HABEAS CORPUS N.º 42.833-SP

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Rel.: Min. Felix Fischer

EMENTA

I – O direito do réu de apelar em liberdade não lhe pode ser denegado, se permaneceu solto durante a instrução criminal e não restaram evidenciadas quaisquer das hipóteses previstas no art. 312 do CPP, quando da prolação da r. decisão condenatória (Precedentes).

II – Inexiste motivação convincente se não foi indicado qualquer fato novo que justificasse a expedição de mandado de prisão. (Precedentes).

Writ concedido, a fim de que o paciente possa aguardar o julgamento do recurso de apelação em liberdade, se por outro motivo não estiver preso.

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(STJ/DJU de 3/4/06, pág. 374)

Se o réu permaneceu solto durante a instrução criminal, tem direito de apelar em liberdade, ressalvada a hipótese de surgimento de fato novo autorizador da cautelar. Assim decidiu a Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, relator o ministro Félix Fischer, com o seguinte voto:

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O Exmo.Sr.Ministro Felix Fischer: Trata-se de habeas corpus substitutivo de recurso ordinário, impetrado em benefício de ALAN GERALDO FERREIRA, atacando v. acórdão prolatado pela c. 14.ª Câmara do e. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, que denegou o writ n.º 501224/7, ao argumento de que a hediondez do delito que lhe fora atribuído justificaria a medida, uma vez que incompatível com o instituto da liberdade provisória.

A ordem, a meu ver, merece ser concedida.

O impetrante, em suas razões, alega que o paciente permaneceu solto durante toda instrução criminal.

De outro lado, a r. sentença condenatória não justificou a necessidade de seu recolhimento à luz do art. 312 do CPP, porquanto sem fundamentação concreta a r. decisão neste ponto. Confira-se, a propósito, no punctum saliens, trecho do aludido decisum:

?Os réus terão seus nomes lançados no rol dos culpados após o trânsito em julgado, cumprirão a pena integralmente em regime fechado (art. 2.º da Lei n.º 8.072/90) e não fazem jus a qualquer benefício legal, nem o de apelar em liberdade, já que sua custódia preventiva é necessária para a garantia da ordem pública e para assegurar a aplicação da lei penal.? (fl.66)

De início, deve-se destacar que a jurisprudência já consolidou entendimento no sentido de que a necessidade do réu se recolher à prisão para apelar não ofende o princípio da presunção de inocência, havendo, inclusive, enunciado sumular desta e. Corte neste sentido, verbis:

?Súmula n.º 09 – A exigência da prisão provisória para apelar, não ofende a garantia constitucional da presunção de inocência?.

Ocorre, entretanto, que o MM. Juiz, quando da determinação do recolhimento do réu para apelar, deve efetivamente demonstrar a necessidade da segregação, no caso concreto.

Ora, a segregação cautelar deve ser considerada exceção, já que, por meio desta medida, priva-se o réu de seu jus libertatis antes do pronunciamento condenatório definitivo. É por isso que tal medida constritiva só pode ser decretada se expressamente for justificada sua real indispensabilidade para assegurar a ordem pública, a instrução criminal ou a aplicação da lei penal, ex vi do artigo 312 do Código de Processo Penal.

Os requisitos objetivos insculpidos no art. 594 do Código de Processo Penal devem ser corroborados com a demonstração efetiva da necessidade do recolhimento do paciente para apelar, notadamente se este permaneceu solto durante toda a instrução criminal.

No caso em tela, como visto, percebe-se que os pressupostos para a segregação cautelar não foram atendidos, uma vez que em relação a este ponto específico, o r. decisum não demonstrou, quanto ao paciente, a efetiva necessidade do recolhimento à prisão, aduzindo o magistrado, conforme visto, tão-somente que a necessidade da prisão se fazia necessária haja vista que ?não fazem jus a qualquer benefício legal, nem o de apelar em liberdade?, o que não corresponde com a realidade dos fatos, uma vez permaneceu solto o paciente no curso do processo.

Portanto, resta concluir que se periculosidade havia, deveria ter sido decretada sua prisão preventiva para garantia da ordem pública, o que não ocorreu no caso.

Acerca deste tema, oportuno é mencionar os seguintes precedentes desta c. Corte Superior de Justiça:

?PENAL E PROCESSUAL. ROUBO CIRCUNSTANCIADO. CONDENAÇÃO. MANDADO DE PRISÃO. EXPEDIÇÃO. APELAÇÃO EM LIBERDADE. POSSIBILIDADE.

Da presunção constitucional de não culpabilidade decorre ser cabível, ao réu condenado por sentença recorrível, apelar em liberdade, se inexistentes os pressupostos e requisitos autorizadores da prisão preventiva.

As decisões judiciais devem ser necessariamente motivadas e fundamentadas, sob pena de nulidade (art. 93, IX, da Constituição Federal).

O réu que esteve solto durante toda a instrução criminal, a qual teve curso regular, tem direito de aguardar em liberdade o julgamento da apelação.

Precedentes do STJ.

Ordem concedida?

(HC 28820/SP, 6.ª Turma, Rel. Min. Paulo Medina, DJU de 09/12/2003).

(…)

A questão posta foi inclusive submetida à apreciação da e. Terceira Seção deste c. Tribunal, que assim se manifestou:

?PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. ARTIGO 594 DO CPP. RÉUS QUE PERMANECERAM SOLTOS DURANTE TODO O TRANSCORRER DA AÇÃO PENAL. SENTENÇA CONDENATÓRIA. RECURSO DE APELAÇÃO CONDICIONADO AO RECOLHIMENTO À PRISÃO EM VIRTUDE DE ANTECEDENTES TIDOS COMO NEGATIVOS. IMPOSSIBILIDADE. NÃO DEMONSTRAÇÃO DA NECESSIDADE DA MEDIDA.

1. Em princípio, o réu que esteve em liberdade durante o transcorrer da ação penal tem o direito de aguardar solto o julgamento do recurso que interponha contra a sentença que o condenou.

2. A prisão cautelar, de natureza processual, só pode ser decretada em se mostrando a absoluta necessidade de sua adoção.

3. Ordem de habeas corpus concedida?

(HC 17208/CE, 3.ª Seção, Rel. p/ acórdão Min. Paulo Gallotti, DJU de 18/2/2002).

Como dito, o paciente esteve solto durante toda a instrução criminal comparecendo regularmente aos atos dos quais foi intimado, não havendo qualquer fato novo capaz de modificar o quadro fático em análise, bem como que no período em que esteve solto tenha causado algum embaraço ao regular andamento do feito.

Com efeito, oportuno gizar a posição adotada pelo eminente Desembargador Mesquita de Paula, que restou vencido no julgamento da impetração dirigida à Corte a quo:

?No presente caso, estando o réu solto, entendo, com base nos julgados acima referidos, que, independentemente do motivo que deu causa à sua libertação, a proibição de recorrer liberdade tinha que ser devidamente fundamentada, não servindo para isso simples referência à necessidade de garantir a ordem pública e de assegurar a aplicação da lei penal.? (fl.160)

Em tais casos, o entendimento desta Corte é no sentido de ser mantido o direito do réu de apelar em liberdade, como se pode observar dos seguintes precedentes:

?PROCESSUAL PENAL. RECURSO EM HABEAS CORPUS. ROUBO CIRCUNSTANCIADO. INSTRUÇÃO CRIMINAL. PRISÃO INDEFERIDA NO INÍCIO. LIBERDADE GARANTIDA. SENTENÇA CONDENATÓRIA. RECOLHIMENTO PARA RECORRER. NECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO DE REQUISITOS. CONSTRANGIMENTO ILEGAL. RECURSO PROVIDO PARA AGUARDAR O RECURSO EM LIBERDADE.

O entendimento desta Corte Superior tem trilhado no sentido de que, advinda a sentença condenatória, só se é permitido o recolhimento à prisão se, no transcurso do procedimento, surgirem os pressupostos para tanto. Caso contrário, afigura-se constrangimento ilegal a simples anotação de motivos sem a eventual comprovação ou possível ocorrência futura.

In casu, foi indeferido o pedido de prisão preventiva porque não presentes os requisitos legais, sendo que o acusado respondeu a todos os chamamentos da persecução, não sendo viável, portanto, a decretação da custódia, com a sentença, ao argumento do risco da aplicação da lei penal.

Recurso provido para permitir ao Paciente aguardar o recurso em liberdade?

(RHC 14052/MG, 5.ª Turma, Rel. Min. José Arnaldo da Fonseca, DJU de 25/08/2003).

?PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. RÉU SOLTO NO PROCEDIMENTO INSTRUTÓRIO. PRISÃO DECORRENTE DE SENTENÇA RECORRÍVEL. INEXISTÊNCIA DE FATOS NOVOS. CONSTRANGIMENTO. ORDEM CONCEDIDA.

As normas e o entendimento sufragado por torrencial jurisprudência têm afirmado que a prisão cautelar necessita de efetiva fundamentação, de modo a comprovar-se os pressupostos autorizadores da prisão. Não os existindo, descabida é a medida preventiva. Do mesmo modo, incomprovados tais requisitos ab initio, na seqüência procedimental só será permitida a medida extrema se novos fatos permitirem o juízo restritivo da liberdade; do contrário, patente é a ilegalidade do enclausuramento.

No caso vertente, foi o que ocorreu. O réu desde o princípio respondia livre à ação e mesmo comparecendo a todos os atos e mantendo conduta regular, viu-se conduzido ao cumprimento de prisão cautelar decorrente de sentença recorrível, ao argumento da reincidência, constrição a ser afastada nesta oportunidade.

Ordem concedida para permitir ao Paciente responder em liberdade ao processo?

(HC 23711/SP, 5.ª Turma, Rel. Min. José Arnaldo da Fonseca, DJU de 24/03/2003).

(…)

Diante do exposto, concedo a ordem a fim de que o paciente possa aguardar o julgamento do recurso de apelação em liberdade, se por outro motivo não estiver preso.

É como voto.

Decisão unânime, votando com o Relator ao Ministros Gilson Dipp e Laurita Vaz.

Ronaldo Botelho é advogado e professor da Escola da Magistratura.