HC 84383 Ementa e Acórdão (1)

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HABEAS CORPUS 84.383-2 RIO GRANDE DO SUL

RELATOR : MIN. CEZAR PELUSO

EMENTA: AÇÃO PENAL. Sentença condenatória. Provimento a recurso exclusivo do Ministério Público contra sentença absolutória. Acórdão que deixou de apreciar tese suscitada pela defesa nas contra-razões. Matéria compreendida no âmbito do efeito devolutivo. Nulidade caracterizada. Não ocorrência da chamada motivação implícita. Ofensa ao princípio constitucional do contraditório e da ampla defesa, bem como ao da fundamentação necessária. Acórdão cassado. HC concedido para esse fim. Aplicação dos arts. 5.º, LV, e 93, IX, da CF. É nulo o acórdão que, provendo recurso exclusivo do representante do Ministério Público, condena o réu, sem manifestarse sobre tese suscitada pela defesa nas contra-razões.

(STF/DJU de 7/12/06)

Não raras vezes os Tribunais, ao prover recurso da acusação contra sentença absolutória, se atém exclusivamente às razões de recurso deixando de examinar as teses da defesa nas contra-razões, quando isso ocorre o acórdão é nulo, descabendo falar da motivação implícita.

Decisão do Supremo Tribunal Federal, 2.ª turma, Relator o Ministro Cezar Peluso.

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Consta do voto do Relator:

O Senhor Ministro Cezar Peluso – (Relator): 1. Consistente o pedido.

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O âmbito da devolução recursal delimitado pelo apelante o Ministério Público envolvia a questão da tipicidade da conduta em todos os seus aspectos.

É de incontrastável doutrina:

?Para que seja fixado o limite da devolução, deve o apelante, na petição ou termo, indicar a extensão de sua irresignação, sendo que, nada existindo, será considerada ampla a apelação interposta, transferindo-se ao tribunal o conhecimento de toda a matéria decidida?(1).

Tocava, pois, ao Tribunal apreciar, na integralidade, a matéria devolvida, com atenção ao contraditório, considerando, pois, assim as razões do apelo, como sua resposta, as contra-razões da defesa.

Mas o cotejo entre as contra-razões (fls. 351-358) e o acórdão que, reformando a sentença, condenou o paciente, deixa claro que o item IV (fls. 355-358), no qual a defesa sustentava ausência de materialidade do delito ante a alegação de que, em 12 de outubro de 1996, o estoque de arroz sob sua guarda teria sido removido dos silos, não foi apreciado pelo Tribunal Regional Federal da 4.ª Região, de modo que se não pode acolher o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, segundo o qual, ?[…] mesmo não tendo o Tribunal a quo se prestado ao trabalho de enfrentá-lo especificamente, fê-lo quando do julgamento do próprio mérito da acusação, cuja amplitude detinha implicitamente os argumentos defensivos? (fls. 50, grifei).

A chamada motivação implícita, pela qual a ?superação das lacunas torna-se possível em virtude da relação lógica existente ente aquilo que ficou expresso no discurso judicial e aquilo que também deveria ter sido objeto de justificação mas não foi?,(2) somente pode admitir-se em casos singulares, nos quais os ?motivos que justificam a solução de uma questão servem, implicitamente, para atender à mesma finalidade em relação a outro ponto em que não foram explicitadas as razões do convencimento judicial?,(3) o que não ocorre aqui:

?Tome-se como exemplo o acolhimento fundamentado da pretensão de uma das partes: é possível dizer que nesse caso a justificação apresentada contém, implicitamente, as razões do indeferimento de pretensão contrária formulada pela outra parte; mas isso só ocorrerá quando a decisão se limitar à escolha entre duas alternativas uma excluindo a outra por absoluta incompatibilidade e propiciando assim o aproveitamento a contrario da mesma justificação. Em outras situações, em que existam alternativas diversas, não necessariamente contrapostas no plano lógico, esse aproveitamento será inviável, pois o silêncio sobre essas outras alternativas abrirá espaço a dúvidas e incertezas sobre os motivos do apontado indeferimento?(4).

Esta Corte tem reafirmado, com insistência, a larga amplitude da garantia constitucional da motivação das decisões judiciais, especialmente daquelas que gravam o direito à liberdade individual, no âmbito de processo que, por definição constitucional, deve ser o resultado da conjunção das garantias do contraditório e da ampla defesa:

?A sentença deve refletir o julgamento, observando o órgão prolator a estrutura que lhe é própria, ou seja, a composição da peça mediante relatório, fundamentação e dispositivo. A ordem jurídica não agasalha julgamentos implícitos. Daí a impossibilidade de ter-se como repelida, em face de condenação e concessão de sursis, a tese da defesa sobre a substituição da pena privativa de liberdade pela de multa, uma vez desclassificado o crime de tráfico para o de consumo de substância entorpecente? (HC n.º 78.401, Rel. Min. MARCO AURÉLIO, DJ de 07.05.1999).

Noutra oportunidade, sintetizou:

?Sentença condenatória: nulidade: ausência de consideração de provas favoráveis em tese à defesa do acusado, ainda quando para recusá-la motivadamente? (RHC n.º 82.849, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, DJ de 13.06.2003).

E não se cuida, como bem observou aí o Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, de ponderar ?o valor relativamente à prova acusatória, para o que não se prestaria o processo sumário e documental do habeas corpus. Tem, contudo, o paciente o direito a que se considerem as provas feitas em seu favor, ainda, se for o caso, para recusá-las?.

2. Concedo, pois, a ordem, para anular o acórdão proferido pelo Tribunal Regional Federal da 4.ª Região (fls. 386-391), determinando que este proceda a novo julgamento da apelação, com apreciação da tese já referida, sobre a qual se omitiu.

Notas:

(1) GRINOVER, Ada Pellegrini, GOMES FILHO, Antonio Magalhães, FERNANDES, Antonio Scarance.

Recursos no processo penal. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 156.

(2) GOMES FILHO, Antonio Magalhães. A motivação das decisões penais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, p. 197.

(3) GOMES FILHO, Antonio Magalhães. Op., cit., p. 197.

(4) GOMES FILHO, Antonio Magalhães. Op., cit., p. 198.

Decisão unânime, votando com o Relator os Ministros Gilmar Mendes e Joaquim Barbosa.

Ronaldo Botelho é advogado e professor da Escola da Magistratura.