RECURSO ESPECIAL N.º 445.845/SP

Rel.: Min. Aldir Passarinho Júnior

EMENTA

I. A denunciação à lide prevista no art. 70, III, do CPC, depende das circunstâncias concretas do caso.

II. Na espécie dos autos, não se acha configurado que houve escolha pessoal do autor menor ou de seus responsáveis na contratação dos médicos que o operaram, os quais integravam a equipe que atuava no hospital conveniado ou credenciado por Plano de Saúde, onde se internara aquele para tratamento de doença respiratória, sofrendo paralisia cerebral irreversível durante a cirurgia, devendo, portanto, prosseguir a ação exclusivamente contra o nosocômio indicado como réu pela vítima, ressalvado o direito de regresso em ação própria.

III. Recurso especial não conhecido.

(STF/DJU de 13/10/2003)

Em caso de responsabilidade civil por erro médico, decidiu o Superior Tribunal de Justiça, através de sua Quarta Turma, Relator o Ministro Aldir Passarinho Júnior, que, em se tratando de cirurgia contratada diretamente com o estabelecimento hospitalar, cuja própria equipe opera o paciente, a ação de indenização deve ser direcionada exclusivamente contra o hospital, cabendo o direito de regresso contra o profissional médico em ação diversa. A denunciação à lide somente será possível quando o próprio paciente seleciona e contrata um médico de sua confiança, bem como escolhe o hospital, que se limita a fornecer, por exemplo, apartamento e sala de cirurgia.

Consta do voto do Relator:

Exmo. Sr. Ministro Aldir Passarinho Junior (Relator): Trata-se de recurso especial, derivado de agravo de instrumento, onde o Tribunal estadual, confirmando despacho monocrático, indeferiu pedido de denunciação à lide de médico anestesista que participou de cirurgia para cura de doença respiratória, durante a qual, devido à “intercorrência anestésica”, sofreu o paciente, menor, sinistro do qual resultou paralisia cerebral irreversível, causando-lhe seqüelas que motivaram ação de indenização movida contra o Hospital Ana Costa S/A.

Sustenta o recorrente contrariedade ao art. 70, III, do CPC, que reza:

“Art. 70. A denunciação à lide é obrigatória:

III – àquele que estiver obrigado, pela lei ou pelo contrato, a indenizar, em ação regressiva, o prejuízo do que perder a demanda”.

A aplicação do referenciado dispositivo não se faz indistintamente, sob pena de ensejar a pulverização da responsabilidade, pela atribuição de responsabilidade indireta, a causar evidente e indesejável procrastinação do feito, em detrimento do direito da parte autora.

Assim é que, em meu entender, notadamente no caso de internação hospitalar, somente se justifica a denunciação se restar, pronta e objetivamente caracterizada, a relação direta entre as partes autora e rés, de modo a que, desde logo, se possa concluir que os serviços foram prestados sem triangulação, por escolha e iniciativa pessoal do paciente, destacadamente quanto a cada um dos profissionais contratados.

Se um paciente seleciona e contrata um médico da sua confiança, e paralelamente escolhe o hospital, que se limitará a fornecer, por exemplo, apartamento e sala de cirurgia, em havendo lesões decorrentes da operação, poder-se-ia admitir, aí, a denunciação à lide, já que foi pessoal a indicação, e o nosocômio apenas limitou-se a fornecer a infra-estrutura respectiva.

Mas se a cirurgia é contratada com um hospital, cuja própria equipe opera o paciente, a ação deve ser direcionada exclusivamente contra a instituição, possível o direito de regresso, mas em lide diversa.

No caso dos autos, ao que se depreende dos elementos fáticos colhidos na fase instrutória, a escolha do hospital se deu em face de plano de saúde do pai do menor, e o atendimento realizado pela própria equipe de médicos integrada à estrutura do nosocômio, por ele ou contratada, ou credenciada, ou autorizada a atuar em suas instalações.

A situação de dependência do médico em relação ao hospital está afirmada pelo aresto a quo, que encampou, no particular, o parecer do parquet estadual.

Em tais circunstâncias, que não podem ser aqui revolvidas em face do óbice da Súmula n.º 7 do STJ, tenho que a relação jurídica se instaurou, no que pertine ao autor, apenas com vinculação ao hospital réu, de sorte que a pretensão de denunciação à lide, quer do médico anestesista, quer da sociedade comercial da qual este participa ou por conta da qual atua, importa em desvio do direcionamento da demanda, uma controvérsia nova, que não tem razão para ser aqui instaurada em prejuízo do interesse do ora recorrido, que faz jus ao célere andamento processual, que restaria irremediavelmente retardado pela discussão de questões paralelas, que não lhe dizem respeito.

Aliás, mesmo se fosse caso de denunciação obrigatória, o direito de regresso não restaria prejudicado, como ensina Celso Agrícola Barbi, em seus “Comentários ao Código de Processo Civil”, 1.ª ed., pág. 341, e tem sido a orientação jurisprudencial do STJ, pelo que, de outro lado, não haverá prejuízo à ré em postular, a seu turno, eventual ressarcimento, se condenada.

Apreciando casos assemelhados, esta 4.ª Turma decidiu que:

“PROCESSUAL CIVIL. DENUNCIAÇÃO DA LIDE. INADMISSIBILIDADE.

Não se admite a denunciação da lide pretendida com base no inciso III do art. 70 do Código de Processo Civil se o seu desenvolvimento importar, como no caso, na necessidade de o denunciado invocar fato novo ou fato substancial distinto do que foi veiculado na defesa da demanda principal, como no caso, não estando o direito de regresso comprovado de plano, nem dependendo apenas da realização de provas que seriam produzidas em razão da própria necessidade instrutória do feito principal.

Recurso não conhecido.”

(4.ª Turma, REsp n.º 299.108/RJ, Rel. p/ acórdão Min. César Asfor Rocha, por maioria, DJU de 08.10.2001)

“PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO MOVIDA CONTRA ESTABELECIMENTO HOSPITALAR. CIRURGIA. ERRO MÉDICO. DENUNCIAÇÃO À LIDE DE MÉDICOS. DESCABIMENTO, NA HIPÓTESE. CPC, ART. 70, III. EXEGESE.

I. A denunciação à lide prevista no art. 70, III, do CPC, depende das circunstâncias concretas do caso.

II. Na espécie dos autos, se não se acha plenamente configurado que houve escolha pessoal da autora na contratação dos médicos que a operaram, os quais integravam a equipe que atuava no hospital credenciado do SUS, onde se internara após exame em posto de saúde, inexiste razão para tal denunciação, devendo prosseguir a ação exclusivamente contra o nosocômio indicado como réu pela vítima, ressalvado o direito de regresso em feito próprio.

III. Recurso especial não conhecido.”

(4.ª Turma, REsp n.º 125.669/SP, Rel. Min. Aldir Passarinho Júnior, por maioria, DJU de 04.02.2002)

Ante o exposto, não conheço do recurso especial.

É como voto.

Ronaldo Botelho é advogado e professor da Escola da Magistratura.

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