Processual Civil. Natureza e alcance dos Embargos Infringentes. Recurso Especial. Necessidade de que o tema recursal tenha sido suscitado, discutido e decidido pelo Tribunal de origem.

“RECURSO ESPECIAL N.º 395.311-RN

REL.: MIN. NANCY ANDRIGHI

EMENTA: O recurso de embargos infringentes pode veicular outro fundamento além ou diferente daquele constante da declaração do noto vencido. Contudo, é necessário que as razões recursais de embargos infringentes não sejam divorciadas da tese vencida, pois devem guardar um mínimo de compatibilidade lógica entre a proposição minoritária e o objeto recursal.

– Não há compatibilidade entre razões recursais de embargos infringentes que têm como único ponto de discórdia a ausência de fundamentação da sentença e o voto vencido que suscita, de ofício, vício de sentença, que contém fundamentação, mas que abraçou causa de pedir diversa da narrada na petição inicial e por isso seria extrapetita.

– É fundamental, para atendimento de pressuposto recursal específico do recurso especial, que haja decisão em última instância, ou seja, o tema recursal deve ter sido suscitado, discutido e efetivamente decidido pelo Tribunal de origem.”

(STJ/DJU DE 24/06/02, PÁG. 300)

Dois assuntos são tratados na presente decisão posta em destaque, da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, relatora a ministra Nancy Andrighi: o primeiro, diz respeito com a abrangência dos embargos infringentes, que podem veicular outro fundamento diferente daquele constante da declaração de voto vencido, desde que não divorciado da tese vencida; o segundo, pertinente ao pressuposto recursal do recurso especial, qual seja a imprescindibilidade de que o tema recursal tenha sido decidido em última instância.

Consta do voto da relatora:

Relatora: ministra Nancy Adrighi

Inicialmente, aprecio o segundo recurso especial interposto contra o acórdão de embargos infringentes que não conheceu o recurso por falta de adequada fundamentação.

Os arts. 154, 244, 460, 1.ª parte, e 530 do CPC não foram ventilados no v. acórdão recorrido, sequer interpostos embargos de declaração. O voto condutor, acompanhado pelos demais juízes, sem explicitação, está resumido nos termos postos no relatório do presente recurso especial.

O dissídio jurisprudencial também não restou demonstrado. Embora se aceite a ampliação dos limites dos embargos infringentes, para que o embargante acresça outros fundamentos que melhor aparem a sua tese, podendo, em tese, `utilizar-se do outro fundamento além ou diferente daquele constante da declaração do voto vencido’, é necessário que as razões recursais guardem respeito com o que foi exposto no voto minoritário.

Em outras palavras, as razões recursais de embargos infringentes não podem ser divorciadas da tese vencida, pois devem guardar um mínimo de compatibilidade lógica entre a proposição minoritária e o objeto recursal.

O que pode valer quando há denegação de um dos pedidos da petição inicial, e que autorizaria o recorrente a resolver toda sorte de argumentos úteis à sua tese, não se aplica no pedido de prevalência de voto preliminar de reconhecimento de nulidade da sentença, pois não é dado à parte inovar na causa de pedir recursal e fugir totalmente dos limites dos embargos infringentes.

No caso em tela, o voto vencido sustentava que a sentença era “extra petita”, porque examinou causa de pedir diversa daquela exposta na petição inicial, enquanto os embargos infringentes só veicularam o tema da “ausência da fundamentação” da sentença.

Sem esforço, percebe-se que os temas são antagônicos: sentença “extra petita” contém relatório, fundamentação e parte dispositiva, mas peca por ter decidido fora dos limites impostos pelas normas processuais, enquanto a sentença “sem fundamentação” não contém o desenvolvimento do raciocínio lógico-jurídico que levou o magistrado a conferir a tutela jurisdicional posta na parte dispositiva. A sentença “extra petita” possui fundamentação, mas fundamentação que não corresponde ao exato do pedido da petição inicial.

Com estas razões, NÃO CONHEÇO o recurso especial contra o acórdão de embargos infringentes.

Passo a examinar o recurso especial, também da CAIXA ECONÔMICA FEDERAL, contra o acórdão de apelação.

Rejeitados os embargos declaratórios, a recorrente alega contrariedade aos arts. 94, 147, II, e 158 do CC, 3.º, 267, § 3.º, 128, 333, I, 436 e 535 do CPC, 16, 17 e 21 da Lei n.º 6.015/73, porque

a) não há que se falar em omissão dolosa por parte da CEF no realinhamento dos preços dos imóveis em 47% pois não houve pré-contrato e nem se sabia quem seriam os mutuários-adquirentes restando ofendido o art. 94, do Código Civil;

b) restaram violados os arts. 3.º e 267, § 3.º, do CPC, ao argumento de que não poderia a construtora ter sido excluída da lide, pois essa formou e elaborou os custos de produção de empreendimento, motivo pelo qual também deveria ter sido responsabilizada.

A recorrente alega a existência de omissão no v. acórdão recorrido, em violação aos arts. 128 e 535 do CPC. A despeito desse fato, limita-se a anunciar a ofensa a esses artigos, furtando-se, contudo, de indicar em que pontos o v. aresto vergastado teria sido omisso.

Havendo deficiência na fundamentação do recurso especial que impeça a exata compreensão da controvérsia, esse resta obstado pelo entendimento consubstanciado no enunciado da súmula 284 do STF.

Os demais dispositivos legais tidos como violados não foram apreciados pelo eg. Tribunal a quo de modo a evidenciar o prequestionamento, requisito de admissibilidade do recurso especial.

É certo, que não é imprescindível a menção dos artigos de legislação federal no acórdão recorrido, mas tem-se como fundamental, para atendimento de pressuposto recursal específico do Resp, que haja decisão em última instância, ou seja, o tema recursal deve ter sido suscitado, discutido e EFETIVAMENTE, decidido pelo Tribunal de Justiça.

Nesta esteira o seguinte precedente:

PROCESSUAL CIVIL – FORO DE ELEIÇÃO – CONTRATO DE REPRESENTAÇÃO COMERCIAL – RECURSAO ESPECIAL – AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO.

I – Para estar presente o requisito do prequestionamento não basta que a matéria tenha sido suscitada pela parte: mister vê-la decidida pelo Tribunal “a quo”. Se este omitir-se quanto a ponto relevante, essencial ao deslinde da controvérsia, cabe o Especial por ofensa aos artigos 458 e 535 do Código de Processo Civil.

II – Recurso especial aviado por violação ao art. 6.º, parágrafos 1.º e 2.º da Lei de Introdução ao Código Civil, matéria, contudo, não ventilada na decisão recorrida.

III – Recurso não conhecido. (Resp 116025/BA Rel. Min. Waldemar Zveiter, DJ 29/03/1999).

Incide, na espécie, o enunciado da súmula 211 do STJ, verbis: “Inadmissível recurso especial quanto à questão que, a despeito da oposição de embargos declaratório, não foi apreciada pelo tribunal a quo”.

Em que se pese a alegação de violação aos arts. 16, 17 e 21 da Lei n.º 6.015/73, além de não terem sido prequestionados, tem-se que o Tribunal a quo entendeu não serem esses pertinentes ao julgamento da lide.

Não se cogitou da ofensa ao princípio da publicidade inerente aos registros públicos, pois em ambos graus de jurisdição reconheceu-se que houve lesão parcial do contrato – determinado a retirada da cláusula que apresentava vício, não simplesmente por ser o aumento de 45% do preço dos imóveis desconhecido dos mutuários, mas sim por ter sido esse abusivo.

Nesses termos, reconheceu-se que a teoria da lesão do contrato, que leva o vício da vontade, não obstante essa tenha sido manifestada sem coação, tem aplicação quando uma das partes é levada à realização de avença que lhe seja excessivamente desfavorável, máxime quando se cuida, como no caso em apreciação, de contrato de adesão, em que o preço do financiamento é determinado unilateralmente por uma das partes, que é quem providencia o levantamento dos custos referentes à edificação da obra.

Ademais, a apreciação das questões trazidas a exame implicaria em reexame das cláusulas contratuais de financiamento do imóvel, bem como de todo o quadro probatório dos autos – porquanto decidiu o eg. Tribunal a quo ser nula a cláusula que obrigou os mutuários a assumir obrigações pretéritas e impôs a revisão da cláusula que fixou valor excessivamente alto para o imóvel – sendo ambas as situações defesas em sede de recurso especial, por óbice das súmulas 5 e 7 desta Corte.

Forte nestas razões, NÃO CONHEÇO de ambos os recursos especiais.

É o voto.

Decisão unânime, votando como relator os ministros Ari Pargendler e Carlos Alberto Menezes Direito.

Ronaldo Botelho

é advogado e professor da Escola da Magistratura.