Processo penal. Habeas Corpus…

Processo penal. Habeas Corpus. Homicídio qualificado tentado. Acórdão. (1) Preliminar. Simples transcrição do parecer ministerial. (2) Mérito. Mera reprodução da decisão impugnada. Art. 93, IX, CF. Violação. Constrangimento ilegal. Ocorrência.

HABEAS CORPUS N.º 90.684-RS
Rel.: Min. Paulo Gallotti
R.p/acórdão: Min.ª Maria Thereza de Assis Moura
EMENTA

1. Trata-se de idéia-força, voltada ao prestígio do Estado Democrático de Direito: as decisões do Poder Judiciário devem ser motivadas (art. 93, IX, CF). Neste mister, é facultado ao tribunal reportar-se ao parecer ministerial ou aos termos do ato atacado, todavia, a bem de se prestigiar a dialeticidade, expressão do contraditório, é imperioso que acrescente fundamentação que seja de sua autoria.

2. Ordem concedida para reconhecer a nulidade do feito, devendo-se refazer o julgamento do aresto atacado, promovendo-se a fundamentação do decisum, de modo a enfrentar os argumentos contrapostos no recurso.
(STJ/DJe de 13/4/09)

Decidiu a Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por empate na votação anular decisão do Tribunal de Justiça que limitou-se a reportar-se ao parecer ministerial ou aos termos do ato atacado. Todavia, a bem de se prestigiar a dialeticidade, expressão do contraditório, é imposto que acrescente fundamentação que seja de sua autoria.

Ordem concedida para reconhecer a nulidade do feito, devendo-se refazer o julgamento do aresto atacado, promovendo-se a fundamentação do decisum, de modo a enfrentar os argumentos contrapostos no recurso.
Constam dos votos vencido e vencedor.

Voto vencido do Ministro Paulo Gallotti:

Voto vencedor da Ministra Maria Thereza de Assis Moura:

Senhor Ministro Paulo Gallotti (Relator): Tenho, contudo, que o pedido deve ser denegado, uma vez que esta Corte tem entendimento pacificado no sentido de que não constitui nulidade processual, por falta de fundamentação, a adoção como razão de decidir dos fundamentos expostos no parecer ministerial ou na sentença recorrida.

São os precedentes:

A – “RECURSO ESPECIAL. DIREITO PENAL. GESTÃO FRAUDULENTA. AUSÊNCIA DE ANÁLISE DE TODAS AS TESES DEFENSIVAS. DESNECESSIDADE. OMISSÃO. INEXISTÊNCIA. SÚMULA N.º 83, DO STJ. ALEGAÇÃO DE OFENSA AO ART. 619, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. NÃO-CONFIGURAÇÃO. AUSÊNCIA DE PODER DE GESTÃO. ATIPICIDADE. SÚMULA N.º 07, DO STJ. CERCEAMENTO DE DEFESA. INEXISTÊNCIA. FEITO JULGADO, APÓS AFETAÇÃO, POR ÓRGÃO FRACIONÁRIO DE MAIOR GRADUAÇÃO. POSSIBILIDADE. ADIADO O JULGAMENTO, NÃO HÁ NECESSIDADE DE NOVA INTIMAÇÃO, CABENDO, AO ADVOGADO, DILIGENCIAR ACERCA DA NOVA DATA. PRECEDENTES DO STJ E DO STF.

1. O julgador não está obrigado a responder todas as questões e teses deduzidas pela defesa, sendo suficiente que
exponha de forma clara os fundamentos que embasam sua decisão.

2. A adoção de fundamentos da sentença monocrática ou do parecer ministerial pelo órgão colegiado não constitui nulidade processual, desde que o acórdão examine a matéria de forma devidamente fundamentada.

(…)

10. Recurso parcialmente conhecido e, nessa parte, desprovido.”

(REsp n.º 823.056/PR, Relatora a Ministra LAURITA VAZ, DJU de 20/11/2006)

B – “CRIMINAL. HC. EXTORSÃO QUALIFICADA. SENTENÇA. ACÓRDÃO CONFIRMATÓRIO DA SEGREGAÇÃO. NULIDADE. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO ADEQUADA. NÃO OCORRÊNCIA. ADOÇÃO DAS RAZÕES DO PARECER MINISTERIAL. POSSIBILIDADE. SENTENÇA CONDENATÓRIA. NEGATIVA AO APELO EM LIBERDADE. SUPERVENIÊNCIA DE JULGAMENTO DA APELAÇÃO. RECURSOS EXCEPCIONAIS. AUSÊNCIA DE EFEITO SUSPENSIVO. MANDADO PRISIONAL. EFEITO DA CONDENAÇÃO. ORDEM DENEGADA.

Os fundamentos da peça ministerial, adotados pelo acórdão recorrido, amparam a confirmação da sentença condenatória, eis que partem da análise do conjunto fático-probatório para caracterizar o crime de extorsão qualificada.
A adoção das conclusões do parecer do Ministério Público como razões de decidir não constitui nulidade, motivo pelo qual não há que se falar em constrangimento ilegal decorrente da mantença da condenação dos pacientes.

(…)

Ordem denegada.”

(HC n.º 62.083/SE, Relator o Ministro GILSON DIPP, DJU de 18/12/2006)

C – “HABEAS CORPUS. PECULATO. DOSIMETRIA. PENA BASE ACIMA DO MÍNIMO. ALEGAÇÃO DE CONSTRANGIMENTO. INDIVIDUALIZAÇÃO OPERADA. FUNDAMENTAÇÃO SUCINTA ADEQUADA. REGIME. IMPOSIÇÃO DO FECHADO SEM A DEVIDA INDICAÇÃO CONCRETA. NULIDADE. EXAME DE PROVA.

(…)

A adoção dos fundamentos da sentença de primeiro grau e do parecer ministerial como razões de decidir do acórdão não constitui nulidade processual. Precedentes.

Ordem concedida em parte para tão-somente fixar o regime semi-aberto.”

(HC n.º 39.857/RJ, Relator o Ministro JOSÉ ARNALDO DA FONSECA, DJU de 7/3/2005)

No caso, o relator do acórdão, ao manifestar-se sobre a preliminar de desentranhamento do inquérito policial, adotou como motivo para decidir o parecer do Ministério Publico, que opinava pelo indeferimento do pedido por falta de previsão legal, atendido, dessa forma, o disposto no art. 93, IX, da Constituição Federal.

Ao pronunciar-se sobre o mérito do recurso, a 2.ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, analisando os argumentos expostos, acolheu o voto do relator que ratificava o entendimento esposado na sentença de pronúncia, transcrevendo-a, não ficando caracterizado, na linha do entendimento adotado por esta Corte, o alegado constrangimento ilegal.

Diante do exposto, denego o habeas corpus.

É como voto.

VOTO-VENCEDOR

Ministra Maria Thereza De Assis Moura:

O presente writ, inicialmente de relatoria do eminente Ministro Paulo Gallotti, foi assim relatado:

Trata-se de habeas corpus impetrado em favor Eduardo Machado Carvalho, pronunciado como incurso no art. 121, § 2.º, incisos I e IV, c/c o art. 14, inciso II, ambos do Código Penal, apontando como autoridade coatora o Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul.

Sustenta o impetrante ser nulo o acórdão por falta de fundamentação, vez que, no tocante à preliminar, adotou o parecer do Ministério Público e, no mérito, limitou-se a reproduzir a sentença de pronúncia.

Dispensadas as informações, o Ministério Público Federal opinou pela concessão do writ.

Pelo seu voto, o primeiro relator denegou a ordem, reportando-se a entendimento desta Corte no sentido de não ser nulo o acórdão que adota como razão de decidir os fundamentos expostos no parecer ministerial ou na decisão recorrida.

Na sequência, inaugurei a divergência, concedendo a ordem.

Acompanhando o entendimento esposado pelo culto relator, também denegou a ordem o preclaro Ministro Og Fernandes.

Seguiu-se o voto do ilustrado Ministro Nilson Naves, acompanhando a divergência, que prosperou em razão do empate, benéfico ao paciente.

A ordem foi concedida em razão do entendimento lastreado nos seguintes fundamentos.

A posição firmada por esta Ministra, que teve aplicação no caso sob lentes, embasa-se no comando do art. 93, IX, da Constituição Federal.

O dever de motivar as decisões implica necessariamente cognição efetuada diretamente pelo órgão julgador. Pode o Ministério Público, de forma cooperativa, fornecer subsídios para o Judiciário cumprir o seu dever constitucional de deliberar fundamentadamente. Todavia, não é de se admitir a construção lógica calcada em argumentos fornecidos por órgão que, inclusive, corporifica um dos polos da relação jurídico-processual.

Embora concorde que o juiz possa se reportar à manifestação do Parquet, acredito que esta não pode ser a única razão para decidir, sendo de rigor acrescentar fundamentação que seja própria do órgão judicante.

Ademais, no que concerne à atuação do Tribunal de segundo grau que simplesmente procede a mera repetição da decisão de primeiro grau impugnada, penso que também há aí desrespeito ao regramento do art. 93, IX, da Constituição Federal. Paralelamente, acredito que também haveria prejuízo para a garantia do duplo grau de jurisdição, na exata medida em que simplesmente repetir-se o original provimento não conduz a substancial revisão judicial da primitiva decisão, mas cômoda reiteração.

De forma similar ao já afirmado em relação ao parecer ministerial, acredito ser possível adotar-se como razão de decidir os termos da pronúncia, mas há de se trazer ao contexto os argumento contrapostos nas razões e contrarrazões recursais, de tal forma a viabilizar a salutar dialeticidade, expressão da garantia do contraditório.

A propósito, confira-se a seguinte lição de doutrina:

Como define Taruffo, existe motivação ad relationem quando sobre um ponto decidido o juiz não elabora uma justificação autônoma ad hoc, mas se serve do reenvio à justificação contida em outra decisão.

(…)

De outro lado, também é duvidoso que mediante essa prática seja atendida aquela função essencial de garantia da efetiva e adequada cognição judicial a respeito do tema decidido. Ao adotar integralmente as razões apresentadas para justificar outra decisão proferida em fase distinta do procedimento, e até mesmo por órgão diverso, com freqüência o juiz acaba por omitir a inafastável valoração crítica sobre os argumentos a que adere, ou o que é mais grave, deixa de considerar elementos supervenientes que deveriam levar, senão a outra solução, pelo menos à indicação dos motivos pelos quais não devem alterar a conclusão antes adotada.

É o que ocorre, por exemplo, nas situações bastante corriqueiras em que no julgamento de um recurso são simplesmente adotadas as razões da decisão recorrida; isso revela que o órgão competente, para decidir sobre a impugnação, na verdade não reapreciou efetivamente, como era devido, o conteúdo da decisão impugnada, diante dos argumentos oferecidos pelo recorrente. O mínimo que se exige, nessa hipótese, é a indicação do porquê foram confirmadas as razões da decisão reexaminada e não acolhidas as críticas formuladas na impugnação.

(…)

O terceiro requisito diz respeito à legitimidade do autor do texto a que se faz referência para justificar a decisão judicial. Como salienta Amodio, não é possível admitir a relatio a atos processuais provenientes de sujeitos diversos do juiz ou juízes que tenham tomado parte na deliberação, como ocorre em relação aos pareceres dos peritos, que fornecem máximas de experiência e conclusões que podem ser inseridas no discurso justificativo, mas somente na medida em que o juiz demonstra tê-las valorado criticamente, para depois aplicá-las na formação do seu convencimento.

Quanto a este aspecto, é preciso fazer uma referência destacada ao generalizado costume, sobretudo no juízo criminal, de se adotar como razão de decidir o conteúdo de pronunciamentos do órgão do Ministério Público. Essa prática, além de não atender à apontada exigência de legitimidade, transferindo o ônus de motivar a sujeito diverso, também pode comprometer um dos objetivos processuais da motivação, que é assegurar a imparcialidade da decisão, pois não é certo que as próprias razões do provimento sejam dadas por uma das partes. (GOMES FILHO, Antonio Magalhaes. A motivação das decisões penais. São Paulo: Ed. RT, 2001, p. 199-202).

Sublinhe-se o conhecimento da existência de precedentes desta Corte e do Pretório Excelso em sentido contrário:
(…) ADOÇÃO DO PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO COMO RAZÕES DE DECIDIR. INOCORRÊNCIA DE NULIDADE.

I – Não há nulidade no decisum, por falta de fundamentação, se este adota como razões de decidir o parecer do Ministério Público.

(Precedentes).

(STJ, HC 110.940/RS, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 4/12/2008, DJe 9/2/2009)

(…)

2. A adoção de fundamentos da sentença monocrática ou do parecer ministerial pelo órgão colegiado não constitui nulidade processual, desde que o acórdão examine a matéria de forma devidamente fundamentada.

(…)

(STJ, REsp 823056/PR, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 24/10/2006, DJ 20/11/2006 p. 358)
“Habeas corpus”. – Esta Corte tem entendido que esta fundamentada decisão que adota como razão de decidir a fundamentação, que transcreve, do Ministério Público que atua como “custos legis” (assim, no A.I. 140.524 e no HC 69.848). – A fixação da pena, porem, se fez sem a observância dos preceitos legais pertinentes. “Habeas corpus” deferido em parte, estendendo-se essa concessão parcial ao co-réu que se encontra, objetivamente, na mesma situação. (STF, HC 70607, Relator(a): Min. MOREIRA ALVES, PRIMEIRA TURMA, julgado em 9/11/1993, DJ 4/3/1994 PP-03289 EMENT VOL-01735-01 PP-00093)

Todavia, de acordo com a convicção desta Ministra, é possível promover uma nova reflexão sobre o tema, a partir da releitura da extensão do comando inserto no art. 93, IX, da Constituição Federal.

Ante o exposto, com todas as vênias ao entendimento acolhido pelos eminentes Ministros Paulo Gallotti e Og Fernandes, pelo meu volto, concede-se a ordem a fim de reconhecer a nulidade do feito, devendo-se refazer o julgamento do aresto atacado, promovendo-se a fundamentação do decisum, de modo a enfrentar os argumentos contrapostos no recurso.

É como voto.

Votou com a Relatora Ministra Maria Thereza de Assis Moura o Senhor Ministro Nilson Naves e em sentido contrário os Senhores Ministros Paulo Gallotti e Og Fernandes.

Ronaldo Botelho é advogado e professor da Escola da Magistratura.