do relator:

Exmo. Sr. mininstro Francisco Peçanha Martins (relator): Cuidam os autos de ação civil pública movida pelo Ministério Público do Estado de São Paulo, com pedido de liminar, em face da Prefeitura Municipal de Tabapuã, objetivando ver suspensa a exigibilidade das taxas de limpeza pública, conservação de vias e logradouros e iluminação pública, sob a alegação de ilegalidade e inconstitucionalidade das leis municipais que as criaram.

Concedida a liminar, houve pedido de suspensão requerido pelo município de Tabapuã e deferido por decisão de fls. 204/206 do Tribunal de Justiça do Estado.

Apreciando o mérito da ação, o mm. juiz da Comarca de Catanduva proferiu sentença julgando o autor carecedor da ação civil pública intentada e declarando extinto o processo com apoio no art. 267, VI, do CPC.

Houve recurso de apelação interposto pelo Ministério Público do Estado que, apreciado pela 4.ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça estadual, decidiu negar-lhe provimento, nos termos da ementa a seguir transcrita (fls. 315):

impostos e taxas – pedido que não versa sobre interesses difusos ou coletivos. A defesa individual cabe a cada contribuinte, apesar de discutir-se matéria constitucional, e pela via própria. Negam provimento ao recurso.”

Seguiu-se este recurso especial em que o Ministério Público Estadual insurge-se contra o aresto recorrido alegando negativa de vigência e violação dos preceitos legais já indicados no relatório.

Nada há que ser reformado no “decisum”

“Não vislumbro legitimidade ao Ministério Público para propor ação civil pública contra a cobrança de atributos, pois não se cogita, na espécie, de defesa de interesse coletivo, difuso, mas divisíveis e individualizáveis. Os interesses coletivos, difusos, não são mensuráveis pelo número de pessoas interessadas ou afetadas, mas as transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato, ou grupos, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base, consoante definição do art. 81, § único, incisos I e II, da Lei 8.078.

Contribuintes não são consumidores, e por isso mesmo, não vejo como equipará-los sob o ângulo dos interesses difusos ou coletivos.

A jurisprudência da Eng. 1.ª Turma do STJ, após alguma vacilação, pacificou-se na proclamação da tese da ilegitimidade do Ministério Público para pleitear, em, sede de ação civil pública, a declaração de inconstitucionalidade de lei ou a defesa de direitos divisíveis para impedir a cobrança de tributos.

Assim é que em a EG. 1.ª Turma positivando:

“Ação pública. Declaração de inconstitucionalidade. Impossibilidade.

Não há no acórdão embargado nenhuma obscuridade, contradição ou emissão. Não pode a ação civil pública ser utilizada como meio de se declarar inconstitucionalidade de lei municipal, nem mesmo para declaração incidental.

Embargos rejeitados”(EDREsp. 134.979-GO, D.J. 15.12.97, relator ministro Garcia Vieira).

“Processo civil. Ação civil pública. Taxa de iluminação pública. Cobrança. relação jurídico-tributária estabelecida entre a Fazenda Municipal e o contribuinte. Não aplicabilidade, ao caso, do artigo 21, da Lei 7.347/85, posto que a referida ação presta-se à proteção dos interesses e direitos individuais homogêneos, quando os seus titulares sofrerem danos na condição de consumidores. Ilegitimidade ativa do Ministério Público reconhecida. Recurso especial improvido.

A Ação Civil Pública não se presta como meio adequado a obstar a cobrança da Taxa de Iluminação Pública incluída por Lei Municipal, face ao fato de que a relação jurídica estabelecida desenvolve-se entre Fazenda Municipal e o contribuinte, não revestindo este último o conceito de consumidor constante do artigo 21, da Lei 7.347/85, a autorizar o uso da referida ação.

Os interesses e direitos individuais homogêneos, de que trata o artigo 21, da Lei 7.347/85, somente poderão ser tutelados pela via da ação coletiva, quando os seus titulares sofrerem danos na condução de consumidores.

Ilegitimidade ativa do Ministério Público reconhecida.

Recurso especial improvido.” (REsp. 177.804-SP. D.J. 26.10.98, relator ministro José Delgado).

a eg. 2.ª Turma, por seu turno, jamais atribuía legitimidade ao Ministério Público para promover ação civil pública em matéria tributária. É de ver nos julgados proferidos nos Recursos Especiais n.ºs 113.326/MS; 106.993-MS; 115.500-PR; 200.234/SP e AGA 197.150/GO, cujas ementas transcrevo:

“Processo civil. Ação civil pública em matéria tributária.

A ação civil pública não pode ser utilizada para evitar o pagamento de tributos, porque, nesse caso, funcionaria como verdadeira ação direta de inconstitucionalidade; ademais, o beneficiário não seria o consumidor, e sim o contribuinte – categorias afins, mas distintas. Recurso especial não conhecido.” (REsp. 113.326-MS.D.J. 15.12.97. Relator para acórdão o ministro Ari Pargendler).

Não tem o Ministério Público legitimidade ativa, para promover ação civil pública em matéria tributária, assumindo a defesa dos interesses do contribuinte, já que o beneficiário, em grande análise, não seria o consumidor. Consumidor e contribuinte não se equivale, estando o Ministério Público expressamente autorizado a promover a defesa dos direitos do consumidor” (REsp. 115.500-PR, D.J. 03.08.98, relator o ministro Hélio Mosimann).

“Ministério Público. Ilegitimidade. Ação civil pública. Cobrança de taxa.

O Ministério Púbico não tem legitimidade para manifestar ação civil pública com o objetivo de ver sustada a cobrança de tributos, como a taxa de iluminação.” (REsp. 200.234-SP, D.J. 21.06.99, relator o ministro Hélio Mosimann).

Sendo a questão da legitimidade, uma preliminar, já que é condição da ação, ficam prejudicadas as demais questões suscitadas (CPC, art. 267, VI).

À vista do exposto e em conformidade com a pacífica jurisprudência das Turmas integrantes da eg. 1.ª Seção do STJ, não conheço do recurso.

Decisão por unanimidade, votando com o relator as ministras Eliana Calmon e Laurita Vaz.

Ronaldo Botelho

é advogado e professor da Escola da Magistratura.