Processual Civil. Prazo. Vencimento na Quarta-Feira de Cinzas, em que o prazo inicia às 13h30. Descabimento da prorrogação.

“RECURSO ESPECIAL N.º 259.088-PR

REL.: MIN. CARLOS ALBERTO MENEZESDIREITO

EMENTA

1. O fato de começar fora do horário normal, tratando-se da Quarta-Feira de Cinzas, não provoca a aplicação do art. 184, § 1.º, II, do Código de Processo Civil, que alcança, apenas, aqueles casos em que o expediente termina antes da hora prevista em lei.

2. Recurso especial não conhecido.”

(STJ/DJU de 27/5/02, pág. 168)

Decidiu a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, relator o ministro Carlos Alberto Menezes Direito, com base em precedentes da Corte, que a regra do art. 184, § 1.º, II, do CP Civil, somente tem aplicação quando o expediente é encerrado antes da hora normal, mas não quando o início do expediente tem lugar após o horário normal, como sucede na Quarta-Feira de Cinzas em que o expediente forense tem início às 13h30.

Consta do voto do relator:

O exmo. sr. ministro Carlos Alberto Menezes Direito:

O recorrente, nos autos de ação de investigação de paternidade cumulada com alimentos, agravou de instrumento contra despacho que considerou serôdia a constestação. Para o despacho agravado o “réu foi citado no curso das férias forenses e o respectivo mandado juntado aos autos em data de 6 de janeiro do ano em curso (fls. 54, verso e 56). Logo, o prazo recursal (que é peremptório) se iniciou no primeiro dia útil, qual seja, em primeiro de fevereiro, encerrando-se, dia dezessete, uma quarta-feira, com o expediente forense reiniciado em face dos festejos de carnaval”. O Tribunal de Justiça do Paraná desproveu o agravo com as razões que se seguem:

“Foi o agravante regularmente citado no feito principal durante o decurso das férias forenses (5/1/99), sendo que o mandado judicial foi juntado aos autos do dia imediatamente seguinte (6/1/99).

Assim, por tratar-se de férias forenses, o prazo para contestar iniciou-se tão-somente no primeiro dia útil subseqüente, ou seja, em 1/2/99, encerrando-se em 15/2/99 – segunda-feira de carnaval. Entretanto, por tratar-se tal data de feriado consagrado ao carnaval, temos que, encerrado o prazo peremptório num feriado, o prorrogou-se este automaticamente ao primeiro dia útil subseqüente, ou seja, 17/2/99 (Quarta-Feira de Cinzas), quando o expediente forense inicia-se às 13h, encerrando-se no horário normal.

Pois bem, sustenta o agravante que, por se tratar de expediente anômalo, vez que iniciado somente no período vespertino, não poderia ele ser tido como dia útil, e portanto, deveria ser desconsiderado no cômputo do prazo.

Nada mais equivocado, até mesmo por força de expressa disposição de lei.

Vejamos. Dispõe o art. 184, § 1.º, inciso II, do Código de Processo Civil, verbis:

“Salvo disposição em contrário, computar-se-ão os prazos, excluindo o dia do começo e incluindo o do vencimento.

§ 1.º – Considera-se prorrogado o prazo até o primeiro dia útil se o vencimento cair em feriado ou em dia que:

II – o expediente forense for encerrado antes da hora normal”(g.n.)

Veja-se. A própria lei estabeleceu – taxativamente – as hipóteses em que o prazo estaria automaticamente prorrogado. E dentre estas não figura a hipótese pretendida pelo agravante.

A tese do recorrente não tem guarida na jurisprudência da Corte. Esta Terceira Turma decidiu que quando o expediente forense termina antes do horário normal de funcionamento, previsto em Lei, prorroga-se o prazo, nos termos do art. 184, § 1.º, do Código de Processo Civil (Resp n.º 43.463-RJ), relator o senhor ministro Eduardo Ribeiro, DJ de 16/5/94). Já no antigo Tribunal Federal de Recursos, com a relatoria do senhor ministro Costa Leite, estava assentado que o “retardamento do início do expediente forense, diferentemente do que ocorre quando o mesmo é encerrado antes da hora normal, daí a razão de ser da regra do art. 184, II, do CPC, não compromete a faculdade da parte de usar integralmente o prazo” (Ag n.º 54.193-SP, DJ de 3/10/88). Assim decidi no Ag n.º 249.417-GO, DJ de 3/9/99).

Veja-se, sobre o ponto, a lição de Pontes de Miranda:

“O encerramento, mais cedo, do expediente não faz feriado esse dia (3.ª Câmara Civil do Tribunal de Apelação de São Paulo, 16 de julho de 1941, R. dos T., 133,522). Daí ter sido acertada a regra jurídica do art. 184, com a prorrogação legal se o último dia cair em feriado ou em dia em que for determinado o fechamento do foro ou o expediente for encerrado antes da hora normal.” (Comentários ao Código de Processo Civil, Forense, Rio, T. III, 3.ª ed. 1996, atualizada por Sérgio Bermudes, pág. 144).

Destarte, eu não conheço do especial, presente a Súmula n.º 83 da Corte.

Decisão unânime, votando com o relator os ministros Nancy Andrighi, Castro Filho, Antônio de Pádua Ribeiro e Ari Pargendler.

Processual penal. Mandado de Segurança do Ministério Públicopara conferir efeito suspensivo a recurso.Inadmissibilidade.

“RECURSO ORDINÁRIO EM MS N.º 12.795-MG

REL.: MIN. VICENTE LEAL

EMENTA

– O recurso em sentido estrito, recurso previsto no art. 581 do Código de Processo Penal, não tem efeito suspensivo, salvo nas hipóteses previstas no art. 584 do mesmo diploma, entre as quais não se encontra a decisão concessiva de liberdade provisória.

– O Ministério Público, segundo a melhor orientação jurisprudencial, não tem legitimidade para impetrar mandado de segurança para conferir efeito suspensivo ao mencionado recurso, desprovido dessa qualidade.

Recurso não conhecido.”

(STJ/DJU de 1/7/02, pág. 398)

Como se vê por essa decisão da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, relator o ministro Vicente Leal, consolida-se na corte o entendimento segundo o qual não pode se admitido o uso do mandado de segurança (concebido para garantir e proteger direito líquido e certo do cidadão) pelo Ministério Público para obter efeito suspensivo a recurso desprovido dessa qualidade. Consoante o acórdão, a melhor orientação jurisprudencial tem proclamado que o Ministério Público, no processo penal, tem sua atuação circunscrita ao devido processo penal, pelo que não tem legitimidade para impetrar mandado de segurança para o fim referido.

Tudo bem que o Ministério Público não possa utilizar do mandado de segurança para obter efeito suspensivo a recurso criminal que dele não dispõe, tendo em vista a natureza do “writ”.

Contudo, parece que ao Ministério Público deveria ser conferido um instrumento para conter abusos ou equívocos cometidos pelos juízes na aplicação da lei processual penal. Por exemplo, se o juiz concede liberdade ou revoga prisão de um acusado, por desconhecer que se trata de elemento de extrema periculosidade. Se o Ministério Público tem conhecimento dessa realidade, o que poderá fazer? Simplesmente recorrer? Mas, então, o estrago já terá sido feito, sem reparação.

Não se perca de vista que o Código de Processo Penal foi concebido nos anos românticos do final da década de 30 e início da década de 40, numa época em que não existiam crimes de tráfico de entorpecentes; que eram raríssimos os latrocínios e os seqüestros com morte; que não havia as grandes organizações criminosas nacionais e transnacionais; que a corrupção policial não existia, ou, pelo menos, ficava muito distante da que vemos hoje e etc. Assim, os efeitos devolutivo e suspensivo aos recursos vêm de uma época muito diferente da atual razão pela qual, enquanto não se reforma a lei, deveria ser reconhecido ao Ministério Público a legitimidade para propor medidas de cautela para evitar excessos que pudessem colocar em risco a segurança da sociedade.

Consta do voto do relator:

Exmo. sr. ministro Vicente Leal (relator): Deve ser analisada, por fundamental, a questão relativa à legitimidade ativa do órgão ministerial para fins de impetração de mandado de segurança com a finalidade de conceder efeito suspensivo a recurso que originalmente não o possui.

Como anotado no relatório, o Ministério Público impetrou mandado de segurança para conferir efeito suspensivo a recurso em sentido estrito, de modo a afastar a eficácia de decisão concessiva de liberdade provisória.

Ora, é sabido que o recurso em sentido estrito, instrumento processual inserto no art. 581 do Código de Processo Penal, não tem efeito suspensivo, salvo nas hipóteses previstas no art. 584 do mesmo diploma, entre os quais não se encontra a decisão concessiva de liberdade provisória.

No caso, é de se destacar, por fundamental, que o Ministério Público não tem legitimidade para impetrar mandado de segurança com tal objetivo.

A melhor orientação jurisprudencial tem proclamado que o Ministério Público, no processo penal, tem sua atuação circunscrita ao devido processo legal, o que não lhe confere legitimidade para impetrar mandado de segurança para conferir efeito suspensivo a recurso desprovido dessa qualidade.

Neste sentido tem decidido esta colenda turma em diversos julgamentos, merecendo destaque o proclamado no HC n.º 6.466/SP, ensejo em que o relator do feito, preclaro ministro Luiz Vicente Cericchiaro assim fez consignar no voto condutor do julgamento, verbis:

“As partes da relação processual vinculam-se ao princípio da igualdade. No campo processual penal, submetidos ao tratamento conferido ao Ministério Público e ao acusado. O Direito, entretanto, não se esgota ao impor a igualdade. Consagrou-se também o princípio da proporcionalidade; em breve, pode ser enunciado como tratamento igual para os casos iguais e desigual para os desiguais.

Sem e projetando esse princípio para o processo penal, cumpre esta observação: o procedimento é escolhido para ensejar à acusação e à defesa desenvolver as respectivas teses. Aí, tem-se a igualdade. E ideologicamente, decorre do princípio da presunção de inocência, impedindo qualquer constrangimento ao exercício do direito de liberdade do réu.

Se ocorrer, no curso do processo, qualquer decisão ofensiva a esse direito, o acusado poderá valer-se também das ações constitucionalizadas a fim de preservá-lo imediatamente (não faz sentido o processo visar a garantir o direito de liberdade e transformar-se em causa de agressão).

Diferente, porém, quanto ao Ministério Público, restrito ao devido processo legal (Princípio da Legalidade), ou seja, só pode provocar restrição a direito do acusado, nos modos e limites colocados na lei.

As situações do agente do Ministério Público e do acusado, quanto ao procedimento, evidenciam o princípio da igualdade. Em se considerando, contudo, a desigualdade, ou seja, somente o acusado corre o risco de restrição ao direito de liberdade, incide o princípio da proporcionalidade, voltado para tratamento desigual frente a situações desiguais. Nessa linha, o Ministério Público fica restrito às regras do procedimento. Não poderá valer-se do mandado de segurança para, exemplificativamente, obter efeito suspensivo a recurso que não o tenha. É carecedor do direito de ação”.

Concordo com o citado pensamento, que entendo refletir a melhor visão exegética em torno do assunto.

Ainda sobre a matéria, cite-se os seguintes precedentes:

“Mandado de segurança. Revogação de prisão preventiva. Recurso em sentido estrito. Efeito suspensivo. – Não cabe conferir efeito suspensivo a recurso em sentido estrito para restabelecer prisão preventiva por meio de mandado de Segurança.” (RMS 5.076/SP, relator ministro William Patterson, DJ de 3/2/1997).

Habeas corpus – Mandado de segurança visando dar efeito a recurso em sentido estrito interposto pelo Ministério Público. Prisão em flagrante relaxada pelo magistrado recorrido. Entendimento da turma que não admite a utilização do “writ” para tal finalidade.

1.Embora existam decisões divergentes, inclusive na Suprema Corte, esta 6.ª Turma, entende, consoante ponto de vista ao qual me curvo, que carece o Ministério Público do “writ” que tenha como objetivo emprestar efeito suspensivo a recurso em sentido estrito, voltado, no caso, contra decisão monocrática que relaxa prisão em flagrante.

2. “Habeas corpus” concedido. (HC 7.491/SP, relator ministro Anselmo Santiago, DJ de 14/12/1998).

“Processual penal. Habeas corpus. Prisão preventiva. Excesso de prazo. Relaxamento pelo juízo “a quo”. Restabelecimento da prisão por decisão liminar em mandado de segurança. Descabimento. Fundamentação. Inexistência.

– Decisão que restabelece prisão preventiva deve ser suficientemente fundamentada, com indicação dos motivos concretos indicadores da necessidade da cautela, sob pena de infringência ao art. 315, do CPP, e ao art. 93, IX, da Carta Magna.

– A jurisprudência desta corte tem proclamado o entendimento de ser incabível mandado de segurança para conferir efeito suspensivo a recurso em sentido estrito interposto contra decisão concessiva de liberdade provisória.

– “Habeas corpus” concedido. (HC 6.124/RJ, relator ministro Vicente Leal, DJ de 21/9/1998).

Isto posto, não conheço do recurso ordinário.

É o voto.

Decisão unânime, votando com o relator os ministros Fernando Gonçalves, Hamilton Carvalhido, Paulo Gallotti e Fontes de Alencar.

Ronaldo Botelho

é advogado e professor da Escola da Magistratura.