Processual Penal. Apelo do assistente para elevar a pena. Cabimento.

HABEAS CORPUS N.º 27.971/ RJ
REL.: MIN. JOSÉ ARNALDO DA FONSECA

EMENTA

De acordo com a jurisprudência desta Corte e do Supremo Tribunal Federal, o assistente de acusação tem, diante das prerrogativas processuais, legitimidade para recorrer da sentença, inclusive para o fim de agravamento da pena imposta.

Ordem denegada e cassada a liminar deferida.

(STJ/DJU de 13/10/2003)

Segundo prevalece atualmente na jurisprudência das instâncias extraordinárias, o assistente da acusação tem legitimidade para, no silêncio do Ministério Público, recorrer objetivando a majoração da pena.

Consta do voto do Relator:

O Exmo. Sr. Ministro José Arnaldo da Fonseca (Relator):

Em seu arrazoado opinativo, o representante ministerial asseverou (fls. 70/1):
“Sem razão a impetração.

Quanto à alegação de nulidade da condenação porque baseada em provas ilícitas, esta não pode ser comprovada pela via estreita do “writ”, porque demandaria aprofundado exame das provas produzidas.

No que tange à argüição de ilegitimidade do Assistente da Acusação para requerer, em sede recursal, agravamento de pena, melhor sorte não assiste aos pacientes.

O interesse ou não do Assistente em ver aumentada a pena do autor do delito depende da finalidade adotada pelo ordenamento jurídico: se retributiva (teoria absoluta), há interesse, se relativa (visa apenas a prevenção), somente ao Estado é reservado.

Quando o legislador, na parte final do art. 59 do Código Penal, estatui que a pena será aplicada “conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime”, nitidamente optou por uma teoria mista, admitindo que a pena tanto tem a finalidade punitiva e retributiva (reprovação) como preventiva.

Conseqüentemente, não se pode negar o interesse da Assistência Acusatória em ver a pena do réu agravada, caso entenda que a pena aplicada não retribuirá satisfatoriamente o mal causado.

Assim, havendo interesse, não se vislumbra o óbice do art. 577, parágrafo único, do Código de Processo Penal, como pretende a impetração. A “contrario sensu”, a combinação dos artigos 271, 577 e 598 do Código de Processo Penal legitimam a interposição recursal com tal intento.”

Ao contexto, por sinal, já decidiu esta Corte Superior:

“PROCESSUAL PENAL. RECURSO ESPECIAL. HOMICÍDIO CULPOSO. ASSISTENTE. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL.

I – O assistente de acusação tem legitimidade para, no silêncio do Ministério Público, recorrer objetivando a majoração da resposta penal (Precedentes do STJ e do Pretório Excelso).

II – O dissídio pretoriano deve observar as exigências dos arts. 255 do RISTJ e 541 do CPC c/c o art. 3.º do CPP. Argumentação, por si, não supre o exigido cotejo.
Recurso parcialmente conhecido e, aí, desprovido.”

(RESP 468157/RS, Rel. Min. Felix Fischer, DJ de 12/08/2003)

“RESP – RECURSO – ASSISTENTE DE ACUSAÇÃO – O PROCESSO PENAL E COMPLEXO DE RELAÇÕES JURIDÍCAS QUE TEM POR OBJETO A APLICAÇÃO DA LEI PENAL. NÃO HÁ PARTES, PEDIDO OU LIDE, NOS TERMOS EMPREGADOS NO PROCESSO CIVIL. JURIDICAMENTE, ACUSAÇÃO E DEFESA CONJUGAM ESFORÇOS, DECORRÊNCIA DO CONTRADITÓRIO E DEFESA AMPLA, PARA ESCLARECIMENTO DA VERDADE REAL. NINGUÉM PODE SER CONDENADO SEM O DEVIDO PROCESSO LEGAL. O ASSISTENTE TAMBÉM E INTERESSADO NA AVERIGUAÇÃO DA VERDADE SUBSTANCIAL. O INTERESSE NÃO SE RESTRINGE A AQUISIÇÃO DE TITULO EXECUTÓRIO PARA REPARAÇÃO DE PERDAS E DANOS. O DIREITO DE RECORRER, NÃO O FAZENDO O MINISTÉRIO PUBLICO, SE DA QUANDO A SENTENÇA ABSOLVEU O RÉU, OU POSTULADO AUMENTO DA PENA. A HIPÓTESE NÃO SE CONFUNDE COM A JUSTIÇA PRIVADA. A VITIMA, COMO O REU, TEM DIREITO A DECISÃO JUSTA. A PENA, POR SEU TURNO, E A MEDIDA JURÍDICA DO DANO SOCIAL DECORRENTE DO CRIME.”

(RESP 13375/RJ, Rel. Min. Luiz Vicente Cernicchiaro, DJ de 17/02/1992)

No tocante ao direito de aguardar em liberdade o processo, observa-se que o trâmite da ação penal já se exauriu no âmbito da discussão factual, transcorridos os recursos ordinários de mérito, sendo o recolhimento à prisão mera conseqüência da condenação aconselhada aos Pacientes, inexistindo, portanto, qualquer constrangimento.

Ante o exposto, denego a ordem, cassada a liminar.

É o voto.

Processual Penal. Tráfico Ilícito de entorpecentes. Falta de oportunidade para a defesa preliminar. Nulidade relativa.

HABEAS CORPUS N.º 14.533/RJ
REL.: MIN. LAURITA VAZ

EMENTA

I – A Lei n.º 10.409/2002, no que concerne o rito procedimental previsto aos crimes de tráfico ilícito de entorpecentes, revogou parcialmente a Lei n.º 6.368/76, encontrando-se, inclusive, em vigência;

II – Consoante o entendimento da Colenda Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do HC n.º 26.900/SP, a inobservância do art. 38, da Lei n.º 10.409/2002, consubstanciada na falta de oportunidade ao acusado de apresentação de defesa preliminar antes do recebimento da peça inicial acusatória, não constitui nulidade absoluta, mas relativa, dependendo, para o seu reconhecimento, de efetivo prejuízo.

III – Recurso desprovido.

(STJ/DJU de 13/10/03)”.

A exemplo do que sucede em relação ao art. 514 do Código de Processo Penal (defesa preliminar do funcionário público), o Superior Tribunal de Justiça, através de sua Quinta Turma, vem entendendo que a não concessão de oportunidade para a defesa preliminar nos crimes de tráfico ilícito de entorpecentes, assegurada pelo art. 38 da lei n.º 10.409/2002, constitui nulidade relativa.

Consta do voto do relator:

Exma. sra. ministra Laurita Vaz (relatora):

Discute-se, na hipótese, a derrogação da Lei n.º 6.368/1976, pela Lei n.º 10.409, de 11 de janeiro de 2002, bem como a eficácia jurídica do disposto no artigo 27 e a adoção do procedimento criminal adotado pelo artigo 38 e seguintes pela novel legislação.

A Defesa sustenta a nulidade do rito procedimental seguido na presente ação penal, porquanto o Juízo condutor do processo, ao receber a denúncia ofertada, em 13 de janeiro de 2002, pelo Ministério Público Estadual, segundo a Lei n.º 6.368/1976, determinou a citação do acusado para interrogatório, sem ter, contudo, oportunizado o oferecimento de defesa escrita, nos termos do art. 38 da Lei n.º 10.409/2002.

Consoante entendimento firmado pela Colenda Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, quando do julgamento do HC n.º 26.900/SP, em 12 de agosto de 2003, “a parte do direito material, concernente à tipificação dos delitos de tráfico ilícito de entorpecentes, prevista na Lei n.º 10.409/2002, foi vetada. No entanto, as normas processuais especiais dispostas na referida lei, passaram a vigorar. Tem-se, portanto, que a Lei 6.368/1976 foi apenas revogada parcialmente, ou seja, derrogada”.

Preleciona, nesse sentido, Damásio Evangelista de Jesus, in verbis:

As disposições do Capítulo V da Lei n.º 10.409/2002 (art. 37 a 45), que disciplinam a instrução criminal, revogaram parcialmente a mesma parte processual da Lei 6.368/1976 cujos institutos não foram disciplinados pela lei nova, p. ex.: at. 35). De modo que o rito processual da ação penal por crimes de tráfico de drogas (art. 12, 13 e 14 da Lei n.º 6.368/1976), hoje, é o da lei nova; tratando-se, entretanto, dos crimes descritos nos arts. 15, 16 e 17 da Lei n.º 6.368/76, de menor potencial ofensivo por força da Lei n.º 10.259/2001, incide a Lei dos Juizados Especiais Criminais (Lei n.º 9.099/95, alterada pela Lei n.º 10.259/2001″ (in Código de Processo Penal Anotado, Editora Saraiva, 18.ª edição, p. 815).

Sendo assim, a instrução criminal dos crimes previstos na Lei Anti-Tóxicos de 1976 passou a ser regulada pela novel legislação especial, em vigência, restando consagrado o princípio do garantismo penal, ao instituir a resposta escrita à acusação, antes do recebimento da denúncia. Todavia, entendeu-se igualmente que a falta de ensejo ao acusado, pelo julgador, de apresentação de defesa preliminar antes do recebimento da peça inicial acusatória, constitui-se em nulidade relativa e, para ser declarada, deve ser acompanhada de demonstração de efetivo prejuízo, a teor do disposto no art. 563 do Código de Processo Penal.

Nesse sentido, confira-se trecho do voto proferido pelo min. Jorge Scartezzini, no julgamento do HC n.º 26.900/SP, in verbis:

“(…) sob esse prisma, a inobservância de defesa preliminar, como prevista no art. 38 do novel diploma legal deve vir acompanhada de efetivo prejuízo.”

Dessa forma, a simples alegação, em abstrato, como na hipótese ocorre, não configura prejuízo algum à Defesa, impondo-se, para o seu reconhecimento, a efetiva demonstração de lesão concreta ao direito do paciente.

Ante o todo exposto, ressalvado o meu entendimento exarado nos autos do HC n.º 26.900/SP,

Nego provimento ao recurso ordinário.

É como voto.

Ronaldo Botelho é advogado e professor da Escola da Magistratura.