RECURSO ESPECIAL N.º 557.644/MG

Rel.: Min. Félix Fischer

EMENTA

Possível crime ambiental, consistente na manutenção em cativeiro de espécimes da fauna silvestre, sem autorização da autoridade competente, não configura, em tese, e de per si, violação de interesses, bens ou serviços da União, sendo da competência da Justiça Estadual o processamento e julgamento da presente ação penal.

Recurso especial desprovido.

(STJ/DJU de 24/11/03, pág. 388)

Nesta decisão posta em destaque, o Superior Tribunal de Justiça, através de sua Quinta Turma, relator o ministro Félix Fischer, considerou que o crime ambiental consistente na manutenção de animais silvestres em cativeiro, porque não viola interesses, bens ou serviços da União, é da competência da Justiça Estadual, conforme diversos precedentes da Corte.

Assim constou de seu voto:

O Exmo. Sr. Ministro Felix Fischer: Estando devidamente comprovada a divergência, conheço do recurso pela alínea “c” do permissivo constitucional.

Trata-se de recurso em sentido estrito, julgado pelo Eg. Tribunal Regional Federal da 1ª Região, que decidiu ser da competência da Justiça Estadual para apreciar e julgar crime contra a fauna, estatuído no art. 29, § 1.º, III, da Lei n.º 9.605/98, consistente na manutenção de animais silvestres em cativeiro sem a devida permissão, licença ou autorização da autoridade competente.

A Lei n.º 9.605/98, que veio a regular todos os delitos praticados contra o meio ambiente, compreendendo a fauna e a flora, nada dispôs a respeito da competência para processar e julgar os crimes ali tipificados.

Tendo em vista que o art. 23, VI e VII, da Constituição Federal confere à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios a proteção ao meio ambiente e não há, quanto aos crimes ambientais, dispositivo constitucional ou legal expresso quanto à competência para o seu julgamento, tem-se, a princípio, que o processo e o julgamento dos delitos ambientais compete à Justiça Comum Estadual quando inexistente a hipótese da competência da Justiça Federal prevista na Carta Magna.

A competência da Justiça Federal, expressa no art. 109, IV, da Constituição Federal, restringe-se às hipóteses em que os crimes ambientais são perpetrados em detrimento de bens, serviços ou interesses da União, ou de suas autarquias ou empresas públicas.

Tais conclusões, por sinal, advindas após a edição da Lei n.º 9.605/98, acabaram por cancelar a Súmula n.º 91/STJ que, editada com fundamento na Lei n.º 5.107/67, atribuía à Justiça Federal a competência para processar e julgar os crimes cometidos contra a fauna.

No presente caso, entendo que não restou demonstrado o interesse da União na apuração do delito ambiental. Não há evidências que possam demonstrar a existência de eventual lesão a bens, serviços ou interesses da União, tampouco de suas autarquias ou empresas públicas.

Sob tal contexto, não vislumbro qualquer circunstância que justifique a competência da Justiça Federal para o processamento e julgamento do feito.

Transcrevo, a propósito, alguns julgados desta Corte que bem refletem esse posicionamento:

“CRIMINAL. CONFLITO DE COMPETÊNCIA. CRIME AMBIENTAL. MANUTENÇÃO EM CATIVEIRO DE ESPÉCIMES DA FAUNA SILVESTRE. NÃO-DEMONSTRAÇÃO DE LESÃO A BEM, INTERESSE OU SERVIÇO DA UNIÃO. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL.

I – A competência da Justiça Federal, expressa no art. 109, IV, da Constituição Federal, restringe-se às hipóteses em que os crimes ambientais são perpetrados em detrimento de bens, serviços ou interesses da União, ou de suas autarquias ou empresas públicas.

II – Não restando configurado, na espécie, a ocorrência de lesão a bens, serviços ou interesses da União, a competência para processar e julgar o feito é da Justiça Estadual.

Conflito conhecido para declarar a competência do Juízo de Direito da 1ª Vara da Comarca de Mogi Guaçu – SP”.

(CC 35502/SP, 3.ª Seção, DJU de 19/12/2002).

“CRIMINAL. CONFLITO DE COMPETÊNCIA. POSSÍVEL POSSE DE PÁSSAROS DA FAUNA SILVESTRE APRISIONADOS EM GAIOLAS. CRIME AMBIENTAL. LESÃO A BENS, SERVIÇOS OU INTERESSES DA UNIÃO NÃO-DEMONSTRADA. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL.

Compete à Justiça Estadual o processo e julgamento de feito que visa à apuração de possível crime ambiental, consistente na posse, em tese, de pássaros da fauna silvestre aprisionados em gaiolas, quando não restar demonstrada a existência de eventual lesão a bens, serviços ou interesses da União, a ensejar a competência da Justiça Federal.

Conflito conhecido para declarar a competência do Juízo de Direito do Foro Distrital de Urânia-SP, o Suscitado.”

(CC 32722/SP, 3.ª Seção, Rel. Min. Gilson Dipp, DJU de 04/02/2002).

“CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA ENTRE A JUSTIÇA FEDERAL E A JUSTIÇA ESTADUAL. CRIME AMBIENTAL. LEI N.º 9.605/98, ARTIGO 34. LESÃO A BENS, SERVIÇOS OU INTERESSE DA UNIÃO NÃO DEMONSTRADA. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL.

1. A teor do disposto nos artigos 23 e 24 da Constituição Federal, é da competência comum da União, Estados, Distrito Federal e Municípios proteger o meio ambiente, preservando a fauna, bem com legislar concorrentemente sobre essas matérias.

2. Após o advento da Lei n.º 9.605/98, que dispõe sobre os crimes ambientais, mas não estabelece onde tramitarão as respectivas ações penais, a definição da competência se dará com a verificação de existir, na prática tida como delituosa, lesão a bens, serviços ou interesse da União, com aplicação do contido no artigo 109, IV, da Constituição Federal, inocorrente na espécie.

3. Conflito conhecido para declarar a competência do Juízo de Direito da Vara Criminal de Patrocínio/MG.”

(CC 31759/MG, 3.ª Seção, Rel. Min. Paulo Gallotti, DJU de 12/11/2001).

“CRIMINAL. CONFLITO DE COMPETÊNCIA. POSSE DE ANIMAL SILVESTRE PREVIAMENTE ABATIDO E DE ARMAMENTO E PETRECHOS PRÓPRIOS PARA A CAÇA. POSSÍVEL CRIME AMBIENTAL. LESÃO A BENS, SERVIÇOS OU INTERESSES DA UNIÃO NÃO-DEMONSTRADA.CONDUTA QUE NÃO SE ENQUADRA NAS SITUAÇÕES ESPECÍFICAS QUE JUSTIFICAM A COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. EVENTUAL PREVENÇÃO DO JUÍZO QUE DEFERIRA A SUSPENSÃO DO FEITO AOS CO-RÉUS. INSUBSISTÊNCIA. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL.

Compete à Justiça Estadual o processo e julgamento de feito que visa à apuração de possível crime ambiental, consistente na prática, em tese, de posse de animal silvestre previamente abatido e de petrechos próprios para a caça, quando não restar demonstrada a existência de eventual lesão a bens, serviços ou interesses da União, a ensejar a competência da Justiça Federal.

Conduta que não se enquadra nas situações específicas de delitos contra a fauna que justificam a competência da Justiça Federal.

Alterada a competência, com a novel legislação e com o cancelamento da Súm. N.º 91/STJ, não subsiste a alegação de eventual prevenção do Juízo Federal – que anteriormente deferira a suspensão condicional do processo para os co-réus.

Conflito conhecido para declarar a competência do Juízo de Direito de Potirendaba-SP, o Suscitado.”

(CC 33068/SP, 3.ª Seção, Rel. Min. Gilson Dipp, DJU de 25/03/2002)

“PROCESSUAL PENAL. CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. CRIMES CONTRA A FLORA. INAPLICABILIDADE DA SÚMULA 91/STJ APÓS A LEI N.º 9.605/98. INEXISTÊNCIA DE INTERESSE, EM PRINCÍPIO, DA UNIÃO. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA COMUM ESTADUAL.

I – A aplicabilidade da Súmula 91 desta Corte foi afastada após o advento da Lei n.º 9.605/98.

II – Inexistindo interesse da União na lide afasta-se a competência da Justiça Federal em relação aos crimes contra a fauna. (Precedente).

Conflito conhecido, competente o Juízo Suscitado (Justiça Estadual).”

(CC 34366/SP, 3.ª Seção, DJU de 17/06/2002).

Convém salientar, ademais, à feição de esclarecimento, que restou noticiado no Informativo STF n.º 282 (16 a 20 de setembro de 2002), que o c. Supremo Tribunal Federal, examinando questão similar no HC 81916-8, Rel. Min. Gilmar Mendes, considerando inexistente a presença de interesse direto e específico a bem da União a justificar a competência da Justiça Federal para o julgamento da ação penal proposta contra o paciente, acusado da suposta prática do delito previsto no art. 46, parágrafo único, da Lei n.º 9.605/98, em razão do transporte de madeira em tora sem a devida autorização, deferiu habeas corpus para afirmar a competência da Justiça Comum Estadual para o julgamento da espécie, afastando, assim, a argumentação do acórdão recorrido no sentido de que a lavratura do auto de infração pelo Ibama implicaria a competência da Justiça Federal, por ofensa a interesse da mencionada autarquia, uma vez que tal atividade de fiscalização, ainda que relativa ao cumprimento de preceito da Lei de Crimes Ambientais, configura interesse genérico ou indireto da União para fins do art. 109, IV, da CF. Veja-se, oportunamente, a ementa do respectivo julgado:

“(1) Habeas Corpus. Crime previsto no art. 46, parágrafo único, da Lei n.º 9.605, de 1998 (Lei de Crimes Ambientais). Competência da Justiça Comum (2) Denúncia oferecida pelo Ministério Público Federal perante a Justiça Federal com base em auto de infração expedido pelo Ibama. (3) A atividade de fiscalização ambiental exercida pelo Ibama, ainda que relativa ao cumprimento do art. 46 da Lei de Crimes Ambientais, configura interesse genérico, mediato ou indireto da União, para os fins do art. 109, IV, da Constituição. (4) A presença de interesse direto e específico da União, de suas entidades autárquicas e empresas públicas – o que não se verifica, no caso -, constitui pressuposto para que ocorra a competência da Justiça Federal prevista no art. 109, IV, da Constituição. (5) Habeas Corpus conhecido e provido.”

(HC 81916/PA, 2.ª Turma, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJU de 11/10/2002).

Diante do exposto, voto pelo desprovimento do recurso, mantendo-se a competência da Justiça Estadual para processar e julgar o feito.

Decisão unânime, votando com o relator os ministros Gilson Dipp, Jorge Scartezzini, Laurita Vaz e José Arnaldo da Fonseca.

Ronaldo Botelho é advogado e professor da Escola de Magistratura.

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