Processual penal. Habeas corpus. Estupro.

HABEAS CORPUS N.º 81.199-AM

Rel.: Min. Felix Fischer

EMENTA

I – A realização do interrogatório do réu, antes da entrada em vigor da Lei n.º 10.792/2003, sem a presença do defensor, como tal, não constituía nulidade, porquanto, a teor do art. 187 do CPP, tratava-se de ato personalíssimo, com as características da judicialidade e da não-intervenção da acusação e da defesa. (Precedentes).

II – Por outro lado, se o réu não possuía advogado constituído, por ocasião da audiência em que se procedeu à oitiva da vítima e da testemunha arrolada na denúncia, deveria o MM. Juiz ter nomeado um defensor ad hoc para o ato, sob pena de nulidade absoluta, ainda mais quando se constata que os depoimentos prestados respaldaram a condenação.

III – In casu, evidenciado pelo Juízo de primeiro grau, que na audiência realizada aos 9/3/1994 se fizeram presentes a MM. Juíza da Comarca, a dra. Promotora de Justiça, o acusado, a testemunha, e a vítima acompanhada de seu genitor, ausente o defensor público ou qualquer defensor do réu, mister reconhecer a nulidade do feito.

Ordem concedida para anular o processo, a partir da audiência em que se procedeu à oitiva da vítima e da testemunha de acusação.

(STJ/DJU de 5/5/08)

A realização do interrogatório, antes da entrada em vigor da Lei n.º 10.793/2003, sem a presença de defensor, não constituía nulidade, eis que tratava-se de ato personalíssimo, com as características da judicialidade e da não intervenção da acusação e da defesa, conforme diversos julgados precedentes.

Consta do voto do Relator:

O Exmo. Sr. Ministro Felix Fischer: Inicialmente, cumpre ressaltar que, segundo entendimento firmado nesta Corte, o interrogatório (realizado antes da entrada em vigor da Lei n.º 10.792/2003), ex vi do art. 187 do CPP, não exigia em nosso sistema a presença de defensor, como tal, porquanto ato personalíssimo, com as características da judicialidade e da não-intervenção da acusação ou da defesa. Assim, o fato de o ato ser realizado sem a presença do defensor não constitui nulidade processual.

Destaco, a respeito, os seguintes julgados:

“PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. ART. 316, CAPUT, DO CÓDIGO PENAL. ART. 514 DO CPP. DEFESA PRELIMINAR. NULIDADE RELATIVA. INQUÉRITO. INTERROGATÓRIO JUDICIAL. AUSÊNCIA DEFENSOR CONSTITUÍDO. AUDIÊNCIA DE INQUIRIÇÃO DE TESTEMUNHA. CARTA PRECATÓRIA. INTIMAÇÃO DA DATA DA AUDIÊNCIA.

I – A inobservância ao disposto no art. 514 do CPP, para configurar nulidade, exige o protesto oportuno e a demonstração de prejuízo daí decorrente. Além do mais, a defesa preliminar não é indispensável quando a acusação está supedaneada em inquérito (Precedentes do STJ e do STF/Súmula 330-STJ).

II – A realização do interrogatório do réu, antes da entrada em vigor da Lei n.º 10.792/2003, sem a presença do defensor, como tal, não constituia nulidade, porquanto, a teor do art. 187 do CPP, tratava-se de ato personalíssimo, com as características da judicialidade e da não-intervenção da acusação e da defesa. (Precedentes).

Ordem denegada”.

(HC 72.306/SP, 5.ª Turma, de minha relatoria, DJU de 5/11/2007).

“PROCESSO PENAL. RECURSO ESPECIAL. INTERROGATÓRIO DO RÉU. ATO PRIVATIVO DO JUIZ. AUSÊNCIA DO DEFENSOR. INOCORRÊNCIA DE NULIDADE.

1- A circunstância de ter sido o réu interrogado sem a presença de seu defensor não configura nulidade, pois trata-se de ato privativo do juiz, não sujeito ao contraditório, no qual não se admite a intervenção do Ministério Público ou da defesa.

2- Recurso conhecido e provido”.

(REsp 443.897/RS, 6.ª Turma, Rel. Min. Paulo Gallotti, DJU de 21/8/2006).
“PENAL E PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. INSUFICIÊNCIA PROBATÓRIA. REEXAME DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO. IMPOSSIBILIDADE NA VIA ELEITA. AUSÊNCIA DE DEFENSOR NO INTERROGATÓRIO. INEXISTÊNCIA DE NULIDADE. ATO PERSONALÍSSIMO DO MAGISTRADO. ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR. VIOLÊNCIA PRESUMIDA. CRIME HEDIONDO. INCONSTITUCIONALIDADE DO ART. 2.º, § 1.º, DA LEI 8.072/90 DECLARADA PELO STF. PROGRESSÃO DE REGIME. POSSIBILIDADE.
(…)

2. Anteriormente à entrada em vigor da Lei n.º 10.792/03, o interrogatório (art. 187 do CPP) prescindia da presença do defensor, uma vez que, sendo ato personalíssimo do magistrado, com as características da judicialidade e da não-intervenção da acusação e da defesa, não estava sujeito ao contraditório. Destarte, não há nulidade a ser sanada. Precedentes do STJ.
(…)

5. Ordem parcialmente concedida apenas para afastar a proibição da progressão de regime de cumprimento da pena imposta ao condenado, cuja efetivação dependerá da análise, por parte do Juízo das Execuções Criminais, dos requisitos legais exigidos para a concessão do benefício reclamado”.

(HC 52.851/MA, 5.ª Turma, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, DJU de 12/6/2006).
“RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL PENAL. INTERROGATÓRIO SEM CURADOR. NULIDADE RELATIVA NÃO PLEITEADA. “NON REFORMATIO IN PEJUS”. EFEITOS DA NULIDADE SOMENTE SOBRE OS ATOS DIRETAMENTE DEPENDENTES (ART. 573, § 1.º, DO CP). RECURSO PROVIDO.

1. Esta Corte já firmou o entendimento de que a ausência do defensor no interrogatório, antes da entrada em vigor da Lei 10.792/03, não constituía nulidade, pois, tratava-se de ato privativo do juiz, não sujeito ao contraditório, quando restava obstada a intervenção da acusação e da defesa.

2. Em estrita observância, contudo, ao princípio do “non reformatio in pejus”, não pode está Corte estender o pedido recursal do órgão acusador, afastando, de ofício, a nulidade reconhecida no objurgado acórdão.

3. Os efeitos da nulidade de um ato somente maculam aos demais diretamente dependentes ou conseqüentes, nos termos do art. 573, § 1.º do CPP.

4. Recurso especial provido.”

(REsp 472.897/MG, 6.ª Turma, Rel. Min. Hélio Quaglia Barbosa, DJU de 9/5/2005).
Ademais, na hipótese, verifica-se que o réu, ora paciente, foi efetivamente assistido em seu interrogatório, porquanto foi-lhe nomeado um defensor dativo (cfr. fls. 54-verso), não havendo se falar em nulidade do ato em referência, por cerceamento de defesa.

Por outro lado, compulsando os autos, constato que o réu não possuía defensor constituído por ocasião da audiência em que se procedeu à oitiva da vítima e da testemunha de acusação. Mesmo assim, o MM. Juiz não nomeou defensor ad hoc para acompanhar o ato, ficando o réu, ora paciente, à mercê das acusações a ele irrogadas, tanto é que os depoimentos prestados (pela vítima e pela a testemunha de acusação, seu pai) respaldaram a condenação.

Além disso, cabe ressaltar que, ante o teor das informações prestadas pelo juízo da Comarca de Novo Airão/AM, à fl. 505, ficou comprovado o fato de que a audiência de instrução foi realizada sem a presença de qualquer defensor do réu.

Ora, a referida audiência deve ser anulada, sob pena de violar princípios basilares que regem o processo, quais sejam, o contraditório e a ampla defesa.

Não se falaria em nulidade se o MM. Juiz houvesse nomeado defensor ad hoc para atender aos interesses do ora paciente, fato que não ocorreu na espécie.

Nesse sentido, os seguintes precedentes desta Corte:

“CRIMINAL. HC. ESTELIONATO. AUDIÊNCIA DE INQUIRIÇÃO DAS TESTEMUNHAS DE ACUSAÇÃO. AUSÊNCIA DO DEFENSOR CONSTITUÍDO. INEXISTÊNCIA DE NOMEAÇÃO DE DEFENSOR AD HOC. NULIDADE. ORDEM CONCEDIDA.

I. Ausente, na audiência de inquirição das testemunhas arroladas na denúncia, o advogado constituído, deve o Juiz nomear um defensor ad hoc para o ato, sob pena de nulidade absoluta. Precedentes.

II. A falta de defensor na realização da oitiva das testemunhas de acusação gerou prejuízo ao paciente, pois as declarações colhidas não foram contraditadas pela defesa, em afronta ao princípio do contraditório e da ampla defesa.

III. Mister se faz a concessão da ordem, para anular o processo, tão-somente em relação ao paciente, a partir da audiência de oitiva das testemunhas de acusação, expedindo-se alvará de soltura em seu favor.

IV. Ordem concedida, nos termos do voto do Relator.”

(HC 40.673/AL, 5.ª Turma, Rel. Min. Gilson Dipp, DJU de 23/5/2005).

“PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. AUDIÊNCIA DE INQUIRIÇÃO DAS TESTEMUNHAS DE ACUSAÇÃO. AUSÊNCIA DO ADVOGADO CONSTITUÍDO. NÃO NOMEAÇÃO DE DEFENSOR AD HOC. NULIDADE.

Ausente na audiência de inquirição das testemunhas arroladas na denúncia, o advogado constituído, deve o Juiz nomear um defensor ad hoc para o ato, sob pena de nulidade absoluta, ainda mais quando se constata que os depoimentos prestados respaldaram a condenação.

Writ concedido para anular o processo, tão-somente em relação ao paciente, a partir da audiência de oitiva das testemunhas de acusação.”

(HC 27.242/MT, 5.ª Turma, de minha relatoria, DJU de 22/3/2004).

“HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. CRIME DE TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES. NULIDADES. FALTA DE INTIMAÇÃO DAS PARTES DA EXPEDIÇÃO DE CARTA PRECATÓRIA DESTINADA À INQUIRIÇÃO DE TESTEMUNHAS. INOCORRÊNCIA. AUDIÊNCIA DE OITIVA. DEPOIMENTOS COLHIDOS NA AUSÊNCIA DE DEFENSOR. PROVA ORAL, DESPROVIDA DE CONTRADITÓRIO, QUE EMBASOU A SENTENÇA CONDENATÓRIA. PREJUÍZO AO RÉU.

1. Presente, nos autos, documento que comprova a intimação da advogada constituída do paciente da expedição da carta precatória destinada à inquirição de testemunhas da acusação, não há que se falar em violação ao disposto no art. 222, do Código de Processo Penal.

2. A ausência de defensor, seja ele constituído ou nomeado, na realização da oitiva das testemunhas de acusação, gerou prejuízo à defesa, pois as declarações colhidas sem contraditório embasaram a condenação, o que implica no reconhecimento da nulidade estabelecida no art. 564, inciso III, “c”, e inciso IV, do CPP. Precedente do STJ.

3. Ordem concedida para determinar: a anulação do processo-crime desde a realização da audiência de inquirição de testemunhas de acusação e a expedição de alvará de soltura em favor do ora paciente, sem prejuízo, todavia, de nova ordem de prisão cautelar devidamente fundamentada.”

(HC 29.804/PE, 5.ª Turma, Rel.ª Min.ª Laurita Vaz, DJU de 8/3/2004).
“RHC. EXCESSO DE PRAZO PARA A FORMAÇÃO DA CULPA. SUPERVENIÊNCIA DE SENTENÇA PENAL CONDENATÓRIA. PREJUDICIALIDADE. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA PARA O PROSSEGUIMENTO DA AÇÃO PENAL. IMPOSSIBILIDADE DE EXAME. MATÉRIA FÁTICA. NULIDADE PROCESSUAL. FALTA DE DEFESA. INOCORRÊNCIA.

Encontrando-se o processo já sentenciado, fica superada a alegação de excesso de prazo para a formação da culpa. Aplicação do enunciado da Súmula n.º 52/STJ: “Encerrada a instrução criminal, fica superada a alegação de constrangimento por excesso de prazo”.

A falta de justa causa para a ação penal só pode ser reconhecida quando, de pronto, sem a necessidade de exame valorativo do conjunto probatório, evidenciar-se a atipicidade do fato, a ausência de indícios que fundamentaram a acusação ou, ainda, a extinção da punibilidade, hipóteses inocorrentes.

A via do habeas corpus é inadequada para a verificação de que o paciente não foi o autor do crime, haja vista a necessidade do revolvimento fático probatório.

Inviável a alegação de nulidade por cerceamento de defesa, em função da falta da presença do defensor constituído para audiência de instrução e manifestação quanto à oitiva de testemunhas, se não demonstrada a ocorrência de efetivo prejuízo ao paciente, que teve a assistência regular de defensor ad hoc para os atos.

Recurso improvido.”

(RHC 13.879/SP, 6.ª Turma, Rel. Min. Paulo Medina, DJU de 9/6/2003).
“PROCESSUAL PENAL. RÉU PRESO FORA DO DISTRITO DA CULPA. INTERROGATÓRIO. CARTA PRECATÓRIA. FALTA DE REQUISIÇÃO PARA ACOMPANHAR A COLHEITA DA PROVA. COMPARECIMENTO DO ADVOGADO CONSTITUÍDO. AUSÊNCIA DE INTIMAÇÃO DO ADVOGADO DA EXPEDIÇÃO DE PRECATÓRIA PARA OITIVA DE TESTEMUNHA DA DEFESA. NOMEAÇÃO DE DEFENSOR AD HOC. NULIDADES. INEXISTÊNCIA.

1 – Se o réu está preso em comarca diversa daquela onde tramita o processo penal, nada impede seja o seu interrogatório realizado por meio de carta precatória, porquanto não vige no processo penal o princípio da identidade física do Juiz.

2 – A falta de requisição do réu preso para acompanhar a audiência não induz nulidade se o seu advogado constituído comparece ao ato.

3 – Ausente a intimação do advogado da expedição de carta precatória para oitiva de testemunha, mas nomeado defensor ad hoc para o ato, não há nulidade, notadamente pela falta de prejuízo demonstrada, em virtude de não ter sido a prova colhida utilizada como meio de convencimento para a condenação, até mesmo porque a testemunha era da defesa.

4 – Ordem denegada.”

(HC 21.739/SC, 6.ª Turma, Rel. Min. Fernando Gonçalves, DJU de 2/12/2002).
Diante do exposto, concedo a ordem, a fim de anular o processo n.º 006/1993, em que figura como réu RUY SARMENTO DE ALMEIDA, a partir da audiência de inquirição da vítima e da testemunha de acusação, ocorrida aos 9 de março de 1994.

É o voto.

Decisão unânime da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, Relator o Ministro Félix Fischer, acompanhado pelos Ministros Laurita Vaz, Arnaldo Esteves Lima, Napoleão Nunes Maia Filho e Jorge Mussi.

Ronaldo Botelho é advogado e professor da Escola de Magistratura.