Processo penal. Habeas corpus. Recurso em sentido estrito…

Ausência de intimação para apresentação das contra-razões. Nulidade. Ocorrência. Ofensa aos princípios da ampla defesa e do contraditório. Constrangimento ilegal evidenciado. Ordem concedida.

HABEAS CORPUS N.º 61.440-SP
R. p/Acórdão: Min. Arnaldo Esteves Lima
EMENTA

1. O Superior Tribunal de Justiça tem entendimento no sentido de que a ausência de intimação da defesa para apresentar contra-razões ao recurso do Ministério Público (art. 588 do CPP), interposto contra o não-recebimento da denúncia, viola os princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa.
2. Uma vez verificado que a paciente não teve oportunidade de apresentar as contra-razões ao recurso em sentido estrito, a melhor solução é abrir essa oportunidade para que ela possa exercer o seu direito à ampla defesa e ao contraditório, e assim regularizar a sua situação processual, direito concedido aos demais investigados e não a ela.
3. Ordem concedida para anular o julgamento do Recurso em Sentido Estrito 144.241.5/1, proferido pela 12.ª Câmara do Tribunal de Alçada Criminal do Estado de São Paulo, a fim de que seja dada a oportunidade à paciente de apresentar as contra-razões ao recurso.
(STJ/DJU de 24/11/08)

O Superior Tribunal de Justiça por sua 5.ª Turma, Relator o Ministro Arnaldo Esteves Lima decidiu que a ausência de intimação da defesa para apresentar contra-razões ao recurso do Ministério público (art. 588 do CPP) interposto quanto ao não recebimento da denúncia viola os princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa.
Consta do Relatório e do voto do Ministro Relator:

RELATÓRIO

A Exma. sra. Ministra Laurita Vaz:
Trata-se de habeas corpus, com pedido liminar, impetrado em favor de MARIA REGINA YASBEK, apontando-se como autoridade coatora o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

Segundo consta dos autos, foi instaurado inquérito policial, sendo a ora Paciente uma das investigadas, para apurar fato relatado no boletim de ocorrência lavrado em 20 de maio de 2001, noticiando a ocorrência de ‘furto consumado’, além de possíveis crimes envolvendo direito autoral, propriedade intelectual e concorrência desleal, que teria sido praticado na sede da empresa ‘Internetco Investiments’ e de ‘Nexxy Capital Brasil’.

O Ministério Público promoveu pedido de arquivamento do inquérito policial, pelo crime de furto, diante da ausência de provas suficientes para o início da ação penal, e, com “relação ao delito previsto no art. 195, X, XI e XII, da Lei 9.279/96 e qualquer outro envolvendo direito autoral, propriedade intelectual, concorrência desleal e divulgação de segredo intelectual ou material, cuja ação é privada, requereu a extinção da punibilidade, em favor dos imputados, em razão da decadência; quanto aos eventuais crimes previstos no art. 151 e art. 153, do Código Penal, pediu que seja declarada a extinção da punibilidade, em razão da decadência do direito de representação” (fls. 16/17).

O pedido ministerial foi deferido pelo Juiz do Departamento de Inquéritos Policiais e Corregedoria da Polícia Judiciária -DIPO para: “a) arquivar este inquérito policial, em relação ao crime do art. 155, do Código Penal, com a ressalva do art. 18, do Código de Processo Penal; b) em relação aos crimes previstos no art. 195, X, XI e XII, da Lei n.º 9.279/96 e qualquer outro envolvendo direito autoral, propriedade intelectual, concorrência desleal e divulgação de segredo intelectual ou material, e os previstos nos arts. 151 e 153, do Código Penal, julgar extinta a punibilidade em favor de DENYS RODRIGUES, JOSÉ LUIZ GALEGO JÚNIOR, CLAUDIOMIR ZANINI e MARIA REGINA YASBEK, […], com fundamento no art. 107, IV, do Código Penal.” (fl. 23)

Contra tal decisão foi interposto recurso em sentido estrito que, segundo as informações constantes na própria petição protocolizada pela vítima, “foi indeferido o processamento do aludido recurso, ressaltando-se que a decisão guerreada não era recorrível. Foi então interposta carta testemunhável e apresentadas as respectivas razões. Nelas demonstrou-se que o provimento jurisdicional em questão era passível de recurso, por não se tratar de mero despacho. […]. A carta testemunhável foi deferida pelo E. Tribunal de Alçada Criminal, mas não foi julgado o mérito do recurso em sentido estrito porque os investigados não haviam tido a oportunidade de oferecer contra-razões.” (fls. 25/26)

Posteriormente, o Tribunal de Justiça paulista proferiu a decisão no recurso em sentido estrito, “para determinar o normal prosseguimento do inquérito policial, visando a apuração da prática dos delitos tipificados nos arts. 195, X, XI e XII, da Lei n.º 9.279/96 e 151 e 153, do Cód. Penal” (fl. 45). O referido decisum, aliás, restou assim ementado:

“CONCORRÊNCIA DESLEAL – Decadência – Ação que se procede mediante queixa – Perícia não concluída – Não ocorrência da decadência – Nos crimes contra a propriedade imaterial, dentre eles o de concorrência desleal, o prazo do art. 529 do Cód. Proc. Penal, exigindo a prévia conclusão da perícia para o início da decadência, prepondera, por ser específico, sobre o disposto nos arts. 38 do CPP e 103 do CP.” (fl. 36)

Houve, então, a impetração do presente habeas corpus, no qual o Impetrante alega a existência de constrangimento ilegal contra a ora Paciente, “que figurou como investigada no inquérito policial, sobre quem se imputou uma série de crimes, não foi intimada para oferecer contra-razões ao recurso em sentido estrito, por meio do qual se ressuscitou o inquérito policial (doc. 3).” Ressalta que “somente o investigado José Luiz Galego Júnior e seu ilustre defensor puderam manifestar-se contra-arrazoando” (fls. 03/04).
Aduz, assim, ser manifesta a nulidade do processamento do recurso em sentido estrito, porque a então recorrida não teve oportunidade de se defender.

Requer, assim, liminarmente, “a sustação do inquérito policial até a apreciação do mérito do presente writ” (fl. 07), quando deverá ser concedida a ordem para anular o julgamento “do recurso em sentido estrito a fim de ser dada oportunidade para que a paciente possa oferecer as contra-razões ao recurso em sentido estrito, direito concedido aos demais investigados, mas não a ela” (fl. 07).
O pedido de liminar foi deferido nos termos da decisão de fls. 57/59, para “sustar o andamento do inquérito policial em que se apura o seu suposto envolvimento nos delitos tipificados nos arts. 195, X, XI e XII, da Lei n.º 9.279/96 e 151 e 153, do Código. Penal.”
As judiciosas informações foram prestadas às fls. 84/384, com a juntada de peças processuais pertinentes à instrução do feito.

O Ministério Público Federal manifestou-se às fls. 386/389, opinando pela denegação da ordem, tendo em vista a “existência, nos autos, de Certidão de Serventia, dando notícia de que a paciente foi intimada, na pessoa de seu advogado, na via do D.O.”.
O Impetrante juntou contra-razões ao parecer ministerial, afirmando que a intimação se deu em relação à carta testemunhável, ajuizada porque o Juiz de primeiro grau negou seguimento ao recurso em sentido estrito.

Por intermédio da petição protocolizada sob o n.º 213508/2007, o Impetrante afirmou que o Juízo do Departamento de Inquéritos Policiais remeteu os autos à Delegacia de Polícia para continuidade das investigações, tendo supostamente contrariado decisão liminar concedida por esta Relatora.

Diante disso, oficiei ao Tribunal a quo, solicitando informações a respeito do cumprimento da decisão que deferiu o pedido de liminar.
Em resposta, a Corte paulista noticiou que “a Juíza de Direito determinou a continuidade das investigações apenas em relação ao delito previsto no art. 10 de Lei n.º 9.296/96” (fl. 440).

Voto vencedor

Ministro Arnaldo Esteves Lima:

Conforme relatado pela eminente Ministra LAURITA VAZ, o impetrante pede a nulidade do acórdão “do recurso em sentido estrito a fim de ser dada oportunidade para que a paciente possa oferecer as contra-razões ao recurso em sentido estrito, direito concedido aos demais investigados, mas não a ela” (fl. 7).

A ordem merece ser concedida.

Com efeito, o Superior Tribunal de Justiça tem entendimento no sentido de que a ausência de intimação da defesa para apresentar contra-razões ao recurso do Parquet (art. 588 do CPP), interposto contra o não-recebimento da denúncia, viola os princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa (HC 30.724/SC, Rel. Min. JOSÉ ARNALDO DA FONSECA, Quinta Turma, DJ de 10/5/04).

Na hipótese em exame, colho do voto da relatora que o Ministério Público promoveu pedido de arquivamento do inquérito policial, que foi deferido pelo Juiz do Departamento de Inquéritos Policiais e Corregedoria da Polícia Judiciária DIPO. Inconformadas, as vítimas interpuseram recurso em sentido estrito, que foi provido “para determinar o normal prosseguimento do inquérito policial, visando a apuração da prática dos delitos tipificados nos arts. 195, X, XI, e XII, da Lei n.º 9.279/96 e 151 e 153, do Cód. Penal” (fl. 45).

Dessa forma, verifica-se que a paciente não teve a oportunidade de apresentar as contra-razões, motivo pelo qual, dentro desse contexto, a melhor solução é abrir essa oportunidade para que ela possa exercer o seu direito à ampla defesa e ao contraditório, e assim regularizar a sua situação processual, direito concedido aos demais investigados e não a ela.

Ante o exposto, concedo a ordem para anular o julgamento do Recurso em Sentido Estrito 144.241.5/1, proferido pela 12.ª Câmara do Tribunal de Alçada Criminal do Estado de São Paulo, a fim de que seja dada a oportunidade à paciente de apresentar as contra-razões ao recurso.

É como voto. Decisão por maioria, votando com o Relator os Ministros Napoleão Nunes Maia Filho e Jorge Mussi.

Ronaldo Botelho é advogado e professor da Escola da Magistratura.