Processual Civil. Defensoria Pública. Direito à percepção de honorários.

RECURSO ESPECIAL N.º 493.342/RS

Rel.: Min. Eliana Calmon

EMENTA – Processo civil. Honorários. Defensoria pública.

1. Não se há de confundir órgão do Estado com o próprio o Estado, que se enfrentaram na ação, para efeito de suprimir-se a sucumbência.

2. Pela teoria do órgão examina-se de per si cada um deles para efeito do art. 20 do CPC, que impõe sucumbência a quem é vencido.

3. O Estatuto da OAB concede a todos os advogados, inclusive aos defensores públicos, o direito a honorários (art. 3.º, § 1.º, da Lei 8.906/1994).

4. Recurso especial improvido.

(STJ/DJU de 04/08/03, pág. 280)

G.S., representada por defensor público, aforou ação ordinária, com pedido de tutela antecipada, contra o Estado do Rio Grande do Sul, objetivando o fornecimento de medicação para tratamento de Hepatite C, doença de que era portadora.

Julgado procedente o pedido, interpôs o réu recurso de apelação, que não obteve provimento, tendo, ainda, o Tribunal, em sede de agravo regimental, confirmado a decisão que condenou o Estado ao pagamento de honorários advocatícios.

Interposto recurso especial, o Superior Tribunal de Justiça, através de sua Segunda Turma, relatora a ministra Eliana Calmon, negou-lhe provimento, afirmando que pode, sim, o Estado ser condenado a pagar honorários advocatícios em processo no qual a parte foi representada pela Defensoria Pública.

Consta do voto da relatora:

A Exma. Sra. Ministra Eliana Calmon (Relatora): – Preliminarmente, não conheço do recurso quanto à alínea “c”, porque não restaram atendidos os requisitos do art. 255 do RI/STJ.

Prequestionados o art. 267 do CPC e o art. 1.049 do antigo Código Civil, passo ao exame do recurso, que se resume à seguinte questão: pode o Estado ser condenado a pagar honorários advocatícios em processo no qual a parte foi representada pela Defensoria Pública ou ocorre o instituto da confusão, por serem credor e devedor, no caso, a mesma pessoa jurídica? A resposta é afirmativa quanto à primeira hipótese, na medida em que se deve atender às rubricas orçamentárias, o que afasta a pseudo confusão de que tratava o art. 1.049 do Código Civil.

Conforme dispôs a Lei Estadual do Estado do Rio Grande do Sul (Lei 10.298/74), os honorários devidos ao defensor público, por força da cogência do art. 20 do CPC, destinam-se ao Fundo de Aparelhamento da Defensoria Pública – FADEP, revertendo-se em favor do próprio órgão que, embora integrante do Estado, tem receita e verbas próprias. Se assim não fosse, restaria descumprida a legislação local, mesmo porque deixa expresso, a Lei 8.906, de 4/7/1994, que os advogados públicos, dentre os quais os defensores públicos, sujeitam-se ao regime de honorários disciplinado no Estatuto da Advocacia (art. 3.º, § 1.º), sendo inaceitável falar-se em confusão entre órgãos estatais.

Com estas considerações, nego provimento ao recurso especial.

É o voto.

Decisão unânime, votando com o relator os ministros João Otávio de Noronha, Castro Meira e Francisco Peçanha Martins.

Processual Penal. Tentativa de homicídio qualificado. Prisão preventiva com fundamento na gravidade do crime. Inadmissibilidade.

HABEAS CORPUS N.º 28.109 – SP

Rel. Min. Laurita Vaz

EMENTA – 1. A simples alegação judicial de gravidade genérica do delito, de natureza hedionda, praticado pelo paciente não é fundamento suficiente a ensejar a manutenção de sua custódia cautelar, devendo o juízo discorrer sobre os requisitos previstos no artigo 312 do Código de Processo Penal. Precedentes do STJ.

2. Ordem concedida.

(STJ/DJU de 4/8/03)

Decidiu o Superior Tribunal de Justiça, através de sua Quinta Turma, Relatora a Ministra Laurita Vaz, que a prisão preventiva, mesmo em caso de crime grave, deve conter fundamentação voltada aos requisitos da cautelar: garantia da ordem pública, conveniência da instrução criminal e asseguramento da aplicação da lei penal.

Consta do voto da Relatora:

Exma. Sra. Ministra Laurita Vaz (Relatora):

Cinge-se a pretensão na possibilidade de concessão de liberdade provisória ao paciente, preso e denunciado pela suposta prática de tentativa de homicídio qualificado.

Inicialmente, impende dizer que, ao contrário do que alega o Ministério Público Federal, ainda que o crime ora examinado seja classificado como hediondo (Lei n.º 8.072/1990), reiterada jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça tem afirmado que a simples alegação da natureza hedionda do crime cometido pelo agente do delito não é per si justificadora do deferimento do decreto de segregação cautelar, devendo, também, a autoridade judicial devidamente fundamentar e discorrer sobre os requisitos previstos no artigo 312 do Código de Processo Penal.

Ao examinar a decisão judicial, acostada à fl. 85, que indeferiu o pedido de liberdade provisória, observo a manifesta falta de fundamentação.

Com efeito, o Juízo de Direito da 4.ª Vara da Comarca de Atibaia, Estado de São Paulo, ao negar o pedido de liberdade provisória formulado pela Defesa, ateve-se tão-somente a argumentar o seguinte:

“(…) O crime imputado é grave, tentativa de homicídio, exigindo-se sua permanência na prisão como garantia da ordem pública.

O fato do acusado ter ocupação lícita e ser primário sem antecedentes, por si só, não afasta a necessidade de permanecer ele preso, pois, conforme acima colocado, a prisão preventiva se impõe para garantia da ordem pública, em face da gravidade do crime imputado e não somente para assegurar a aplicação da lei penal ou por conveniência da instrução.”

Vê-se que a decisão judicial baseou-se tão-somente na gravidade do delito e em outras alegações genéricas.

Como é sabido, a negativa do pedido de liberdade provisória feito em favor de quem foi preso em flagrante delito deve ser concretamente fundamentada, com a exposição dos elementos concretos e justificadores de que o réu solto vai perturbar a ordem pública, prejudicar a instrução criminal ou inviabilizar a aplicação da lei penal.

Nesse sentido, confira-se:

“Ementa: PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO DOLOSO QUALIFICADO. PRISÃO PREVENTIVA. DECISÃO NÃO FUNDAMENTADA. PRECEDENTES. CONDIÇÕES PESSOAIS FAVORÁVEIS. VALORAÇÃO. ORDEM CONCEDIDA, EXTENSIVA AO CO-RÉU JOSÉ SILVÉRIO DE CARNEIRO.

1. Sendo a prisão preventiva uma medida extrema e excepcional, que implica em sacrifício à liberdade individual, é imprescindível, em face do princípio constitucional da inocência presumida, a demonstração dos elementos objetivos, indicativos dos motivos concretos autorizadores da medida constritiva.

2. In casu, a decisão baseou-se em alegações genéricas da gravidade do delito e na suposta temibilidade do agente, sem qualquer outra fundamentação que pudesse justificar a medida restritiva da liberdade.

3. Ordem concedida, extensiva ao co-réu José Silvério de Carneiro, por se encontrar na mesma situação processual do ora Paciente (art. 580 do CPP).” (HC n.º 26.417/SP, rel. Min. LAURITA VAZ, DJ de 28/4/2003, p. 00227)

“Ementa: HABEAS CORPUS. ROUBO QUALIFICADO. FUNDAMENTAÇÃO DO INDEFERIMENTO DO PEDIDO DE LIBERDADE PROVISÓRIA. AUSENTES OS REQUISITOS EXIGIDOS PELO ART. 312, DO CPP A JUSTIFICAR A MANUTENÇÃO DA PRISÃO.

A gravidade do delito, por si só, não enseja a proibição da liberdade provisória, que também exige o atendimento aos pressupostos inscritos no CPP, art. 312, mediante a exposição de motivos concretos a indicar a necessidade da cautela.

Não há elementos efetivos de que o réu vá perturbar a ordem pública, a instrução criminal ou a aplicação da lei penal. A gravidade genérica do delito, desprovida de modus operandi que indique a periculosidade concreta do paciente, não justifica a manutenção da custódia cautelar.

Liminar confirmada.

Ordem concedida.” (HC n.º 19.761/SP, rel. Min. JOSÉ ARNALDO DA FONSECA, DJ de 13/5/2002, p. 00215)

“Ementa: CRIMINAL. RHC. HOMICÍDIO QUALIFICADO. PRISÃO PREVENTIVA. ILEGALIDADE. AUSÊNCIA DE CONCRETA FUNDAMENTAÇÃO. NECESSIDADE DA MEDIDA NÃO-DEMONSTRADA. CONDIÇÕES PESSOAIS FAVORÁVEIS. RECURSO PROVIDO.

Exige-se concreta motivação ao óbice à liberdade provisória, com base em fatos que efetivamente justifiquem a excepcionalidade da medida constritiva excepcional, atendendo-se aos termos do art. 312 do CPP e da jurisprudência dominante, mesmo em sede de delitos hediondos, não bastando a mera alusão genérica à gravidade do delito. Precedentes.

Condições pessoais favoráveis, mesmo não sendo garantidoras de eventual direito à liberdade provisória, devem ser devidamente valoradas, quando não demonstrada a presença de requisitos que justifiquem a custódia processual.

Recurso provido para revogar a prisão cautelar efetivada contra NEIMAR SILVA MATOS, determinando a imediata expedição de alvará de soltura em seu favor, se por outro motivo não estiver preso, mediante condições a serem estabelecidas pelo Julgador de 1.º grau, sem prejuízo de que venha a ser decretada novamente a custódia, com base em fundamentação concreta.” (RHC n.º 12.037/SP, rel. Min. GILSON DIPP, DJ de 08/4/2002, p. 00233)

Concluindo, cumpre ressaltar que, embora não sejam garantidoras para eventual concessão da liberdade provisória, as condições pessoais favoráveis do paciente devem ser devidamente valoradas, quando não demonstrados na decisão os motivos que justifiquem a permanência da medida constritiva excepcional.

Ante o exposto, CONCEDO A ORDEM para que seja concedida a liberdade provisória ao ora PACIENTE, com a conseqüente expedição do alvará de soltura, se por outro motivo não estiver preso, mediante condições a serem estabelecidas pelo Julgador de 1.º grau, sem prejuízo de eventual decretação de custódia cautelar, devidamente fundamentada.

É como voto.

Decisão unânime, votando com o relator os ministros josé Arnaldo da Fonseca, Felix Fischer e Gilson Dipp.

Ronaldo Botelho

é advogado e professor da Escola da Magistratura.