Processual Civil.. Prova. Carta Anônima. Imprestabilidade.

“AGRG NO RECURSO ESPECIAL N.º 295.155 ? RJ

REL.: MIN. SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA

EMENTA ? Documentos. Carta anônima. Juntada aos autos.

Decidiu-se, por maioria e de acordo com o voto médio, manter apensadas por linha cópias de documentos de outros processos, devendo ser destruídas as cartas anônimas.”

(STJ/DJU de 5/8/02, pág. 347).

Nestes tempos bicudos, em que, sobretudo na área criminal, se dá muito valor à denúncia anônima, o Superior Tribunal de Justiça, através de sua Quarta Turma, Relator o Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, determinou a destruição de cartas anônimas juntadas aos autos, como documentos imprestáveis.

Consta dos diversos votos:

Voto vencido

O sr. Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira (relator):

1. Dispõem os arts. 141 e 143 do Regimento Interno:

“Art. 141 ? Nos recursos interpostos na instância inferior, não se admitirá juntada de documentos, após recebidos os autos no Tribunal, salvo:

1 ? para comprovação de textos legais ou de precedentes judiciais, desde que estes últimos não se destinem a suprir, tardiamente, pressuposto recursal não observado;

II ? para prova de fatos supervenientes, inclusive decisão em processo conexo, os quais possam influenciar nos direitos postulados.

III ? em cumprimento de despacho fundamentado do relator, de determinação da Corte Especial, da Seção ou da Turma.

§ 1.º A regra e as exceções deste artigo aplicam-se, também, aos recursos interpostos perante o Tribunal.

§ 2.º Após o julgamento, poderão ser devolvidos às partes os documentos que tiveram sido juntados “por linha”, salvo deliberação de serem anexados aos autos”.

. “Art. 143 ? A parte será intimada por publicação no “Diário da Justiça” ou, se o relator o determinar pela forma indicada no art. 87, para pronunciar-se sobre documento juntado pela parte contrária, após sua última intervenção no processo”.

A petição e os documentos juntados por linha dirigem-se “aos Senhores Ministros do Superior Tribunal de Justiça” e noticiam, em sintese, a falsidade de procurações utilizadas para a transferência da propriedade dos lotes de terreno, com o concluio de “funcionários públicos, advogados, procuradores de estatais e outros sem o que não poderiam atingir a cifra de uma reivindicação irregular, que totaliza noventa e um milhões de reais”.

2. Mentirosos ou verídicos, certo é que se trata de fatos graves, a merecer atenção. Por outro lado, ao contrário do que afirma a agravante, há evidente pertinência temática entre essa notícia e a espécie em julgamento, que se refere exatamente à liberação ou não da parcela dita “incontroversa”, equivalente a dez milhões de reais, parte dos quais ainda a ser depositado em juízo. A confirmar-se, por exemplo e hipoteticamente, uma fraude entre procuradores de estatais, funcionários e advogados, essa parcela pode tornar-se de todo controvertida.

3. Quanto à juntada sem oportunidade de vista, ainda que plausivel a alegação, o defeito restou sanado, tanto pela manifestação específica sobre os fatos na petição de agravo, quanto no memorial da agravante, cujas razões se ocupam principalmente da matéria de fundo do caso em exame, trazendo em anexo cópias de documentos.

4. A identidade da parte subscritora das notícias não tem, outrossim, o condão de invalidar os fatos que descreve. Com efeito, independentemente de haver ou não registro no cartório de pessoas jurídicas, ou se tratar de pessoa sem capacidade de ser parte ou de postular em juízo, sua intervenção nos autos está a relatar condutas ilícitas, de notório interesse público, a merecer ciência dos julgadores.

5. Outra peculiaridade formal ? a ausência de previsão regimental para a juntada dos documentos ? não está a impedir possível apuração dos fatos ali narrados, dada a sua relevância e também a expressão econômica de mais de noventa milhões de reais.

6. Em relação à veracidade ou não das informações, não se trata de matéria devolvida a este Colegiado pela via do agravo, uma vez não abordada na decisão impugnada.

7. Por fim, assinalo que a juntada de documentos, para ciência dos julgadores, fica à criteriosa apreciação do relator, para ciência dos julgadores, sem prejuízo da sua exclusão pelo colegiado.

8. Com estas considerações, desprovejo o agravo.

Voto

O sr. Ministro Barros Monteiro: Sr. Presidente estou de acordo com o voto do sr. Ministro Rui Rosado de Aguiar, em retirar as cartas dos autos e deixá-las arquivadas na secretaria do gabinete, ou como achar melhor.

Voto ? vencido

O Sr. Ministro César Asfor Rocha (Presidente): Srs. Ministros, repudio, a mais não poder, a crítica ou a delação anônima. Nada há de mais torpe, ignóbil e vil do que uma carta apócrifa, veiculatória de fatos desabonadores contra quem quer que seja. O direito à ampla defesa, que a Constituição Federal alberga, consagrando regra elementar decorrente da própria civilização dos povos, inicia-se em possibilitar ao ofendido que possa, pelo menos, saber quem seja o seu delator. Ninguém pode esgrimir defesa contra um inimigo invisível. O anonimato é atitude dos covardes, que não pode ser nem minimamente estimulado. Por isso é que, data venia, dou provimento ao agravo para determinar o desentranhamento da carta anônima cogitada, com os documentos que a acompanham, e que sejam todos destruídos. Mesmo assim, ouso, com todo respeito, encarecer ao senhor Ministro relator, que se caracteriza como um homem sensato e sábio, que pondere um pouco mais sobre esse assunto de tanta gravidade.

Voto médio

O Ministro Ruy Rosado de Aguiar:

Sr. Presidente, voto no sentido de que os documentos, que são de um outro processo, fiquem apensados por linha, porque talvez interessem em algum momento, são públicos. Devem ser destruídas as cartas sem assinatura, ou seja, a narrativa apócrifa.

Esclarecimentos

O Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira (relator):

Quero esclarecer que não sou defensor de cartas apócrifas. Sempre repudiei esse tipo de expediente, tanto como juiz, quanto como cidadão. Porém, essas cartas chegaram ao meu gabinete, quando o processo não estava mais comigo, para que fosse examinada essa matéria. Antes de causar um incidente processual, tramitando para lá e para cá, mandei juntar por linha, ou seja fora do processo, para que ficasse apenas até o julgamento. No momento próprio, daremos o valor que merece.

O Ministro César Asfor Rocha (presidente):

Srs. Ministros, sou contra; não considero carta anônima. Mas se a direção for para acolher, pondero que se intime a parte, a quem possa beneficiar, para saber se assume a autoria daquilo que está afirmado.

O incidente está criado. Penso que é um precedente gravíssimo.

O Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira (relator):

O Colegiado é que tem que decidir. Entendi que seria mais razoável, no momento, até para tramitação normal do processo, que já está com vista, mandar juntar por linha.

O Ministro César Asfor Rocha (Presidente):

Se está nos autos, qualquer pessoa pode tirar xerox e autenticar.

O Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira (relator):

Não está nos autos. Portanto, ninguém poderá tirar xerox sem autorização.

O Ministro Aldir Passarinho Júnior:

Sr. Presidente, tenho o seguinte critério: se trata de documento juntado pela parte em forma de memorial, mando juntar por linha. Friso, documento juntado pela parte. Se é requerida a juntada por alguém que não é parte, não mando juntar. Não discuto sequer se é apócrifo ou não; pode ter assinatura de todos, mas se não é a parte que pede a juntada, não deveríamos permitir essa anexação alienígena aos autos.

O Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira (relator):

Quero enfatizar que não sou favorável a acolher manifestações apócrifas. Não as estou acolhendo. Sequer as li. No caso, entendo ser mais razoável, no sentido de tramitação do feito com celeridade, que mandasse juntar ? como tantas vezes o fiz como juiz -, e, ao final do julgamento, dar o destino que merecer. Enquanto isso, ninguém poderá alegar que não está tendo acesso.

O Ministro César Asfor Rocha (Presidente):

Mas, sr. Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, com todo o respeito, essas cartas não passam de documentos apócrifos, a que se está, de qualquer forma, dando muita importância. V. Exa. Não ouviu a parte contrária.

O Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira (relator)

Não dei vista à parte contrária e, se depender de mim, não darei.

O ministro Ruy Rosado de Aguiar:

De quem é o recurso. Sr. Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira?

O Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira (relator):

O recurso é da parte que se insurgiu contra isso. Ademais, não se pode examinar essa questão no âmbito de recurso especial, porque não há prequestionamento.

Tenho que, muitas vezes, é mais conveniente, para o fim de tramitação do processo. Quando se toma esta medida é mais no sentido de viabilizar a tramitação do feito: é questão de conveniência procedimental.

Outrossim, como consta do Regimento da Casa, a extração de cópias depende do relator autorizar.

O Ministro César Asfor Rocha (presidente)

Com a sabedoria de V. Exª, senhor Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, uma decisão do STJ repudiando documentos anônimos seria exemplo notável, com efeito didático muito grande.

O Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira (relator):

No momento em que terminar o julgamento, estou de acordo. A propósito, digo no meu voto:

“Número 7: por fim, assinalo que a juntada de documentos para ciência dos julgadores fica à criteriosa apreciação do julgador, sem prejuízo da sua exclusão pelo Colegiado.

Se o Colegiado entender que é melhor agora, acatarei sem nenhum constrangimento.

O Ministro César Asfor Rocha (presidente):

Sr. Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, V. Ex.ª. Não leu as cartas, mostrando o sentimento que tem de repudiar cartas anônimas.

Para que dar importância, mininamente que seja, juntando-as por linha.

O ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira (relator):

Há certas matérias que mandamos juntar por linha e não levamos em consideração.

O Ministro Cesar Asfor Rocha (presidente):

Mas está assinado. O que vale é que se trata de carta anônima; uma coisa muito grave.

V. Ex.ª. Conhece muitas pessoas que sofreram injustamente, em outras épocas, por conta de denúncias anônimas.

O Ministro Aldir Passarinho Júnior:

Entendo que a condução do processo é do eminente Ministro-Relator, mas preocupa-me a aceitação da juntada de documento por quem não é parte, independentemente do teor do documento; apócrifo, pior ainda. A questão é que ninguém pode ingressar ou se manifestar nos autos sem ser parte, salvo se convocado pelo magistrado condutor do processo.

Mas só pode peticionar nos autos quem é parte no processo. Se a parte peticiona, o Ministro-Relator, evidentemente dentro da sua prudência, pode examinar e determinar a juntada aos autos por linha, ou indeferir. A dificuldade está em se admitir juntada de documento por quem não é parte no processo, porque a parte não terá jamais como se defender, impugnar, pedir uma autenticação, porque não sabe a origem. Voto, com a máxima vênia, pelo desentranhamento e restituição ao remetente.

O Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira (relator):

Não estou mandando juntar, nem defendo a tese de juntar documento de quem não seja parte. Posso até admitir que, em alguns casos, se possa juntar um documento por quem não seja parte, porque a vida é mais rica que nossas teorias. Na espécie, todavia, não estou defendendo a juntada, não estou mandando juntar, não estou dando valor ao material. E volto a repetir, não comungo com acusações sem autoria, o que repudio. O que estou querendo dizer é que, no caso concreto, entendi ser mais conveniente, para o andamento do processo, deixar o exame disso para o momento adequado.

O Ministro César Asfor Rocha (presidente):

O meu fundamento é outro, ou seja, o de não dar nenhum seguimento a documentos anônimos, nenhum prestígio, por mínimo que seja.

O Ministro Ruy Rosado de Aguiar:

Sr. Presidente, V. Ex.ª., o Sr. Ministro Aldir Passarinho Júnior e eu entendemos que as cartas apócrifas devem sair, enquanto o Sr. Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira e Barros Monteiro entendem que todo o documento deve ficar. Então, nessa parte menor, a maioria está de acordo.

O Ministro César Asfor Rocha (presidente):

Vamos dizer que V. ex.ª mande intimar as partes e ambas digam que não querem esse documento. Ainda assim esse documento permaneceria?

O Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira (relator):

O objetivo era dar curso à causa. Se essa matéria não é objeto do recurso especial, se não há prequestionamento, não foi apreciada, então, que se aguarde o julgamento do recurso, quando de decidirá.

Aditamento ao voto

O Ministro Ruy Rosado de Aguiar:

Sr. Presidente, estou propondo uma solução intermédia no sentido de manter apensados por linha os documentos, por cópia apresentados, que se referem a atos oficiais constantes de outros processos, expungidas desse pensamento as cartas que encaminharam os documentos.

Decisão

A Turma, por maioria, acolheu parcialmente o agravo nos termos do voto-médio do senhor Ministro Ruy Rosado de Aguiar, que lavrará o acórdão.

Decisão por maioria.

Ronaldo Botelho

é advogado e professor da Escola da Magistratura.