HABEAS CORPUS N.º 39.863-SP
Rel. Min. Hamilton Carvalhido
EMENTA
1. Em havendo conexão, a absolvição da sanção do crime da competência do Tribunal do Júri não impede o protesto por novo júri autorizado pela pena imposta em razão do crime conexo.
2. Ordem concedida.
(STJ/DJU de 20/11/06)
A 6.ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, relator o Ministro Hamilton Carvalhido decidiu pelo cabimento do protesto por novo júri em condenação por latrocínio, mesmo que absolvido o acusado da acusação por crime da competência do júri.
Consta do voto do Relator:
Exmo. Sr. Ministro Hamilton Carvalhido (Relator): Senhor Presidente, habeas corpus contra a Primeira Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo que improveu a carta testemunhável interposta por Alex Sander Guilherme, em que se visava à admissão do protesto por novo júri requerido, eis que condenado à pena de 23 anos de reclusão pela prática do delito tipificado no artigo 157, parágrafo 3.º (in fine), do Código Penal.
Alega o impetrante constrangimento ilegal, eis que o paciente foi condenado pelo Tribunal do Júri, em razão da conexão, pela prática do delito de latrocínio e, em sendo a pena igual ou superior a 20 anos, deve ser-lhe assegurado o direito de submeter-se a novo julgamento pelo Júri popular.
Sustenta, mais, que interpôs, tempestivamente, a pretensão recursal ao protesto por novo júri.
Pugna pela reforma do acórdão para se assegurar ao paciente o direito de sujeitar-se a novo julgamento popular.
Esta, a fundamentação do acórdão impugnado:
?Anotando-se que embora aja divergência quanto ao cabimento do presente recurso, no caso de indeferimento do protesto por novo júri, e que a maioria, acompanhada por este relator, entende ser cabível a Carta Testemunhável, o presente recurso é conhecido, porém indeferido para que subsista a r. decisão recorrida por seus próprios e jurídicos fundamentos.
Segundo se infere dos autos, o testemunhante, foi denunciado, regularmente processado, pronunciado e levado a julgamento pelo Egrégio Tribunal do Júri, sobrevindo-lhe condenação de 23 anos de reclusão por infração ao artigo 157, § 3.º (parte final) do Código Penal.
Em função do montante da pena imposta ser superior a 20 anos, interpôs Protesto Por Novo Júri, recurso que foi indeferido pela r. decisão recorrida.
Inconformado interpor a presente Carta Testemunhável, para que fosse determinado novo julgamento pelo Tribunal do Júri, na esteira do entendimento de que o legislador não fez nenhuma exclusão de tipos, e por via de conseqüência não teria vedação ao protesto por novo júri quanto ao crime conexo.
Tal afirmação não é absoluta, e como bem anotado pela r. decisão recorrida, não atende o princípio teleológico informativo do instituto do Protesto por Novo Júri, pois se assim fosse, não haveria a vedação do art. 607, parágrafo 1.º do Código de Processo Penal, cuja discussão de sua revogação ou não, é meramente acadêmica, prevalecendo o entendimento cuja tendência funda-se nos ensinamentos de Florêncio de Abreu, para quem o protesto nada mais é do que o apelo da decisão do povo para o próprio povo, não havendo sentido, pois, sob pena de desnaturá-lo, permitir a incidência de tal recurso frente às decisões dos juízes togados.
Portanto, para casos peculiares, não basta o requisito objetivo da pena, a ponto de se desrespeitar, em termos recursais, até mesmo o princípio da isonomia, pois se estaria dando a fatos iguais, tratamento diferenciado, não sendo a conexidade motivo suficiente para duplo julgamento.
Na espécie, e diante da comprovação da autoria e da materialidade, o Júri, devido à conexidade, reconheceu tão somente a existência de crime de latrocínio, cuja pena mínima já é de 20 anos.
Ora, quem pratica um latrocínio (art. 157, parágrafo 3.º, segunda parte, do C.P.) ou o delito de extorsão mediante seqüestro com o evento morte (art. 159, parágrafo 3.º, do C.P.), ambos crimes contra o patrimônio, indiscutivelmente graves, desde que o processo tenha tramitado regularmente, não terá um segundo julgamento, e as penas cominadas a tais delitos também são de grande monta.
Outro não é o entendimento de Vicente Greco Filho, trazido à colação pela r. decisão recorrida.
Diante do exposto, nega-se provimento a presente Carta Testemunhável.
(…)? (fls. 38/40).
Concedo a ordem de habeas corpus.
Esta, a letra do artigo 607 do Código de Processo Penal:
?Art. 607. O protesto por novo júri é privativo da defesa, e somente se admitirá quando a sentença condenatória for de reclusão por tempo igual ou superior a 20 anos, não podendo em caso algum ser feito mais de uma vez.
§ 1.º Não se admitirá protesto por novo júri, quando a pena for imposta em grau de apelação (art. 606).
§ 2.º O protesto invalidará qualquer outro recurso interposto e será feito na forma e nos prazos estabelecidos para interposição da apelação.
§ 3.º No novo julgamento não servirão jurados que tenham tomado parte no primeiro.?
O protesto por novo júri, conforme exsurge da letra do artigo 607 do Código de Processo Penal, é recurso privativo da defesa contra decisões que imponham ao réu pena igual ou superior a 20 anos de reclusão, não se exigindo, por certo, que tal pena seja decorrente de crime doloso contra a vida, da competência originária do júri.
O único requisito é que a pena igual ou superior a 20 anos de reclusão tenha sido aplicada em razão de um só crime, ainda que, como na espécie, o agente tenha sido absolvido da sanção do crime da competência do Tribunal do Júri mas condenado em razão do crime conexo.
Esse, o entendimento desta Corte Federal Superior, conforme se infere do seguinte precedente da Egrégia Quinta Turma:
?HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. CRIME DE LATROCÍNIO. CONDENAÇÃO PROFERIDA PELO TRIBUNAL DO JÚRI. COMPETÊNCIA. CRIME CONEXO. PENA UNITÁRIA SUPERIOR À VINTE ANOS. PROTESTO POR NOVO JÚRI. CABIMENTO.
1. A lei processual, mormente o disposto no art. 607, do Código de Processo Penal, não exige como requisito de cabimento do recurso de protesto por novo júri que se trate de crime doloso contra a vida, não fazendo distinção se o crime julgado pela instituição do Tribunal do Júri é de competência ?originária? ou decorrente da conexão.
2. Consagrado pelo Supremo Tribunal Federal o entendimento de que ?a competência penal do Júri possui extração constitucional, estendendo-se – ante o caráter absoluto de que se reveste e por efeito da vis attractiva que exerce – às infrações penais conexas aos crimes dolosos contra a vida?, não há, portanto, como obstar o direito do condenado a novo julgamento pelo Tribunal do Júri.
3. Ordem concedida para reformar o acórdão ora impugnado e assegurar ao paciente o direito de ser submetido a novo julgamento popular, em razão de ter exercitado, em tempo oportuno, a pretensão recursal ao protesto por novo júri.? (HC 24.732/SC, Relatora Ministra Laurita Vaz, in DJ 27/9/2004).
E também da doutrina, verbis:
?A soma das penas de réu condenado, no Tribunal do Júri, por vários crimes, ultrapassando vinte anos, não confere direito à interposição do protesto por novo júri. É preciso que o montante de vinte anos ou mais seja em decorrência de um único delito, ainda que conexo ao crime contra a vida. Admite-se, ainda a possibilidade de protesto por novo júri quando a pena igual ou superior a 20 anos advém de crime continuado, afinal é este considerado, embora ficção jurídica, crime único (art. 71, CP)? (Nucci, Guilherme de Souza, in Código de Processo Penal Comentado, Editora Revista dos Tribunais, 3.ª edição – nossos os grifos).
Pelo exposto, concedo a ordem de habeas corpus para, reformando o acórdão estadual, determinar que o paciente seja submetido a novo julgamento pelo Júri.
É O VOTO.
Decisão unânime, votando com o Relator os Ministros Paulo Gallotti e Paulo Medina.
Ronaldo Botelho é advogado e professor da Escola da Magistratura.