“RECURSO ESPECIAL N.º 136.514-PR

REL.: MIN. GILSON DIPP

EMENTA – I. Não há ilegalidade na decisão do Tribunal a quo que anula julgamento do Tribunal do Júri, se utilizada em Plenário, pela acusação, prova impugnada oportunamente e que causou evidente prejuízo para a defesa, ante a surpresa pela exibição da fita de vídeo de conteúdo desconhecido da defesa.

II. Recurso desprovido.”

(STJ/DJU de 3/6/02)

Concebido no início da década de 40, inspirado nas idéias e nos meios de prova de época anterior (década de 20 e 30), o nosso Código de Processo Penal não contém disposições acerca das provas que podem ser feitas com os recursos da tecnologia dos dias atuais. Quando muito, o Código de Processo Penal se refere à fotografia e a mais nada do que é moderno.

Porém, não contendo o CPP regras a esse respeito, nem por isso esses meios de prova podem ser deixados de lado. Supre-se a omissão através da analogia com outros estatutos, conforme autoriza o art. 3.º desse Código.

Então, as disposições do Código de Processo Civil à respeito desses meios de prova é que devem ser observadas. E o CPC tem disposições expressas:

“Art. 383: Qualquer reprodução mecânica, como a fotográfica, cinematográfica, fonográfica ou de outra espécie, faz prova dos fatos das coisas representadas, se aquele contra quem foi produzida lhe admitir a conformidade.

Parágrafo único. Impugnada a autenticidade da reprodução mecânica, o juiz ordenará a realização de exame pericial.

“Portanto, mesmo no processo penal, onde hoje estão muito em voga as gravações de conversas telefônicas, e os vídeos das filmadoras, caso o réu, ou sua defesa, impugnem o conteúdo dessas reproduções, o juiz criminal estará obrigado a determinar a submissão dessas reproduções à perícia.

E, mesmo que essa impugnação não ocorra, em se tratando de processo do Júri, será obrigatória a comunicação prévia à parte contrária da reprodução mecânica, sem o que o julgamento estará irremediavelmente nulo.

Nesse sentido, decidiu o Superior Tribunal de Justiça através de sua Quinta Turma, relator o ministro Gilson Dipp.

Observe-se, ainda, o exato significado do que vem disposto no art. 475, do Código de Processo Penal, quando fala em “comunicação” à parte contrária:

Art. 475 – Durante o julgamento não será permitida a produção ou leitura de documento que não tiver sido COMUNICADO à parte contrária, com antecedência, pelo menos, de 3 (três) dias, compreendida nessa proibição a leitura de jornais ou qualquer escrito, cujo conteúdo versar sobre matéria de fato constante do processo.

Porém, “comunicar” sobre o documento que se pretende ler ou produzir não significa, simplesmente, AVUSAR, PARTICIPAR. Comunicar, em termos de contraditório, significa DAR CONHECIMENTO DO CONTEÚDO, do inteiro teor do documento. Em se tratando de fita de vídeo, a comunicação ocorre através da exibição da fita.

Eis, na íntegra, o voto do relator:

O Exmo. Sr. Ministro Gilson Dipp (Relator):

Trata-se de Recurso Especial interposto, pelo Parquet estadual, contra o acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, que deu provimento ao recurso de apelação interposto pelo réu, anulando o julgamento a que foi o mesmo submetido, pelo Tribunal do Júri, e pelo qual foi condenado à reprimenda de 12 (doze) anos de reclusão, pela prática, em tese, de homicídio qualificado.

Consta dos autos que o recorrido foi denunciado e pronunciado como incurso no art. 121, § 2.º, inciso II, do Código Penal.

Por ocasião da submissão do réu ao julgamento pelo Tribunal Popular, foi exibida fita de vídeo pela acusação, referente ao crime pelo qual se pretendia a condenação. A exibição da referida prova foi imediatamente impugnada pela defesa, em razão da não-degravação de seu conteúdo.

Ainda assim, o recorrido restou condenado, motivo pelo qual apelou, sustentando a nulidade do julgamento, pois, apesar de ter rechaçado a produção da prova em plenário, seu pedido não foi analisado pelo magistrado, causando evidente prejuízo à defesa, consistente na surpresa pela apresentação da prova, impugnada oportunamente.

O Tribunal a quo, deu provimento ao recurso de apelação, entendendo que a nulidade causou prejuízo à defesa porque apesar de a referida fita de videocassete se encontrar nos autos, seu conteúdo não fora degravado, sendo, este, o fator surpresa prejudicial.

O Parquet interpôs embargos de declaração, acolhidos somente para declarar o dispositivo gerador da nulidade.

Diante disso, foi interposto o presente recurso especial, através do qual, sustentando negativa de vigência ao art. 475 do Código de Processo Penal e divergência jurisprudencial, o Ministério Público Estadual pretende a cassação do acórdão recorrido e o restabelecimento da decisão do Tribunal do Júri.

Não assiste razão ao recorrente.

Especificamente sobre as nulidades do julgamento em Plenário, o art. 571, inc. VII, do Código de Processo Penal refere que deve haver sua argüição na própria sessão do júri, sob pena de serem consideradas sanadas (art. 572, inc. I, do CPP).

Ademais, como se trata de vício relativo, é indispensável, para a declaração da nulidade, que se faça a prova do prejuízo.

Este é, precisamente, o caso dos autos, pois a prova em questão – a fita de vídeo, referente ao crime, não degravada – foi oportunamente impugnada e a sua exibição, em plenário, causou surpresa à defesa, ante o desconhecimento prévio de seu conteúdo. Restaram preenchidos, portanto, os requisitos para a declaração da nulidade.

Desta forma, não vislumbro qualquer ilegalidade no acórdão ora impugnado, que anulou o julgamento do Tribunal do Júri.

Nesse sentido, o parecer da Subprocuradoria-Geral da República, às fls. 553/555, que elucida, com propriedade, a controvérsia:

“4 – Realmente, conforme se vê do aresto prolatado nos embargos de declaração, `a nulidade do julgamento fulcrou-se na violação do art. 475 do CPP’, uma vez que `a surpresa residiu exatamente no fato de ser apresentada uma fita de videocassete sem prévio conhecimento do seu conteúdo pela defesa. Aliás, isto claramente se depreende da leitura do seguinte trecho do acórdão: `Tenho que, não tendo havido decodificação da fita para que a defesa tivesse conhecimento, com antecedência, do seu conteúdo, houve prejuízo porque foi surpreendida e, de conseqüência, tal prejuízo gera nulidade’.’ (fls. 475).

5 – Prestados esses esclarecimentos, evidencia-se a impossibilidade de conhecimento e provimento do apelo excepcional.

6 – Não se nega que o Ministério Público efetivamente requereu, logo após oferecida a contrariedade ao libelo, que o juiz autorizasse `a exibição de fita de videocassete, durante a realização do julgamento’, elucidando que era `referente a matéria jornalística sobre o crime perpetrado.’. Nem se questiona que seu requerimento foi deferido, sendo os patronos do réu comunicados da decisão (fls. 229 e 230).

7 – Porém, a teor do disposto nos artigos 383 e parágrafo único do CPC, combinado com os arts. 3.º e 475 do CPP, somente seria admissível a exibição do vídeo em Plenário do Júri se a defesa, além de previamente cientificada, como ocorreu, não tivesse impugnado a autenticidade da fita. Entretanto, antes do julgamento, o patrono do réu encaminhou petição ao juiz presidente do 2.º Tribunal do Júri, dizendo e requerendo o seguinte:

`… que não concorda com a exibição da fita contendo gravação, conforme pretende a promotoria, tendo-se em vista que não teve conhecimento do conteúdo do vídeo.

`A exibição da fita de vídeo em tais circunstâncias é prejudicial aos interesses da defesa pelo fator surpresa.

`É perfeitamente conhecido que o teor de fitas gravadas nem sempre corresponde à realidade fática, pelas montagens e truques cinematográficos.

`A defesa não concorda com a realização do júri nestas condições.

`Assim, requer respeitosamente seja por V. Exa. rejeitada a exibição de fita sensacionalista.’ (fl. 350)’

8 – Em face de tal requerimento, cabia ao juiz ordenar a realização de exame pericial, para verificar a autenticidade da fita (parágrafo único, do art. 383 do CPC). Somente após essa providência poderia permitir sua apresentação em Plenário.

9 – Na verdade, o patrono do acusado alegava desconhecer o conteúdo da fita e questionou até a sua autenticidade. Cabia, portanto, ao magistrado atender seus reclamos, ordenando fosse feita perícia, ainda que, para tanto, tivesse que adiar a sessão do júri. A providência era necessária em respeito aos comandos das normas federais (art. 383, parágrafo único, do CPC e art. 475, do CPP). Como não foi adotada, houve ofensa às garantias constitucionais da licitude das provas, da ampla defesa e do contraditório (art. 5.º, incisos LV e LVI):

10 – Por sinal, a exibição da fita em Plenário e o protesto da defesa estão provados nos documentos anexados aos autos (fls. 444/448). Daí porque não restava outro caminho ao Tribunal de Justiça do Paraná senão o de anular o julgamento, como o fez no acórdão, cuja confirmação agora se recomenda.”

Diante do exposto, nego provimento ao recurso.

É como voto.

Decisão unânime, votando com o relator os ministros Jorge Scartezzini, Edson Vidigal e José Arnaldo da Fonseca.

Processual civil. Tutela antecipada contra a Fazenda Pública. Cabimento em situações especialíssimas

“RECURSO ESPECIAL N.º 409.172 – RS

REL.: MIN. FÉLIX FISCHER

EMENTA – Conquanto o colendo Supremo Tribunal Federal, quando do julgamento em plenário da medida liminar na ADC n.º 4, tenha entendido pela impossibilidade da antecipação de tutela em face da Fazenda Pública, tal restrição deve ser considerada com temperamentos. A vedação, assim já entendeu esta Corte, não tem cabimento em situações especialíssimas, nas quais resta evidente o estado de necessidade e a exigência da preservação da vida humana, sendo, pois, imperiosa a antecipação da tutela como condição até mesmo, de sobrevivência para o jurisdicionado. Precedentes.

Recurso não conhecido.”

(STJ/DJU de 29/4/02, página 320)

Para o atendimento de situações especialíssimas, como, por exemplo, a obtenção de medicamentos indispensáveis à preservação da vida do jurisdicionado, cabe a concessão de tutela antecipada contra a Fazenda Pública.

Assim decidiu o Superior Tribunal de Justiça, através de sua Quinta Turma, relator o ministro Félix Fischer, com o seguinte voto condutor:

O Exmo. Sr. Ministro Félix Fischer: A pretensão recursal não merece acolhida.

Conquanto o colendo Supremo Tribunal Federal, quando do julgamento em plenário da medida liminar na ADC n.º 4, tenha entendido pela impossibilidade da antecipação de tutela em face da Fazenda Pública, tal restrição deve ser considerada com temperamentos.

A vedação, assim já entendeu esta Corte, não tem cabimento em situações especialíssimas, nas quais resta evidente o estado de necessidade e a exigência da preservação da vida humana, sendo, pois, imperiosa a antecipação da tutela como condição, até mesmo, de sobrevivência para o jurisdicionado.

A exceção não poderia esta melhor caracterizada como no caso em desate. São elucidativas as considerações tecidas pelo prolator da decisão em 1.º grau, a seguir transcritas:

Trata-se de pedido de antecipação de tutela para fins de restabelecimento do benefício assistencial devido à pessoa portadora de deficiência física, cancelado na via administrativa em novembro/1999.

A autora alega que, conforme provam os atestados médicos e demais documentos juntados, é portadora da Toxoplasmose Congênita, Bronquite, Hidrocefalia e Síndrome de Imunodeficiência Adquirida (Aids). Com bases nestes diagnósticos, o INSS deferiu o benefício pleiteado em 30.6.1998. Apesar disso, verificando posteriormente que a renda mensal familiar ultrapassava o limite de que trata o art. 20, § 3.º, da Lei 8.742/93, a autarquia cancelou o benefício.

Requer, por isso, o imediato restabelecimentoo do benefício, como forma de amenizar as imensas dificuldades financeiras decorrentes da situação socioeconômica de sua entidade familiar, agravadas pelas enfermidades que a acometeram.

A liminar merece ser deferida.

A incapacidade da autora é indiscutível. Com efeito, os documentos médicos juntados com a inicial comprova, inequivocadamente, que ela é portadora de diversas moléstias: Toxoplasmose Congênita (CID B589), Bronquite (CID 1219), Hidrocefalia (CID G919) e Aids (CID Z20.6) -, todas de natureza bastante grave. Dessa forma, não há como não reconhecer o preenchimento dos requisitos de que trata o artigo 20, § 2.º, da Lei 8.742/93.

O próprio INSS verificou a existência de tal incapacidade, sendo que o benefício deferido na via administrativa somente restou cancelado porque o réu constatou, em análise posterior, que o pai da autora percebia bolsa auxílio, cujo montante ultrapassava o limite de 1/4 do salário mínimo per capita.

Apesar disso, conforme comprova o documento juntado à fl. 28, tais rendimentos provinham de bolsa auxílio instituída pelo Programa de Atendimento Sócio Familiar da Fundação de Assistência Social e Cidadania do município de Porto Alegre, paga ao pai da autora somente até junho/2000, visto que o período máximo de recebimento de tal auxílio é de um ano.

Nessa condições, cumpre reconhecer que a autora, cujo pai encontra-se desempregado e sem condições econômicas para prover-lhe o sustento, preenche o requisito de que trata o art. 20, §, 3.º, da Lei 8.742/93. Perfeitamente caracterizada, portanto, a verossimilhança das alegações expendidas na inicial.

O periculum in mora também é evidente. Não bastasse o caráter alimentar do benefício pleiteado, trata-se de pessoa completamente inválida e que depende de tratamento médico constante. Acrescente-se a isso a necessidade de acompanhamento contínuo e permanente de seu pai, o que o impede de trabalhar.

Ante o exposto, presentes os requisitos de que trata o artigo 273 do CPS, DEFIRO A ANTECIPAÇÃO DA TUTELA pretendida pela autora, determinando ao INSS o imediato restabelecimento do benefício assistencial (NB 87/109.140.154-0 – fl 07), com pagamento a partir da competência agosto/2000.” (Fls. 59/60)

Esta Corte, em casos semelhantes ao aqui analisado, tem se pautado por essa orientação:

“Processual. Civil. Ação de indenização. Transplante de rim malsucedido. Tutela antecipada. Apelação recebida em ambos os efeitos. Excepcionalidade dos efeitos da antecipação para garantir pagamento de pensão indispensável à sobrevivência do apelado. Inaplicabilidade, no caso, do artigo 1.º da Lei n.º 9.494 de 1997.

A Lei n.º 9.494/97 (artigo 1.º) deve ser interpretada de forma restritiva, não cabendo sua aplicação em hipótese especialíssima, na qual resta caracterizado o estado de necessidade e a exigência de preservação da vida humana, sendo de se impor a antecipação da tutela, no caso, para garantir ao apelado o tratamento necessário à sua sobrevivência. Decisão consonante com precedentes jurisprudenciais do STJ.

Recurso improvido.””

(Resp.. 275.649/SP. Rel. Min. Garcia Vieira, DJU de 17/9/2001).

“Processual e previdenciário. Rural. Benefício. Antecipação de tutela. Estado de necessidade ou força maior. Lei 9.494/97.

Em casos especialíssimos, presente a força maior ou o estado de necessidade, cabe antecipação de tutela nas ações previdenciárias que visem benefício.

Recurso conhecido, mas desprovido.

(Resp 200.686/PR, Rel. Min. Gilson Dipp. DJU de 17/4/2000).

Diante destas considerações, não conheço do recurso.

É o voto.

Decisão unânime, votando com o relator os ministros Gilson Dipp, Jorge Scartezzini e José Arnaldo da Fonseca.

Ronaldo Botelho é advogado e professor da Escola da Magistratura.

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