RECURSO ESPECIAL N.º 514.440/ES

Rel.: Min. Castro Filho

EMENTA

Quem dispõe de título executivo carece, em tese, de interesse processual de propor ação monitória, conforme prescreve o artigo 1.102 a do Código de Processo Civil. Entretanto, existindo dúvida quanto à executividade do título de que dispõe o credor e ausente o prejuízo para o devedor em sua ampla defesa, é possível a escolha do procedimento monitório. Ademais, em observância aos princípios da celeridade e economia processuais, não se justifica a anulação do processo, com a perda de todos os atos processuais já praticados.

Recurso especial conhecido e provido.

(STJ/DJU de 23/08/04, pág. 229)

O Banco A.A.R. S/A aforou ação monitória contra J.S.S. e outro, que veio a ser julgada procedente no Juízo de 1.º Grau.

Interposto recurso pela parte vencida foi o mesmo acolhido pelo Tribunal de Justiça do Espírito Santo, através de acórdão assim ementado:

“APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO MONITÓRIA – CONFISSÃO DE DÍVIDA – TÍTULO EXECUTIVO EXTRAJUDICIAL – FALTA DE INTERESSE PROCESSUAL – RECURSO PROVIDO.

O documento que instrui a inicial não se trata de um contrato de abertura de crédito, mas de um instrumento de confissão e renegociação de operação de crédito, que tem força de título executivo extrajudicial. Dessa forma, a via processual adequada se mostra o processo de execução, e não a ação monitória, sendo o autor, carente de ação por falta de interesse processual.

Recurso provido”.

Dessa decisão o Banco interpôs recurso especial em que sustentou a existência de interesse processual.

Alega o recorrente que, ao contrário do entendimento assentado no tribunal estadual, para a propositura da ação monitória, faz-se necessária somente a prova escrita da dívida. Acrescentou, ainda, que, na hipótese em exame, pairava fundada controvérsia quanto à executividade do instrumento de confissão e renegociação de operação de crédito no qual a dívida está materializada, haja vista estar lastreado em contrato de abertura de conta corrente, com crédito de cheque especial.

Em face disso, sustentou haver interesse processual para utilizar-se do procedimento monitório, ao invés do executório, não só porque a escolha do procedimento constitui uma opção do credor, mas também porque a maioria dos tribunais estaduais tem reiteradamente decidido pela não executividade dos contratos bancários. Salienta, por fim, que a manutenção do acórdão recorrido caracteriza violação ao artigo 1.102 a do Código de Processo Civil.

O recurso foi provido pelo Superior Tribunal de Justiça, através de sua Terceira Turma, relator o ministro Castro Filho, com a seguinte argumentação:

O Exmo. Sr. Ministro Castro Filho (Relator): De início, é de se observar que, numa interpretação meramente literal, quem dispõe de título executivo não pode propor ação monitória, conforme prescreve o artigo 1.102 a do Código de Processo Civil, por carecer, em tese, de interesse processual.

Com efeito, havendo relevante interesse público quanto à efetividade do processo, no sentido de que dele se obtenha o máximo rendimento com o mínimo de dispêndio possível, afigura-se anacrônico relegar ao puro alvedrio do credor a escolha entre o procedimento monitório e o executivo, quando dispõe de título hábil à propositura de execução. Entretanto, não se pode olvidar que o processo não se justifica como um fim em si mesmo.

No caso vertente, a escolha do procedimento monitório pelo credor foi norteada pela dúvida quanto à capacidade do instrumento de confissão e renegociação de operação de crédito para alicerçar uma ação de execução, haja vista ser oriundo de contratos bancários que não possuem força executiva. Afora isso, a via processual eleita em nada prejudicou os recorridos, cuja defesa foi exercida em sua plenitude, mediante a oposição dos embargos, assertiva corroborada pelo fato de eles, em nenhuma de suas intervenções, terem alegado lesão a seu direito de defesa.

Diante desse quadro, entendo que a anulação do processo não se justifica, pois acarretaria a perda – e provável repetição – de todos os atos já praticados, em confronto com a moderna concepção de princípios basilares do processo, como os da instrumentalidade, economia e celeridade.

Sob essa ótica, este Superior Tribunal de Justiça tem admitido o prosseguimento da ação monitória fundada em título executivo, desde que ausente prejuízo à outra parte. Confiram-se os seguintes precedentes:

“AÇÃO MONITÓRIA. TÍTULO EXECUTIVO EXTRAJUDICIAL. PRESCRIÇÃO. AUSÊNCIA DE PREJUÍZO. AMPLA DEFESA. ANULAÇÃO DO PROCESSO. APLICAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA CELERIDADE E ECONOMIA PROCESSUAIS.

Quem dispõe de título executivo carece, em tese, de interesse processual de propor ação monitória, conforme prescreve o artigo 1.102 a do Código de Processo Civil. Entretanto, existindo dúvida quanto à prescrição do título executivo e ausente o prejuízo para o devedor em sua ampla defesa, é possível a escolha do procedimento monitório. Ademais, em observância aos princípios da celeridade e economia processuais, não se justifica a anulação do processo, com a perda de todos os atos processuais já praticados.

Recurso especial conhecido e provido.

(RESP 504.503/RS, de minha relatoria, DJ de 17.11.03)

“Cobrança de crédito (título executivo). Ação monitória/execução. Escolha do procedimento. Mesmo que admissível a execução para a cobrança do crédito, pois se trataria de título executivo extrajudicial, a adoção do procedimento monitório não ensejou nulidade dos atos processuais; admitindo-se que, no caso, realizados de outro modo, alcançaram a finalidade proposta, sem prejuízo para a defesa. A saber, conforme o acórdão, “circunstância que lhes possibilitou o exercício de melhor meio de defesa”. Em tal aspecto, não é lícito entender-se que há carência de interesse processual; não, interesse há. A escolha de uma ação em vez de outra não há de obstar a que se conheça do pedido, provendo-o conforme o bom direito.

2. Julgamento antecipado da lide. Conforme o acórdão estadual, “De modo algum ocorreu o cerceamento ao direito de defesa, porque a prova produzida era suficiente para formar a convicção do Juízo. Outras provas, que não a documental, revestiam-se de inutilidade”. Inocorrência de ofensa a texto processual, pois não havia necessidade de se produzir prova em audiência.

3. Recurso conhecido pelo dissídio (quanto ao primeiro ponto), mas não provido.”

(Resp 210.030-RJ, DJ de 04/09/2000, Rel. Min. Nilson Naves);

“PROCESSO CIVIL. AÇÃO MONITÓRIA. Ação monitória instruída por título executivo. Precedente (REsp n.º 210.030, RJ, Rel. Min. Nilson Naves).

Recurso especial conhecido e provido.”

REsp 182084/MG, DJ de 29/10/2001, Rel. Min. Ari Pargendler);

“AÇÃO MONITÓRIA. Título executivo.

O credor que tem em mãos título executivo pode dispensar o processo de execução e escolher a ação monitória. Precedentes. Omissões inexistentes. Recurso não conhecido.”

(REsp 435.319/PR, DJ DATA 24/03/2003, Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar).

Pelo exposto, conheço do recurso e lhe dou provimento para, cassando o acórdão recorrido, restabelecer a sentença, cujos comandos torno definitivos, haja vista o inconformismo manifestado na apelação restringir-se à questão preliminar.

É o voto.

Ministro Castro Filho

Relator

Decisão unânime, votando com o relator os ministros Carlos Alberto Menezes Direito e Nancy Andrighi.

Ronaldo Botelho é advogado e professor da Escola da Magistratura.

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