Processual Civil.Execução para cobrança das contribuições da OAB

EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RESP N.º 463.258/SC

Rel.: Min. Eliana Calmon

EMENTA

1. A OAB é classificada como autarquia sui generis e, como tal, diferencia-se das demais entidades que fiscalizam as profissões.

2. A Lei 6.830/80 é o veículo de execução da dívida tributária e da não-tributária da Fazenda Pública, estando ambas atreladas às regras da Lei 4.320, de 17/3/64, que disciplina a elaboração e o controle dos orçamentos de todos entes públicos do país.

3. As contribuições cobradas pela OAB, como não têm natureza tributária, não seguem o rito estabelecido pela Lei 6.830/80.

4. Embargos de divergência providos.

(STJ/DJU de 29/3/04)

Constituindo a OAB autarquia sui generis e, portanto, diferenciada das demais entidades que fiscalizam as profissões, efetua a cobrança das contribuições compulsórias em Juízo via processo satisfativo da execução por quantia certa, valendo como título executivo, nos termos do que dispõe o Estatuto da OAB, Lei n.º 8.036/94, a certidão do Conselho acerca do crédito da entidade.

Assim, as contribuções cobradas pela OAB, como não tem natureza tributária, não seguem o rito estabelecido pela Lei 6.830/80.

Decisão da Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça, Relatora a ministra Eliana Calmon, com o seguinte voto:

A Exma. Sra. Ministra Eliana Calmon (Relatora): – Configurado o dissídio, passo ao exame do especial, cujo ponto mais importante está na identificação da natureza jurídica da Ordem dos Advogados do Brasil, para se definir se têm natureza tributária ou não as anuidades cobradas e se a execução fiscal é o veículo próprio para a cobrança.

Nesta Corte há precedente do Ministro José Delgado que manda aplicar a Lei 6.830/80 na cobrança das anuidades da OAB, como deixa clara a ementa:

PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. OMISSÃO.

1. Acórdão que respondeu às indagações da recorrente.

2. Aplica-se o rito da Lei n.º 6.830/80 às execuções propostas pela OAB para cobrança das anuidades que lhe são devidas.

3. Embargos rejeitados.

(EDREsp 463.401/SC, rel. Min. José Delgado, Primeira Turma, unânime, DJ 31/3/2003, pág. 161)

No curso do voto proferido, o relator, citando o acórdão impugnado, concluiu que a Ordem dos Advogados do Brasil é autarquia profissional especial, com perfil de serviço público federal de natureza indireta.

Em precedente mais antigo, o Ministro José Delgado já manifestara o seu entendimento:

PROCESSUAL CIVIL. CONFLITO DE COMPETÊNCIA. OAB. MANDADO DE SEGURANÇA.

1. A Ordem dos Advogados do Brasil é autarquia profissional especial, com perfil de serviço publico federal de natureza indireta.

2. A competência para processar e julgar ações do interesse ativo ou passivo é da Justiça Federal.

3. Os efeitos da Medida Provisória 1.549-39, de 06.11.97, não atingem a estrutura originária da OAB.

4. A Medida Provisória 1.654/98, em seu art. 8.º, determinou ser a Justiça Federal competente para processar e julgar as causas do interesse das entidades de fiscalização do exercício profissional.

5. Conflito conhecido para se determinar a competência da Justiça Federal.

(CC 21.255/ES, rel. Min. José Delgado, Primeira Seção, unânime, DJ 03/8/98, pág. 63)

Na oportunidade desse julgamento, o Ministro Demócrito Reinaldo, sem arrodeios, afirmou no voto-vista que proferiu:

… a Ordem dos Advogados do Brasil, que é uma autarquia …

O Ministro Humberto Gomes de Barros, em recurso versando sobre a isenção da OAB quanto às custas, concluiu:

A Ordem dos Advogados do Brasil, então, haverá de se ajustar a um dos outros conceitos. Afaste-se, desde logo, o conceito de empresa pública ou sociedade de economia mista, reservados às entidades que atuam no mundo empresarial, desenvolvendo atividade econômica. Restam os conceitos de autarquia e de fundação. O enquadramento da entidade corporativa em um destes dois modelos tem despertado grande polêmica. Neste processo, entretanto, não é necessário penetrar essa discussão. Com efeito, o art. 4.º da Lei 9.289/96 isenta de custas, tanto as autarquias quanto às fundações.

(REsp 212.020/RJ, DJ 27/9/99)

Entendo que as contribuições dividem-se em sociais, de intervenção no domínio econômico e de categorias profissionais e econômicas, sendo difícil para o intérprete qualificá-las para, então, estudá-las dentro dos limites traçados na sua categorização, não as confundindo com imposto ou taxa.

Caracterizada a contribuição pela finalidade, o que é de sua essência, temos que:

1) as CONTRIBUIÇÕES SOCIAIS dizem respeito a algum padrão de relacionamento em comunidade, no dizer do Prof. Marco Aurélio Greco, in Contribuição (uma figura sui generis);

2) as CONTRIBUIÇÕES DE INTERVENÇÃO NO DOMÍNIO ECONÔMICO, como o próprio nome indica, são devidas quando o Estado intervém, sendo bem raras na atualidade; e

3) as CONTRIBUIÇÕES DE CATEGORIAS PROFISSIONAIS E ECONÔMICAS, cujo exemplo maior são as contribuições sindicais.

De referência aos Conselhos Profissionais, tem o Prof. Marco Aurélio Greco o seguinte entendimento:

Os Conselhos Profissionais estão atualmente submetidos a uma disciplina complexa que merece um estudo aprofundado, pois interfere no exame das contribuições por eles cobradas.

Quanto à estas últimas, ainda que se entenda que as anuidades cobradas pelos Conselhos estariam abrangidas pela regra do art. 149 da CF/88, nessa disciplina não incluo a Ordem dos Advogados do Brasil, por entender, dentre outras razões, que a OAB tem uma posição diferenciada dentro do Sistema Constitucional (CF – art. 133), além de, em razão de sua autonomia e função, não ser um instrumento de atuação da União.

(Contribuições, autor citado, pág. 152)

Verifica-se, portanto, que a jurisprudência e a doutrina, consideram a contribuição profissional como de natureza tributária e, como tal, sujeita aos limites constitucionais. Entretanto, em relação à OAB, por se tratar de autarquia sui generis, não sofre ela o controle estatal quanto às suas finanças.

Dentro desse enfoque, entendo que não está a cobrança das anuidades sujeita às regras da Lei 6.830/80, diante do que dispõe o art. 2.º, porquanto não se pode incluir a OAB no conceito jurídico de Fazenda Pública, submetido ao controle da Lei 4.320, de 17/3/64.

Em conclusão, de forma direta e objetiva, entendo, com base na jurisprudência da Corte e na doutrina, ser a OAB autarquia especial, mas as contribuições por ela cobradas não têm natureza tributária e não se destinam a compor a receita da Administração Pública, mas a receita da própria entidade, o que afasta a incidência da Lei 6.830/80.

A propósito, a Segunda Turma, julgando o REsp 497.871/SC, assim decidiu:

PROCESSO CIVIL E ADMINISTRATIVO – EXECUÇÃO PARA COBRANÇA DAS CONTRIBUIÇÕES DA OAB.

1. A OAB é classificada como autarquia sui generis e, como tal, diferencia-se das demais entidades que fiscalizam as profissões.

2. A Lei 6.830/80 é o veículo de execução da dívida tributária e da não tributária da Fazenda Pública, estando ambas atreladas às regras da Lei 4.320, de 17/3/64, que disciplina a elaboração e o controle dos orçamentos de todos entes públicos do país.

3. As contribuições cobradas pela OAB, como não têm natureza tributária não seguem o rito estabelecido pela Lei 6.830/80.

4. Recurso especial provido.

Com essas considerações, dou provimento ao recurso da OAB, para determinar que siga a execução as regras do CPC.

É o voto.

Decisão por maioria, votando com a relatora os ministros João Otávio de Noronha, Castro Meira, Denise Arruda e Francisco Peçanha Martins.

Ronaldo Botelho é advogado e professor da Escola da Magistratura.

Processual Penal. Crime de várias pessoas. Condutas e atividades lesivas ao meio ambiente. Necessidade de individualização das condutas. Inépcia da denúncia

RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS N.º 16.135/AM

Rel.: Min. Nilson Naves

EMENTA

1. Em casos dessa espécie, não se admite denúncia que dela não conste descrição das diversas condutas.

2. Caso em que, por faltar descrição de elementos de convicção que a ampare, a denúncia não reúne, em torno de si, as exigências legais, estando, portanto, formalmente inepta.

3. Recurso ordinário provido.

(STJ/DJU de 23/08/04, pág. 276)

Não obstante a forte inclinação existente na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, no sentido de que nos crimes societários a denúncia não precisa individualizar a conduta de cada agente, neste caso, de crime contra o meio ambiente, em que a denúncia simplesmente arrolou os gerentes delegados da empresa em crime contra o meio ambiente, sem, contudo, descrever, ao menos resumidamente, o comportamento de cada um, a Sexta Turma, relator o ministro Nilson Naves, reconheceu a inépcia da inicial.

Consta do voto do relator:

O Exmo. Sr. Ministro Nilson Naves (Relator): Segundo a parecerista Ä valendo-se de precedentes jurisprudenciais, inclusive e principalmente do Superior Tribunal Ä, em crimes societários, ou em crimes de autoria coletiva, é admissível a denúncia sem que dela se exija pormenorizada descrição das diversas condutas. Em assim sendo, eis a denúncia, fotocopiada às fls 18/20:

"O Ministério Público do Estado do Amazonas, por meio dos Promotores de Justiça infra-assinados, com atribuições junto a Promotoria de Justiça Especializada na Defesa do Meio Ambiente e Patrimônio Histórico – PRODEMAPH, localizada no Conjunto dos Secretários, Rua Celetra II, n.º 07 – Casa da Cidadania, vem oferecer DENÚNCIA contra:

1) Conef Amazonas – Entrepostos Frigoríficos Ltda, pessoa jurídica de direito privado, estabelecida, nesta cidade, na rodovia BR 319 – km 5 – Ceasa – Distrito Industrial, CGC n.º 05.429.709/0001-20;

2) Luiz Garcia Hermida, brasileiro, casado, Economista, RG n.º 1.019.279-SSP/BA, CIC n.º 211.608.305-25, residente e domiciliado na cidade de Salvador/BA, podendo ser encontrado no endereço da primeira denunciada por ser seu Gerente Delegado;

3) Roberto de Sá Dâmaso, brasileiro, casado, economista, RG n.º 1.132.794-SSP/BA, CPF n.º 094.029.695-000, residente e domiciliado na cidade de Salvador/BA, podendo ser encontrado no endereço da primeira denunciada por ser seu Gerente Delegado;

4) Luiz Carlos de Andrade Ribeiro, brasileiro, separado judicialmente, economista, RG n.º 358.226-SSP/DF, CIC n.º 046.489.007-15, residente e domiciliado na cidade de Salvador/BA, podendo ser encontrado no endereço da primeira denunciada por ser seu Gerente Delegado;

5) José Ernesto Silva Gonzalez, brasileiro, separado judicialmente, administrador de empresas, RG n.º 1.262.960-06 SSP/BA, CIC n.º 220.196.265-00, residente e domiciliado na cidade de Salvador/BA, podendo ser encontrado no endereço da primeira denunciada por ser seu Gerente Delegado.

Pelas razões de fato e de direito a seguir aduzidas:

Consta do incluso Procedimento Administrativo n.º 268/00/18ª, instaurado tendo por supedâneo a matéria publicada no jornal "A Crítica" edição do dia 21 de outubro de 2000, que, por volta das 20h30min, do dia 19 de outubro do ano pretérito, foram os moradores do bairro Mauazinho surpreendidos por um forte odor que exalava das dependências da primeira denunciada, o que os obrigou a abandonar seus lares, por orientação do Corpo dos Bombeiros, em face da irritação de suas vias respiratórias e início de um processo de intoxicação.

Em 20 de outubro de 2000, motivada pelas reclamações dos moradores da área vizinha, o Instituto de Proteção Ambiental do Estado do Amazonas – IPAAM realizou uma vistoria técnica no local, constatando ocorrência de poluição atmosférica gerada pelo vazamento de aproximadamente 20 kg de gás amônia (NH3), utilizado para resfriamento do sistema de conservação de produtos perecíveis da CONEF. Da fiscalização precitada resultou o relatório técnico de fls. 11 a 13, que informa, ainda, que a denunciada embora estivesse isenta da licença ambiental, tinha o dever de comunicar o acidente ao mencionado órgão estadual, o que não o fez, sendo, então, lavrado o Auto de Infração n.º 135/00 – GEFM.

Em 26 de janeiro de 2001, houve novo vazamento de gás amônia na denunciada, CONEF, motivando assim a realização de nova vistoria pelo IPAAM, resultando no Relatório Técnico de Fiscalização de fls. 14 a 17, através do qual ficou constatada a ocorrência do dano ambiental causado pelo vazamento de gás tipo amônia, o qual, segundo informações prestadas pelos responsáveis pelo empreendimento, ocorreu em virtude da tubulação da serpentina do sistema de refrigeração ter se rompido devido à pressão exercida no mesmo, fazendo com que o gás fosse lançado no meio ambiente por várias horas. Novamente os moradores do local apresentaram um quadro de intoxicação (náuseas, vômitos, dores de cabeça, etc.) e tiveram que ser retirados para outro sítio.

Ante o exposto, estão os denunciados incursos nas penas dos artigos 54, § 2.º, inciso II, e do art. 68, ambos da Lei n.º 9.605/98, combinado com os arts. 29 e 69 do Código Penal Brasileiro, pelo que requer-se, uma vez recebida e autuada esta, sejam os réus citados para interrogatório, sob pena de revelia, enfim, para se verem processados até final julgamento e condenação, na forma da Lei, ouvindo-se, oportunamente, as pessoas do Rol abaixo para em juízo informar sob o fato crime ambiental em tela."

Quanto às pessoas físicas ou naturais, exatamente aquelas que aqui são pacientes e recorrentes, a denúncia ficou aquém daquilo que dela se espera (de seus indispensáveis requisitos), bem aquém, a meu sentir, porquanto, naquela exposição narrativa e demonstrativa que das denúncias se requer (parte formal), a presente denúncia não revelou qual fora a participação dessas pessoas no fato por ela indicado. Não há, em seu corpo, uma só palavra referente à maneira como essas pessoas praticaram a ação, ou se se omitiram, se e quando dessas pessoas se requeria o dever de agir.

Disse o acórdão o seguinte: "Os pacientes são gerentes delegados da empresa, e embora a inicial não lhes tenha indicado a responsabilidade objetiva, todos são passíveis de responder pelo dano causado ao bem jurídico meio ambiente, já que, juridicamente são os agentes que conduzem a prestação de serviço da empresa à sociedade. Se são responsáveis pelas boas ações, devem responder pelas más ações da empresa. É um imperativo universal."

Parece-me pouco. Ainda que o não fosse, quem abre a ação penal é o Ministério Público, e a inicia através da denúncia, e a denúncia formalmente há de conter isto e aquilo ao ver da lei processual; no caso em comento, a denúncia, porém, é falha, porque foi omissa, totalmente omissa.

É certo que, em casos dessa espécie, existe forte entendimento segundo o qual a denúncia não precisa individualizar a conduta de cada agente ativo. Sucede que existe também o entendimento de que o denunciante, entretanto, tem o dever, mesmo em casos desse porte, de fornecer exposição, ou apresentar proposta de acusação, apresentá-la de tal modo que permita ao denunciado defender-se. Dentro de tal moldura, quero crer que, em apoio desta última posição, podem vir a pêlo, provenientes desta Turma, o RHC-8.389, de 1999, da relatoria do Ministro Fernando Gonçalves, e o REsp-175.548, de 2001, da relatoria do Ministro Hamilton Carvalhido.

Em razão de me encontrar diante de denúncia inepta, dou provimento ao recurso ordinário para conceder a ordem de habeas corpus. Certamente que outra denúncia poderá ser oferecida, uma vez preenchidas as exigências de lei.

Decisão unânime, votando com o relator os ministros Hamilton Carvalhido, Paulo Gallotti, Paulo Medina e Hélio Quaglia Barbosa.

Ronaldo Botelho é advogado e professor da Escola da Magistratura.