Processual penal. Apelação. Paciente em liberdade provisória que não se recolheu ao cárcere para apelar. Hipótese que não configura deserção.

HABEAS CORPUS N.º 31.158/RS

Rel.: Min. Felix Fischer

EMENTA

Nos termos do art. 595 do CPP, a deserção ocorre quando o réu, após ter apelado, empreende fuga. Na hipótese dos autos, não houve fuga propriamente dita, e sim, não recolhimento ao cárcere para apelar, conforme determinado pela r. sentença penal condenatória. Desta forma, não há que se falar em deserção.

Writ parcialmente concedido, para anular o v. acórdão reprochado, determinando que o e. Tribunal a quo, proceda novo juízo de admissibilidade do recurso, como entender de direito.

(STJ/DJU de 21/06/04, pág. 234)

Segundo a jurisprudência dominante nas instâncias extraordinárias, se o agente responde o processo em liberdade, pode, em princípio, recorrer solto. Se, no entanto, estava preso durante o transcorrer do processo em razão de flagrante ou preventiva, não tem, em princípio direito a recorrer em liberdade.

Mas há uma outra situação que ocorre quando o réu, que se encontrava solto, vem a ser condenado e o juiz decreta desde logo a sua prisão. Entretanto, o réu não se apresenta à prisão e interpõe recurso de apelação.

Considerou o Superior Tribunal de Justiça, através de sua Quinta Turma, relator o ministro Felix Fischer, que o fato de o réu, que se encontrava solto, apelar e não se apresentar à prisão determinada pela sentença, não configura deserção, devendo o apelo ser admitido, ou não, por outros fundamentos.

Consta do voto do relator:

O Exmo. Sr. Ministro Felix Fischer:

O paciente foi intimado da sentença condenatória em 13 de maio de 2002, manifestando expresso desejo de apelar. Local da intimação: PRESÍDIO CENTRAL DE PORTO ALEGRE/RS. (FLS. 493, VERSO).

Em 01 de fevereiro de 2003, o paciente foi intimado da renúncia de seu defensor. Local da intimação: PENITENCIÁRIA ESTADUAL DE JACUÍ/RS (FLS. 527/VERSO).

Embora todas essas evidências, em 24 de junho de 2003, a Colenda Câmara Especial Criminal, declarou deserta a apelação e negou o duplo grau de jurisdição ao paciente, por, conforme informação do Ministério Público, não haver recolhimento do mesmo ao cárcere” (fl. 05).

Solicitadas informações, estas noticiaram o que se segue:

“Assiste razão à impetrante quando aduz que a fl 334 dos autos refere-se à sexta folha das alegações finais apresentadas pelo Ministério Público. O mesmo se diz em relação à fl. 443, que é a terceira folha das contra-razões de apelação. Aqui, ao que tudo indica, o Dr. Promotor de Justiça estaria se referindo à fl. 433, verso, onde consta uma certidão do Oficial de Justiça, datada de 06.03.02, informando a não-localização dos réus para intimação da sentença e prisão.

Isso porque, ao tempo da apresentação das contra-razões de apelação, em 26.03.02, a informação nos autos (fl. 433, verso e não 443) era a de que os réus estavam em lugar incerto e não sabido. Entretanto, quando da manifestação do Dr. Procurador de Justiça, o réu/apelante já estava preso, fato noticiado no processo.

Permito-me rememorar: o paciente foi preso em 17.04.02, recolhido ao Presídio Central de Porto Alegre, onde foi intimado da sentença condenatória em 13.05.02 (fl. 493).

Em 18.07.02, o processo foi recebido neste Tribunal, aderindo Parecer do Dr. Procurador de Justiça, em 17.09.02, pelo não-conhecimento do apelo por deserto (fls. 513-516).

Posteriormente, em 1.º.02.03, na Penitenciária do Jacuí, o paciente foi intimado da renúncia de sua defensora (fl. 527).

Em 24.06.03, a Câmara Especial Criminal, à unanimidade, não conheceu do recurso “por deserto”” (fl. 28/29).

De todo o exposto, vislumbra-se que o paciente teve sua liberdade provisória concedida em 04/04/01, sendo que quando de sua condenação, em 20/11/2001, lhe foi negado o direito de apelar em liberdade. A defesa interpôs recurso de apelação em 10/01/2002 e suas razões em 13/02/2002, antes do recolhimento do paciente ao cárcere, o que só veio a ocorrer em 17/04/2002. Por fim, em 26/06/2003 a e. Corte a quo, julgou o apelo deserto, ao entendimento de que o paciente havia fugido após a interposição do recurso de apelação.

Com efeito, não há que se falar em deserção do apelo.

Vejamos o que consta do art. 595 do CPP:

“Art. 595. Se o réu condenado fugir depois de haver apelado, será declarada deserta a apelação.”

A jurisprudência dessa Corte tem conceituado a deserção nos exatos termos do art. 595 do CPP, confira-se:

“PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. TENTATIVA DE HOMICÍDIO DUPLAMENTE QUALIFICADO. DIREITO DE APELAR EM LIBERDADE. APENADO FORAGIDO. SUSPENSÃO DO PROCESSO (ART. 366 DO CPP). MATÉRIA NÃO APRECIADA. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA.

I – A exigência da prisão provisória, para apelar, não ofende a garantia constitucional da presunção de inocência (Súmula n.º 9 do STJ).

II – Observada a fuga do preso depois de interposta a apelação, a deserção (art. 595 do CPP), em caráter definitivo, é de ser declarada (Precedentes do Pretório Excelso).

III – Se o pedido contido na prefacial não foi apreciado em segundo grau, dele não se conhece sob pena de supressão de instância. (Precedentes).

Writ parcialmente conhecido e neste ponto indeferido.”

(HC 15492/DF, 5.ª Turma, DJU de 28/05/2001).

(…)

(HC 73274/SP, 2.ª Turma, Rel. Min. Marco Aurélio, DJU de 19/04/96).

“PENAL. PROCESSUAL PENAL. “HABEAS CORPUS”. APELAÇÃO DO RÉU. FUGA APÓS O RECURSO. DESERÇÃO. CPP, ART. 595.

I. – Se o réu foge depois de apelar, sua recaptura não impede seja declarada a deserção do recurso.

II. – H.C. indeferido.”

(HC 72867/RJ, 2ª Turma, Rel. Min. Carlos Velloso, DJU de 20/10/95).

(…)

Na hipótese dos autos, não houve fuga do paciente após a interposição do recurso de apelação, e sim, o seu não recolhimento determinado pela r. sentença penal condenatória, já que estava em liberdade.

Júlio Fabrinni Mirabete, in Código de Processo Penal Interpretado (Atlas, 7.ª ed., 2000, p. 1284), ressalta que ” a forma normal de extinção da apelação é o julgamento do recurso na instância superior, com seu provimento ou improvimento. Pode dar-se, porém, o caso da extinção anormal da apelação pela ocorrência da deserção, prevista no art. 595. Positivada a fuga do apelante, em qualquer momento da tramitação do procedimento da apelação, esta não mais poderá ser conhecida, transitando em julgado a sentença. A deserção ocorre apenas quando a apelação for interposta pelo réu, e não pelo Ministério Público quando, como custos legis recorrer em favor do condenado, pois o artigo se refere somente ao recurso daquele. Quando a interposição do recurso ocorreu estando em liberdade o condenado, não há deserção por não ter sido ele localizado posteriormente; o que pode ocorrer é o não conhecimento do recurso se na sentença não foi concedida liberdade provisória.” (grifei).

Diante dessas considerações, concedo parcialmente o writ para anular o v. acórdão reprochado, determinando ao e. Tribunal a quo que proceda novo juízo de admissibilidade do recurso, como entender de direito.

É o voto.

Decisão unânime, votando como relator os ministros Gilson Dipp, Jorge Scartezzini, Laurita Vaz e José Arnaldo da Fonseca.

Ronaldo Botelho

é advogado e professor da Escola da Magistratura.