Processual Civil. Ação declaratória da inexistência de união estável. Legitimidade da viúva para promovê-la.

Ronaldo Botelho

RECURSO ESPECIAL N.º 328/297-RJ

REL.: MIN. RUY ROSADO DE AGUIAR

EMENTA – União estável. Ação declaratória. Legitimidade.

– A viúva tem legitimidade para promover ação declaratória de inexistência de união estável do seu falecido marido com a ré.

– A convivência entre duas pessoas é um fato; a união estável é conceito jurídico que pode ou não definir essa relação. Cabe ação declaratória para reconhecer a inexistência da relação jurídica que se conceitua legalmente como união estável.

– Recurso não conhecido.”

(STJ/DJU de 18/2/02, pág. 457)

O Superior Tribunal de Justiça, através de sua Quarta Turma, relator o ministro Ruy Rosado de Aguiar, decidiu que a viúva meeira tem legitimidade para propor ação declaratória de inexistência de união estável do seu falecido marido com a companheira, bem como ações que tenham como objetivo afirmar ou negar a existência de relação jurídica que atinja direitos que decorrem do fato de seu estado civil de casada, quanto aos efeitos econômicos dele derivados, tais como pensões, seguros, meações sobe o patrimônio, etc.

Consta do voto do relator:

O Ministro Ruy Rosado de Aguiar (Relator):

O recurso não pode ser conhecido.

1. A autora, como viúva meeira de Antônio Alexandre dos Santos, tem legitimidade para promover ações que tenham como objetivo afirmar ou negar a existência de relação jurídica que atinja direitos que lhe decorrem do fato do seu estado civil de casada com Antônio, e bem assim os efeitos econômicos dele derivados, tais como pensões, seguros, meação sobre o patrimônio, etc.

No caso dos autos, a existência de união estável do de cujus com outra mulher, ré na ação, pode influir no âmbito e mesmo no reconhecimento de direitos da mulher casada na esfera patrimonial, junto a entidades previdenciárias e securitárias e na partilha dos bens, questões bem presentes, segundo informam os autos. Esses direitos podem ser exercidos em juízo e autorizam a sua titular a propor também ações declaratórias, nos termos da legislação processual civil.

2. Cabe ação declaratória para negar a existência das relações jurídicas do fato definido juridicamente como sendo uma “união estável”. Embora proposta em termos pouco recomendáveis, a verdade é que a ação tem o propósito de ver declarada a inexistência da relação jurídica invocada pela ré para receber seguro e pensionamento junto a entidade de previdência social, cuja divisão proporcional está a prejudicá-la.

Sobre a possibilidade de ação declaratória em se tratando de união estável, já assim votei no REsp n.º 285961/DF:

…”A ação declaratória exige como condição o interesse do autor na declaração da existência da relação jurídica ou da sua extinção (art.. 4.º do CPC). A convivência de um casal, com união de vidas e gerando filhos, não é simples fato alheio ao Direito – como se pensava quando família era apenas o resultante do casamento – mas realidade relevante ao Direito, especialmente depois da Constituição de 1988, que definiu a união estável como entidade familiar, e também da legislação esparsa que se lhe seguiu, definindo e regulando tal situação.

Para declarar a existência dessa relação de convivência e definir o seu rompimento, nas circunstâncias em que aconteceu, tem o autor a ação declaratória que propôs, nos termos do já referido art.. 3.º do CPC”

(…) (REsp n.º 285961/DF, 4.ª Turma, de minha relatoria, DJ 12.03.01).

A convivência de duas pessoas é um fato; já a união estável é um conceito jurídico que pode ou não definir esse fato. Por isso, acredito, é possível ação para declarar a existência da relação jurídica que se define legal e constitucionalmente como “união estável”.

3. A questão de mérito depende de exame da matéria objeto da prova. Isso foi feito pelas instâncias ordinárias, lendo a r. sentença, analisado longamente a prova e concluído que não houve relacionamento com as características exigidas na lei entre o falecido e a ré. Por essa razão, o pedido foi acolhido a fim de se declarar a inexistência daquela relação.

Não me parece que se possa refazer esse julgamento na via especial.

4. A recorrente aponta para a falta de fundamentação do r. acórdão. Embora sucinto, o r. julgado enfrentou todas as questões propostas na apelação e lhes deu reposta. Mais não era preciso para fundamentar o julgamento.

Também inaceitável a discussão sobre ônus da prova e eventual ofensa a regra probatória, e bem assim sobre a incidência da Lei 2.172/97, porque tais matérias ficaram sem prequestionamento, e os embargos declaratórios foram oferecidos para outros fins.

Posto isso, não conheço.

É o voto.

Decisão unânime, votando com o relator os ministros Sálvio de Figueiredo Teixeira, Barros Monteiro e César Asfor Rocha.

Ronaldo Botelho é advogado em Curitiba-PR.

 

 

Processual Penal. Razões de recurso extemporâneas. Irregularidade que não impede o conhecimento do recurso.

HABEAS CORPUS N.º 16.622 ? PE

REL. MIN. HAMILTON CARVALHIDO

EMENTA – 1. A jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça, assim como a do Excelso Supremo Tribunal Federal, atenta ao princípio constitucional da ampla defesa e à regra estatuída no artigo 601 do Código de Processo Penal, têm sufragado entendimento no sentido de que, ainda que tardias as razões de apelação apresentadas pela defesa, tal irregularidade não há de constituir vício a obstar o conhecimento ? por intempestividade ? do recurso.

2. Não apresentadas oportunamente as razões de apelação pelo advogado constituído, deve o réu ser intimado para substituí-lo ou, havendo indiferença do acusado, ser-lhe, para tal ato, nomeado defensor dativo pelo magistrado.

3. Ordem concedida para afastar a intempestividade da apelação e determinar que a Corte Estadual a exame, como de direito, assegurando, ainda, o direito de o réu aguardar o julgamento do recurso em liberdade ? como concedido pelo juiz-presidente do Tribunal do Júri -, se por outro processo não estiver custodiado.”.

(STJ/DJU de 05/11/01, pág. 144)

Mais uma vez o Superior Tribunal de Justiça, desta feita através de sua Sexta turma, relator o Ministro Hamilton Carvalhido, proclamou, em atenção ao princípio constitucional da ampla defesa, que, no caso de não apresentação das razões de recurso por defensor constituído, deve ser o réu intimado para constituir outro defensor e, não o fazendo, ser assistido por defensor e, não o fazendo, ser assistido por defensor dativo. E, no caso de serem as razões tardiamente apresentadas, essa demora não impede que do recurso se conheça.

Eis, na integra, o voto do relator.

O sr. Ministro Hamilton Carvalhido (relator):

Senhor presidente, habeas corpus contra a terceira Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco que, não conhecendo ? porque intempestivo ? do recurso de apelação interposto por Gilvam Pereira Nunes Filho, preservou-lhes a condenação à pena de 6 anos de reclusão pela prática do crime de homicídio simples.

A impetrante sustenta que, tão logo realizada a leitura da sentença condenatória no Plenário do Tribunal Popular, foi requerida a palavra pela defesa, ocasião em que, entendendo ser o veredicto manifestamente contrário à prova dos autos, manifestou o desejo de apelar, deixando para apresentar as razões recursais em cartório, no prazo legal.

Assevera, pois, a tempestividade da apelação, diante da concessão de prazo em dobro para o Defensor Público, aduzindo, ainda, que apresentação tardia das razões recursais constitui mera irregularidade, não obstando seu conhecimento.

Pugna, ao final, pela “(…) concessão do habeas corpus para o fim de determinar o julgamento de apelação criminal interposto no prazo legal, expedindo-se, ainda, em favor de Gilvan Nunes Filho o competente salvo-conduto ? pois, em liberdade se encontra aguardando o julgamento do recurso”. (fl. 4). Com efeito, lê-se na ata de julgamento acostada às fls. 20/21:

“(…) Voltando todos à Sala Pública e na presença de todos, o M.M. Juiz leu a sentença, pela qual foi o acusado, Gilvan Pereira Nunes Filho, condenado à pena concreta e definitiva de 06 (seis) Anos de reclusão. Pela ordem, pediu a palavra a Defesa para apelar da decisão condenatória, por entendê-la manifestamente contrária à prova dos autos deixando para apresentar as razões do recurso em cartório, no prazo legal. (…)”

.

Deserto, a jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça, assim como a do Excelso Supremo Tribunal Federal, atenta ao princípio constitucional da ampla defesa e à regra estatuída no artigo 601 do Código de Processo Penal, têm sufragado entendimento no sentido de que, ainda que tardias as razões de apelação apresentadas pela defesa, tal irregularidade não há de constituir vício a obstar o conhecimento ? por intempestividade ? do recurso.

Nesse sentido, vale, a propósito, conferir os seguintes precedentes:

“Processo penal. Apelação. Juntada intempestiva dar razões.

A apresentação intempestiva das razões e mera irregularidade, quando a apelação foi interposta no prazo.

Precedentes jurisprudenciais.

3. Recurso parcialmente conhecido e, nesta extensão, provido.

“(Resp 72.823/SP, 6.ª Turma, relator Ministro Fernando Gonçalves, in DJ 11/11/96).

“Processual penal. Apelação. Apresentação e razões do recurso. Ministério Público. Decisão do júri.

Não constando do termo o embasamento legal da interposição do apelo e sendo a destempo as razões ofertadas, o recurso deve ser recebido como impugnando apenas o veredicto (CPP, art. 593, III, “d”).

Recurso conhecido e provido para que a apelação seja julgada nos limites do permissivo da letra “d”

(Resp 157.364/RS, 5.ª Turma, Relator Ministro José Arnaldo da Fonseca, in DJ 13/10/98).

“Processual penal. Apelação. Ministério Público.

Interposição de razões. Decisão do júri.

Deixando de constar da interposição o fundamento legal da súplica, e mesmo sendo intempestiva as razões, o recurso deve ser conhecido como hostilizando apenas o veredicto (art. 593, III, “d” do CPP).

Recurso conhecido e provido, para que a apelação seja examinada nos limites do permissivo da letra “d”

(Resp 116.049/MG, 5.ª Turma, Relator Ministro Felix Fischer, in DJ 2/6/97).

Processual penal. Apelação. Ministério Público.

Interposição. Decisão do júri.

A interposição do recurso pode fazer-se através de petição ou termo nos autos. Como tal compreende-se o requerimento oral do Promotor de Justiça, se consta da ata da sessão do Tribunal do Júri e é por eleassinada.

Deixando de constar do termo o fundamento legal da interposição e sendo intempestivas as razões, o recurso deve ser, como o foi, acolhido como hostilizando apenas o veredicto (CPP), art. 593, III, d).

Claro o descompasso entre a decisão e a prova dos autos, incensurável o acórdão mandando o réu a novo julgamento popular.

Recurso especial conhecido, mas improvido.”

(Resp 19.211/SP, 5.ª Turma, Relator Ministro Jesus Costa Lima, in DJ 8/9/92).

“Habeas corpus. apelação. termo nos autos razões. prazo. A falta de assinatura do termo de apelação pelo representante do Ministério Público não torma imprestável a peça, se da mesma constou a assinatura do escrivão e do juiz, o que lhe emprestou validade e sanou o ato. Ademais, ainda que de irregularidade se tratasse, não conduziria à nulidade do processo. A apresentação tardia das razões de apelação não é motivo impeditivo para o julgamento do recurso, segundo decorre da regra do art. 600 do Código de Processo.

Penal. Habeas corpus indeferido.”

(HC 74.508/PA, 1.ª Turma

Relator Ministro Ilmar Galvão, in DJ 13/6/97).

“A apresentação das razões de apelação após escoado o prazo estatuído no art. 600 do CPP não é motivo impeditivo para o julgamento do recurso, segundo decorre da regra do art. 601 do CPP. Considera-se a apelação interposta com a petição entregue em Cartório, desde que tempestivamente e de forma clara tenha a parte manifestado o inconformismo com a sentença” (HC 73.648/RS, 1.ª Turma, Relator Ministro Imar Galvão, in DJ 3/5/96).

“Habeas corpus ? alegações de: recurso manifestado oralmente pelo promotor, ao final da Sessão do Júri e consignado em ata, com as razões da inconformidade. Precedente do Supremo Tribunal em favor da validade.

Razões de apelação. Ainda que fossem intempestivas, isto não obstaria ao seu conhecimento (art. 601 do CPP).

A anulação do julgamento pelo júri restabelece, em princípio, o status quo anterior, inclusive no tocante a custódia do acusado. Habeas corpus indeferido”

(HC 60.449/RJ), 1.ª Turma, Relator Ministro Oscar Corrêa, in DJ 25/2/83).

Gize-se, nesse passo, que doutrina e jurisprudência tendem a interpretar o artigo 601 do Código de Processo Civil de modo a possibilitar que, em não sendo apresentadas oportunamente as razões de apelação pelo advogado constituído, seja o réu intimado para substituí-lo ou, havendo indiferença do acusado, lhe seja, para tal ato, nomeado defensor dativo pelo magistrado.

Nesse sentido confira-se trecho do voto proferido pelo eminente Ministro Felix Fischer, no Resp 125.680/RS, in DJ 13/10/98, verbis:

“(…)

A doutrina hodierna converge, em boa parte, no sentido de entender que, na inércia do defensor para a apresentação de razões, deve o réu ser intimado para substituí-lo ou então, havendo indiferença deste, deve o juiz nomear defensor dativo. A aplicação literal, fora do contexto geral do ordenamento jurídico, de que dispõe o art. 601 do CPP, seria uma ofensa ao princípio da ampla defesa. Faltaria assim, ao recurso, elemento essencial, lógica e juridicamente indispensável.

O magistrado não pode querer ser julgador e defensor simultaneamente. Se fosse possível aceitar esta situação híbrida, o juiz poderia, ad argumentandum, exercer, então todas as funções em juízo, sendo, daí, prescindíveis tanto o promotor de justiça como o advogado. Reconhecendo o error in procedendo tem-se; a) Fernando da Costa Tourinho Filho in “Código de Processo Penal Comentado”, vol. 2, p. 329/330, 3.ª ed. Saraiva, 1998; b) Ada Pellegrini Grinover & outros in “Recursos no Processo Penal”, p. 150, 1996, RT; c) Ada Pellegrini Grinover & outros in “As Nulidades no Processo Penal”, pg. 195 e 198, 5.ª ed., RT d) Fernando Capez in “Curso de Processo Penal”, p. 368, 1997, Saraiva; e) J.F. Mirabete in “Processo Penal”, p. 639, 7.ª ed., 1997, Ed. Atglas S.A.

A quaestio, aqui, não guarda semelhança com aquela da exigência, ou não de recorrer por parte do defensor. No caso, ela apelou, só que deixou de cumprir com a sua função. Com a sua inércia, houve prejuízo evidente e até reconhecido, de certa maneira no v. acórdão vergastado. Sob outro prisma, se as regras processuais do CPP fossem similares às do CPG, o defensor, na interposição, já teria motivado a súplica. Assim, numa interpretação histórico-evolutiva não é de se aceitar, hoje em dia, a aplicação literal do disposto no art. 601 do CPP, que cerceando o direito do réu, se apresenta fora do contexto processual penal, quer constitucional quer infraconstitucional.

Na douta 6.ª Turma desta Corte tem-se como precedente v. julgado no Resp 88.194/GO (relator Ministro Luiz Vitente Cernicchiaro, DJU de 09//06/97, p. 25574).

Em tema de contra-razões , o Pretório Excelso reconheceu o error in procedendo no HC 73.807/SC (relator Ministro Sydney Sanches, DJU de 31/05/96, p. 18803).

O processo deve ser, pois, anulado a partir das razões recursais, para que o réu, intimado, indique outro defensor ou, no silêncio, lhe seja.

(…)”

Com efeito, assim restou ementado o acórdão:

“Processual penal. Recurso especial. Roubo majorado. Apelação. Inércia do defensor. Error in procedendo.

I ? A motivação do recurso, em regra, é seu elemento essencial que não pode ser dispensado, sob pena de ocorrer evidente cerceamento aos interesses do réu.

II ? Se o defensor constituído, intimado, deixa de apresentar as razões recursais, o réu deve ser certificado para constituir outro ou, então, no caso de sua eventual inércia, deve o juiz nomear um defensor dativo para completar o recurso (Precedente).

Recurso conhecido e provido.”

In casu

, é de se ver, as razões de apelação foram apresentadas com fundamento no permissivo infraconstitucional do artigo 593, inciso III, alínea “d”, do Código de Processo Penal (fls. 22/25), competindo à Corte. Estadual, pois, sem a necessidade de nova intimação do acusado, examinar a insurgência, como de direito.

Por fim, resta a acrescentar que o Juiz Presidente do Tribunal do Júri concedeu ao réu o direito de aguardar em liberdade o julgamento da apelação (fl. 19), devendo assim, como deve, permanecer solto até o pronunciamento do Tribunal a quo, se por outro processo não estiver custodiado.

Pelo exposto, concedo a ordem para afastar a intempestividade da apelação e determinar que a Corte Estadual a examine, como de direito, assegurando, ainda, o direito de o réu aguardar o julgamento do recurso em liberdade ? como concedido pelo Juiz Presidente do Tribunal do Júri -, se por outro processo não estiver custodiado.

É o voto.

Decisão unânime, votando com o relator os ministros Paulo Galloti, Fontes de Alencar, Vicente Leal e Fernando Gonçalves.

Ronaldo Botelho

é advogado e professor da Escola da Magistratura.