Processual Civil. Internação hospitalar de advogado da parte. Perda do prazo recursal. Justa causa ante a situação excepcional.

RECURSO ESPECIAL N.º 627.867/MG

REL.: MIN. JOSÉ DELGADO

EMENTA

1. Recurso especial interposto contra v. acórdão segundo o qual "os prazos peremptórios, tais como aqueles inerentes à interposição de recurso, não permitem a dilação, salvo nos casos expressamente previstos em lei ou provada a justa causa. Não se considera justa causa a doença do advogado que não o impeça de substabelecer o mandato".

2. Há de se interpretar o art. 183, § 1.º, do CPC, com compreensão voltada para o laço de confiança firmado entre cliente e advogado. Em conseqüência, se este adoece e fica impossibilitado, por ter sido internado em hospital, de preparar, no prazo, peça recursal, há de o juiz relevar a intempestividade, considerando a excepcionalidade da situação.

3. "A doença do advogado pode constituir justa causa, para os efeitos do art. 183, par. 1.º, do CPC. Para tanto, a moléstia deve ser imprevisível e capaz de impedir a prática de determinado ato processual. Advogado não é instrumento fungível. Pelo contrário, é um técnico, um artesão, normalmente insubstituível na confiança do cliente e no escopo de conseguir-se um trabalho eficaz, exigir que o advogado, vítima de mal súbito e transitório, substabeleça a qualquer um o seu mandato, para que se elabore às pressas e precariamente um ato processual, é forçá-lo a trair a confiança de seu constituinte. (Jugado em 21.10.92 Ä acórdão unânime – Rel. Gomes de Barros, votaram com o relator, os ministros Milton Pereira, César Rocha e Demócrito Reinaldo.)" (REsp n.º 109116/RS, 1." Turma, DJ de 23/06/1997, Rel. Min. HUMBERTO GOMES DE BARROS).

4. Precedentes desta Casa Julgadora.

5. Recuso especial provido.

(STJ/DJU de 14/6/04)

Acometido de mal súbito, o advogado da parte ficou impossibilitado de elaborar o recurso em favor de seu cliente. Requereu, então, e obteve, no Juízo de 1.º Grau, a dilação do prazo, no transcurso do qual interpôs o recurso. Todavia, o Tribunal de Justiça não conheceu do recurso por considerá-lo intempestivo.

Requerido recurso especial, veio a ser provido pelo Superior Tribunal de Justiça, através de sua Primeira Turma, relator o ministro José Delgado, com o seguinte voto condutor:

O Sr. ministro José Delgado (relator): A matéria jurídica enfrentada está devidamente prequestionada, assim como comprovado o dissenso jurisprudencial. Conheço do recurso.

Ao apreciar caso idêntico ao ora analisado (ROMS n.º 8600/SC, DJ de 23/03/1998, desta relatoria), assim me manifestei, litteratim:

"O advogado do recorrente afirma, com a fé de seu grau, que submeteu-se a tratamento de saúde, se internando em hospital, na cidade do Rio de Janeiro, no período em que correu o prazo recursal, o que motivou a apresentação do inconformismo em data de 20.02.97.

Requer, em face desse acontecimento imprevisível, que se conheça do recurso.

A recorrida, embora não concordando com a pretensão supra, reconheceu relevante o motivo alegado.

Tenho o recurso como tempestivo, em face da situação excepcional que se apresenta para exame e decisão.

O advogado do recorrente justificou, face a problemas de saúde que exigiram seu internamento hospitalar, a impossibilidade de ingressar com o recurso no tempo exigido pela lei.

Não se pode deixar de se considerar, primeiramente, que a relação de advogado e cliente é de absoluta confiança, pelo que não pode ser delegada sem autorização expressa do interessado. Outrossim, o motivo de doença tem caráter de imprevisibilidade, o que deve ser analisado sem restrições.

A Revista deste Tribunal, vol. 42, pág. 145, registra, na linha do exposto, o Resp n.º 1.209, relatado pelo eminente ministro Humberto Gomes de Barros. Eis o nele contido:

"A doença do advogado pode constituir justa causa, para os efeitos do art. 183, § 1.º, do CPC. Para tanto, a moléstia deve ser imprevisível e capaz de impedir a prática de determinado ato processual. Advogado não é instrumento fungível. Pelo contrário é um técnico, um artesão, normalmente insubstituível na confiança do cliente e no escopo de conseguir-se um trabalho eficaz. Exigir que o advogado, vítima de mal súbito e transitório, substabeleça a qualquer um o seu mandato, para que se elabore às pressas e precariamente um ato processual, é forçá-lo a trair a confiança de seu constituinte." (RSTJ 42/145).

Por tais considerações, tenho o recurso como tempestivo. "

O caso acima registrado, guardadas as suas peculiaridades, amolda-se, como uma luva, à presente demanda.

A jurisprudência da Primeira Turma deste Sodalício, a respeito do tema debatido, vem enveredando na linha suso registrada, conforme atestam as seguintes ementas:

"PROCESSO CIVIL – CPC – ART. 183, PAR. 1.º – PRAZO – JUSTA CAUSA – DOENÇA DE ADVOGADO – PLURALIDADE DE ADVOGADOS – INTIMAÇÃO PELA IMPRENSA – INTIMAÇÃO DE UM SÓ PROCURADOR – DOENÇA DO ÚNICO ADVOGADO INTIMADO – DEVOLUÇÃO DO PRAZO – JUSTA CAUSA – CPC ART. 183, PAR. 1.º.

I – A doença do advogado pode constituir justa causa, para os efeitos do art. 183, par. 1.º, do CPC. Para tanto, a moléstia deve ser imprevisível e capaz de impedir a prática de determinado ato processual. Advogado não é instrumento fungível. Pelo contrário, é um técnico, um artesão, normalmente insubstituível na confiança do cliente e no escopo de conseguir-se um trabalho eficaz, exigir que o advogado, vítima de mal súbito e transitório, substabeleça a qualquer um o seu mandato, para que se elabore às pressas e precariamente um ato processual, é forçá-lo a trair a confiança de seu constituinte. (julgado em 21.10.92 Ä acórdão unânime – Rel. Gomes de Barros, votaram com o relator, os ministros Milton Pereira, César Rocha e Demócrito Reinaldo.)

II – Se, dentre os vários advogados da parte, um só foi intimado pela imprensa e veio a enfrentar justa causa, que o impediu de atender a intimação, não há como negar-lhe devolução de prazo (cpc art. 183)."

(REsp n.º 109116/RS, 1." Turma, DJ de 23/06/1997, Rel. Min. HUMBERTO GOMES DE BARROS)

"PROCESSO CIVIL – CPC – ART. 183, PAR. 1.º – PRAZO – JUSTA CAUSA – DOENÇA DE ADVOGADO – MEDIDA CAUTELAR – INDEFERIMENTO – MANDADO DE SEGURANÇA.

1. A doença do advogado pode constituir justa causa, para os efeitos do art. 183, par. 1.º do CPC. Para tanto, a moléstia deve ser imprevisível e capaz de impedir a prática de determinado ato processual. Advogado não é instrumento fungível. Pelo contrário, é um técnico, um artesão, normalmente insubstituível na confiança do cliente e no escopo de conseguir-se um trabalho eficaz. Exigir que o advogado, vítima de mal súbito e transitório substabeleça a qualquer um o seu mandato, para que se elabore às pressas e precariamente um ato processual, é forçá-lo a trair a confiança de seu constituinte.

2. Na concessão de liminar em processo cautelar, o juiz deve ponderar o ‘periculum in mora’, sem perder de vista o interesse da outra parte. Assim, nestes processos, não há direito líquido e certo à liminar."

(ROMS n.º 1209/SP, 1." Turma, DJ de 30/11/1992, Rel. Min. HUMBERTO GOMES DE BARROS)

Esse é o posicionamento que continuo a seguir, por entender ser o mais coerente com a legislação vigente e com o dever social que o magistrado tem para com a sociedade.

Por tais razões, DOU provimento ao recurso.

É como voto.

Decisão unânime, votando com o relator os ministros Francisco Falcão, Luiz Fux, Teori Albino Zavascki e Denise Arruda.

Ronaldo Botelho é advogado e professor da Escola da Magistratura.