RECURSO ESPECIAL N.º 660.284/SP

continua após a publicidade

Rel.: Min. Nancy Andrighi

EMENTA

– De acordo com o princípio da publicidade dos atos processuais, é permitida a vista dos autos do processo em cartório por qualquer pessoa, desde que não tramite em segredo de justiça.

– Hipótese em que o preposto do autor se dirigiu pessoalmente ao cartório para verificar se havia sido deferido o pedido liminar formulado.

– O Juiz indeferiu o pedido de vista dos autos do processo em cartório, restringindo o exame apenas aos advogados e estagiários regularmente inscritos na OAB.

continua após a publicidade

Recurso especial conhecido e provido.

(STJ/DJU de 19/12/05, pág. 400)

continua após a publicidade

Alguns Juízes são demasiadamente rigorosos quanto ao exame de processos em cartório, por quem não seja parte ou seu advogado.

Para os que fazem essas restrições, é interessante a leitura do presente acórdão da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, Relatora a Ministra Nancy Andrighi.

Consta do voto do Relator:

A questão posta a desate cinge-se em saber se pode o juiz indeferir o pedido de vista dos autos do processo em cartório ao preposto do autor, restringindo o exame apenas aos advogados e estagiários regularmente inscritos na OAB.

Trata a presente hipótese de ação de busca e apreensão de bem objeto de contrato de arrendamento mercantil, com pedido liminar.

Distribuída a ação, o autor determinou que seus prepostos fossem até o cartório onde tramita o processo para verificar se houve deferimento do pedido liminar pelo Juiz.

O i. Juiz não permitiu que os prepostos da ora recorrente consultassem os autos por entender que apenas podem ter acesso ao processo os advogados e estagiários inscritos na OAB, fundamentando sua decisão no disposto no art. 36 do CPC e nos arts. 1.º, caput e inciso I, e 3.º, § 2.º, do Estatuto da Advocacia.

Interposto agravo de instrumento, o 2.º TAC/SP decidiu por manter a decisão, com fundamento no disposto no parágrafo único do artigo 155 do CPC.

– Da possibilidade de vista dos autos do processo em cartório

Um dos princípios fundamentais do processo é o princípio da publicidade dos atos processuais, insculpido no caput do artigo 155 do CPC.

A Lei restringiu essa publicidade, nos incisos I e II do citado artigo, apenas em situações de interesse público ou em que haja necessidade de preservação da intimidade, determinando que os processos nessas situações corram em segredo de justiça.

Assim, apenas para esses processos, em que o interesse social ou a defesa da intimidade exigem, há a restrição de consulta aos autos prevista no parágrafo único do citado artigo.

Conforme salienta Humberto Theodoro Júnior (Curso de Direito Processual Civil, Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 201): ?Nesses procedimentos sigilosos, como dispõem o parágrafo único do art. 155, o ?direito de consultar os autos e de pedir certidões de seus atos é restrito às partes e a seus procuradores?. Ainda, conforme o mesmo preceito, os terceiros só poderão requerer certidão a respeito do dispositivo da sentença (nunca de sua fundamentação ou dos outros dados do processo) e do inventário e da partilha resultante da separação dos cônjuges.?

Entender de maneira diversa importaria em ofensa ao princípio constitucional da publicidade dos atos processuais (art. 5.º, LX, da CF).

Forte em tais razões, CONHEÇO do recurso especial e dou-lhe provimento.

Decisão por unanimidade, votando com o Relator os Ministros Ari Pargendler e Carlos Alberto Menezes Direito.

Penal. Crime contra a Ordem Tributária. Art. 168-A do C. Penal. Exigência de dolo específico.

?APELAÇÃO CRIMINAL N.º 3685-CE

Rel.: Des. Ridalvo Costa

EMENTA

– É imprescindível à caracterização, tanto do crime de apropriação indébita como das modalidades equiparadas, no caso, a apropriação de contribuições sociais, que o agente tenha agido dolosamente.

– É necessária a prova inequívoca da ocorrência do dolo específico, consistente no especial fim de agir o réu com intenção de não restituir aos cofres públicos a contribuição previdenciária descontada da folha de salários.

– Improvado o dolo específico, não se tipifica o crime capitulado no art. 168-A do Código Penal.?

(TRF – 5.ª Região, julgado em 04/08/05)

O crime de apropriação de contribuições previdenciárias (art. 168-A do Código Penal) exige dolo específico para a sua configuração. É necessário, pois, o especial fim de agir, ou seja a intenção de não restituir.

Decisão do Tribunal Regional Federal da 5.ª Região, Relator o Desembargador Federal Ridalvo Costa, com o seguinte voto condutor:

Desembargador Federal Ridalvo Costa: Os réus foram absolvidos do delito tipificado no art. 168-A, consistente na conduta de não efetuar o recolhimento, aos cofres do INSS, dos valores descontados dos empregados a título de contribuição previdenciária, sob os fundamentos de inexistência de dolo específico necessário à configuração do delito.

Dispõe o art. 168-A do Código Penal: ?Art. 168-A. Deixar de repassar à previdência social as contribuições recolhidas dos contribuintes, no prazo e forma legal ou convencional Pena reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa.

Em casos como o presente, de não recolhimento de contribuição previdenciária descontada do salário dos empregados, esta Corte tem reconhecido a necessidade da ocorrência de dolo específico, sem o qual, não estaria tipificado o delito.

Inexistindo a prova inequívoca da ocorrência do dolo específico, consistente no especial fim de agir o réu com intenção de não restituir aos cofres públicos a contribuição previdenciária descontada da folha de salários, torna-se atípica a ação inquinada de ilegalidade, e, por conseqüência, ausente a antijuridicidade.

Nesse sentido já decidiu este eg. Tribunal, em processos dos quais fui Relator, assim ementados:

?PENAL E PROCESSUAL PENAL. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. APROPRIAÇÃO DE CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS. LEI N.º 8.212/91, ART. 91. DENÚNCIA NÃO RECEBIDA.

É imprescindível à caracterização, tanto do crime de apropriação indébita como das modalidades equiparadas, no caso, a apropriação de contribuições sociais, que o agente tenha agido dolosamente. E mais, que o dolo seja específico, ou seja, o agente tem a intenção de não restituir.

No caso, o parcelamento do débito antes mesmo do oferecimento da denúncia, ainda que não seja causa de extinção da punibilidade, deixou evidente que o agente não tinha a intenção de não restituir.

O simples atraso no recolhimento das contribuições descontadas, sem que haja intenção manifesta de não as restituir, não configura o delito.

Na ausência de dolo, atipifica-se a conduta descrita na denúncia, razão pela qual a decisão de primeiro grau não merece ser reformada.

Inteligência do art. 43, I, do CPP. Recurso improvido?. (RCCR 77 – CE, j. em 19.05.94)

?PENAL. CRIME CONTRA A ORDEM ECONÔMICA E TRIBUTÁRIA. NÃO RECOLHIMENTO DE IPI. AUSÊNCIA DE DOLO ESPECÍFICO. ABSOLVIÇÃO.

Escrituração do débito tributário não recolhido, no passivo da empresa.

É imprescindível à caracterização do crime previsto no art. 2.º, inciso II, da Lei 8.137/90, que o agente tenha agido dolosamente. E mais, que o dolo seja específico, ou seja, o agente tem a intenção de não restituir.? (ACR 1295 -SE, j. em 03.08.95)

Dessume-se dos autos inexistir a intenção de não restituir aos cofres públicos o que foi recolhido. As dificuldades por que passam as empresas são do conhecimento público, embora não as isentem do cumprimento da lei, que deve acontecer naturalmente ou com o devido recolhimento, precedido de processo administrativo instaurado com a Notificação Fiscal de Lançamento de Débito ou, ainda, com a inscrição do débito na Dívida Ativa.

O dolo específico não restou provado ao longo da instrução probatória. Em seu interrogatório, o apelado atribuiu às dificuldades financeiras o não recolhimento, causada pela ausência de recursos suficientes para o pagamento de todas as despesas da sociedade.

Em nenhum momento o apelado teve a intenção de não recolher aos cofres públicos a contribuição previdenciária, que, inclusive, foi registrada na contabilidade da empresa, havendo apenas a opção de solver este ou aquele pagamento fls. 36/43.

Em conclusão, levando em consideração as dificuldades financeiras da empresa e o registro da contabilidade das contribuições descontadas dos empregados, em nenhum momento o apelado teve a intenção de não recolher aos cofres públicos a contribuição previdenciária, razão pela qual entendo que a r. sentença não merece reforma.

Com essas considerações, nego provimento à apelação do Ministério Público Federal.

É como voto.

Des. Federal Ridalvo Costa, Relator

Decisão por maioria.

Ronaldo Botelho é advogado e professor da Escola da Magistratura.