RECURSO ESPECIAL N.º 700.356-BA

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Rel.: Min. Laurita Vaz

EMENTA

1. O defensor dativo substitui o constituído no ato para o qual o advogado escolhido pelo réu, regularmente intimado, não se faz presente. Logo, se o advogado constituído não foi intimado para se manifestar sobre a necessidade da oitiva das testemunhas arroladas na defesa prévia, o defensor dativo nomeado para a audiência de inquirição de testemunhas não poderia delas desistir, sob pena de violar a ampla defesa e o direito do réu de ser defendido por advogado de sua livre escolha.

2. Recurso parcialmente provido para declarar a nulidade do processo a partir da dispensa da oitiva das testemunhas arroladas na defesa prévia pelo advogado constituído do Recorrente.

(STJ/DJU de 26/03/07)

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A Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, relatora a Ministra Laurita Vaz, deu provimento ao recurso especial para anular a audiência em que o defensor dativo, substituindo o defensor constituído, desistiu das testemunhas arroladas na defesa prévia.

Consta do voto da Relatora:

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Exma. Sra. Ministra Laurita Vaz (Relatora):

O recurso comporta provimento, porquanto atendidos os pressupostos de sua admissibilidade e, no mérito, comporta parcial provimento.

Ressalte-se, inicialmente, que nos termos do enunciado da Súmula n.º 523, do Supremo Tribunal Federal: ?No processo penal, a falta de defesa constitui nulidade absoluta, mas a sua deficiência só o anulará se houver prova de prejuízo para o réu?.

Na espécie, dessume-se dos autos que, em seu interrogatório, o Recorrente nomeou como seu defensor, o Dr. Hamilton Viana, com o falecimento deste, foi constituído o Dr. Antônio Fernandes Pinto, que apresentou defesa prévia, arrolando testemunhas.

Após a audiência ter sido diversas vezes remarcada, a instrução iniciou-se no dia 30 de junho de 1995, nesta ocasião, o Recorrido e seu advogado não foram intimados, porque o oficial de justiça certificou que o acusado seria revel (fl. 151- verso).

Nova audiência foi marcada para o dia 11 de dezembro de 1995, desta feita, foram intimados, apenas, o Ministério Público e o Defensor Público, o Recorrente não foi intimado porque o oficial de justiça certificou sua revelia e não foi feita qualquer referência ao advogado constituído do acusado. Nessa audiência, realizou-se a oitiva da primeira testemunha de acusação.

Em 13 de fevereiro 1996, data marcada para inquirição das testemunhas faltantes, ouvi-se a segunda testemunha arrolada pelo Ministério Público, novamente, apenas o Parquet baiano e o Defensor Público foram intimados, sem qualquer referência ao Recorrente ou ao seu defensor constituído.

Foi, então, designada nova audiência para continuar a instrução, onde seriam inquiridas as testemunhas da defesa, entretanto, nenhuma das testemunhas de defesa compareceram. Dessa audiência o Recorrente e seu advogado, também, não foram intimados.

Após diversas tentativas frustadas de realizar a audiência para ouvir as testemunhas de defesa, o Juízo processante determinou a condução coercitiva dos réus e das testemunhas, intimando o Ministério Público, o Defensor Público e o advogado do Recorrido, este mediante publicação na imprensa oficial.

Em 5 de novembro de 1996, realizou-se a audiência na presença do Ministério Público, do Defensor Público, do Recorrente, e de seus dois co-réus, um deles com seu advogado constituído, nenhuma das testemunhas de defesa foi encontrada.

Como o advogado constituído do Recorrente não compareceu, ele foi defendido pelo advogado do co-réu, porquanto o Defensor Público defendeu o outro acusado sem defensor presente.

De fato, o advogado do co-réu, ao promover a defesa do Recorrente durante a inquirição das testemunhas, dispensou a oitiva das testemunhas arroladas na defesa prévia (fl. 192).

Na fase de diligências nada foi requerido.

O advogado constituído do Recorrente, Dr. Antônio Fernandes Pinto, que havia apresentado a defesa prévia, foi intimado para apresentar as alegações finais. Como não o fez, o advogado do co-réu, que oficiou na defesa do Recorrente durante a instrução, apresentou alegações finais em favor dos dois acusados.

Esta é a situação fática. Passo a análise do mérito do recurso.

Como bem observado pelo Ministério Público Federal, em seu bem lançado parecer, ?nas duas audiências onde foram inquiridas as duas testemunhas arroladas pelo Ministério Público -aliás, as únicas ouvidas durante toda a instrução -, o advogado do réu não esteve presente, nem há notícia de que tenha ele sido regularmente intimado?

(fl. 334). Observe-se que, se intimação ocorreu regularmente pela imprensa oficial, este fato não está certificado nos autos.

O Recorrente, por sua vez, embora tivesse endereço conhecido, jamais foi intimado para acompanhar a inquirição de testemunhas, porque o Oficial de Justiça certificou erroneamente sua revelia.

Todavia, esta Corte, antes da vigência da Lei n.º 10.792, de 1.º de dezembro de 2003, havia firmado o entendimento de que o interrogatório judicial era ato personalíssimo do magistrado, o qual não estava sujeito ao contraditório e, assim, dispensava a intervenção da acusação ou da defesa. Portanto, à época da instrução, a simples ausência de defensor não caracterizava a existência de qualquer nulidade.

Ademais, durante a realização da audiência de inquirição de testemunhas, o Recorrente foi representado por Defensor Público, inexistindo, assim, qualquer prejuízo à sua defesa. A mera alegação de prejuízo, sem sua efetiva demonstração, não tem o condão de nulificar o ato judicial, mormente se o juízo processante observou e propiciou ao acusado, o direito de ampla defesa.

Como bem destacado no parecer ministerial, ?as duas únicas testemunhas ouvidas na instrução nada disseram que pudesse comprometer o recorrente e seus depoimentos sequer foram usados para dar lastro à sentença condenatória, tendo o Juiz, expressamente, dito: ?Na instrução criminal, propriamente dita, foram ouvidas duas testemunhas que POUCO, ou QUASE NADA, INFORMARAM? (fls. 210)? (fl. 336).

Em sendo assim, descabe declarar a nulidade a partir da defesa prévia, a teor do disposto no art. 563, do Código de Processo Penal: ?Nenhum ato será declarado nulo, se da nulidade não resultar prejuízo para a acusação ou para a defesa?.

Nesse sentido, confiram-se seguintes precedentes, litteris:

?RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. AUSÊNCIA DE INTIMAÇÃO DO DEFENSOR PARA O ATO DE INTERROGATÓRIO JUDICIAL. INEXISTÊNCIA DE ILEGALIDADE. PRECEDENTES.

É entendimento pacífico na jurisprudência de que a ausência do defensor do réu no momento do interrogatório não constitui nulidade, tendo em vista ser ato pessoal do Juiz, não submetido ao princípio do contraditório.

Recurso desprovido.? (RHC 15.589/SP, 5.ª Turma, Rel. Min. JOSÉ ARNALDO DA FONSECA, DJ de 03/05/2004.)

?CRIMINAL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM HC. OMISSÃO VERIFICADA. AUSÊNCIA DO DEFENSOR NO INTERROGATÓRIO REALIZADO ANTES DA LEI 10.792/2003. NULIDADE NÃO CONFIGURADA. FALTA DE INTIMAÇÃO PESSOAL DO RÉU. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. EMBARGOS ACOLHIDOS SOMENTE PARA SANAR A OMISSÃO APONTADA.

I. Verifica-se a omissão do acórdão, se não apreciado um dos argumentos da impetração.

II. A ausência do defensor no interrogatório do réu realizado antes da Lei 10.792/2003 não constitui nulidade, pois consistia ato privativo do Juiz e, portanto, não estava sujeito ao contraditório, restando obstada a intervenção da acusação ou da defesa.

III. O argumento referente à nulidade por falta de intimação pessoal do paciente da sentença condenatória não foi apreciado pelo Tribunal a quo.

IV. Embargos parcialmente acolhidos, somente para sanar a omissão apontada, negando-se os efeitos modificativos pretendidos.? (EDcl no HC 30720/MG, 5.ª Turma, Rel. Min. GILSON DIPP, DJ de 06/12/2004.)

?CRIMINAL. RESP. PORTE ILEGAL DE ARMA. AUSÊNCIA DO DEFENSOR NO INTERROGATÓRIO. NULIDADE NÃO-VERIFICADA. ATO PRIVATIVO DO JUIZ. INEXISTÊNCIA DE CONTRADITÓRIO. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.

A ausência do defensor do réu no interrogatório não constitui nulidade, pois, tratando-se de ato privativo do Juiz, não está sujeito ao contraditório, restando obstada a intervenção da acusação ou da defesa.

Recurso conhecido e provido para restabelecer a sentença de primeiro grau de jurisdição.? (REsp 444.000/RS, 5.ª Turma, Rel. Min. GILSON DIPP, DJ de 03/02/2003.)

De outro lado, as testemunhas arroladas pelo defensor constituído do Recorrente (fl. 139) nunca foram intimadas para comparecer à audiência, uma vez que dos despachos às fls. 171, 177 constam apenas as arroladas pelo Ministério Público e pelos co-réus. Também não constam as testemunhas arroladas pela defesa do Recorrido na condução coercitiva, determinada para comparecimento à última audiência de inquirição (fl. 187).

Nesse contexto, o defensor constituído do Recorrido foi intimado da audiência para a inquirição, apenas, das testemunhas de defesa dos co-réus.

Ressalte-se que o defensor dativo substitui o advogado constituído no ato para o qual o causídico escolhido pelo réu, regularmente intimado, não se faz presente. Caberia, portanto, nomear o defensor dativo para este ato, qual seja, a inquirição das testemunhas de acusação arroladas pelos co-réus.

Porém, se o advogado constituído não foi intimado para se manifestar sobre a necessidade da oitiva das testemunhas arroladas na defesa prévia, o defensor dativo nomeado para a audiência não poderia delas desistir, sob pena de violação ao art. 564, IV, do Código de Processo Penal.

Logo, a substituição do advogado constituído pelo defensor dativo para se manifestar a respeito da oitiva de testemunhas de defesa que nunca foram, sequer, intimadas, claramente viola a ampla defesa e o direito do réu de ser defendido por advogado de sua livre escolha.

No mesmo sentido, é o parecer do Ministério Público Federal, litteris:

?Deixando de comparecer à audiência, caberia a nomeação de Defensor para aquele único ato, ou seja, inquirição de testemunhas. Demais manifestações no processo como insistência ou desistência de inquirição de testemunha de defesa, sua substituição, nas hipóteses prevista em lei, ou indicação de novo endereço, requerimento de diligências ou oferecimento de razões finais devem ficar a cargo do advogado constituído, nomeando-se Defensor dativo para suprir sua falta apenas no caso de omissão.? (fl. 337/338)

Ante o exposto, DOU PARCIAL PROVIMENTO ao recurso para declarar a nulidade do processo a partir da dispensa da oitiva das testemunhas arroladas pelo advogado constituído do Recorrente na defesa prévia.

É o voto.

Decisão unânime, votando com o relator os ministros Arnaldo Esteves Lima e Félix Fischer.

Ronaldo Botelho é advogado e professor da Escola da Magistratura.