Processo penal. Condenação do réu baseada em reconhecimento fotográfico na fase inquisitória. Inadmissibilidade

“HABEAS CORPUS N.º 22.907/SP

Rel.: Min. Félix Fischer

EMENTA – I – É firme o entendimento jurisprudencial no sentido de que o reconhecimento fotográfico, como meio de prova, é plenamente apto para a identificação do réu e fixação da autoria delituosa, desde que corroborado por outros elementos idôneos de convicção.

II – In casu, a sentença condenatória do paciente se baseou, fundamentalmente, no reconhecimento fotográfico do acusado na fase inquisitória, quase um ano após a ocorrência dos fatos, o que não se mostra suficiente para sustentar a condenação do acusado.

Writ concedido.”

(STJ/DJU de 4/8/03, pág. 337)

Na presente decisão posta em destaque, da Quinta turma do Superior Tribunal de Justiça, relator o ministro Félix Fischer, considerou a Corte que o reconhecimento fotográfico somente poderá servir de base a decisão condenatória, desde que acompanhado por outros elementos de convicção.

Consta do voto do relator:

O Exmo. Sr. Ministro Felix Fischer: A irresignação do impetrante merece acolhida.

É entendimento jurisprudencial que o reconhecimento fotográfico, como meio de prova, corroborado por outros elementos de convicção, é plenamente apto para a identificação do réu e fixação da autoria delituosa. Aliás, esse tem sido o entendimento esposado por esta Corte Superior, conforme se verifica do seguinte precedente:

“RECURSO EM HABEAS CORPUS INTEMPESTIVO. PENAL E PROCESSO PENAL. LATROCÍNIO. NULIDADES DO PROCESSO PENAL CONDENATÓRIO. CONHECIMENTO E DESPROVIMENTO.

(…)

“A jurisprudência pátria tem atribuído valor probante ao reconhecimento fotográfico no processo penal, desde que acompanhado e reforçado por outros elementos de convicção, tal como ocorre no caso dos autos.”

(…)

Recurso desprovido.”

(RHC 8.980/MG, Rel. Min. José Arnaldo da Fonseca, DJU de 17/12/99).

No mesmo sentido, os seguintes julgados do Pretório Excelso:

“I. Habeas-corpus: cabimento na pendência de indulto condicional (D. 1.860/96). II. Princípio do contraditório e provas irrepetíveis. O dogma derivado do princípio constitucional do contraditório de que a força dos elementos informativos colhidos no inquérito policial se esgota com a formulação da denúncia tem exceções inafastáveis nas provas – a começar do exame de corpo de delito, quando efêmero o seu objeto, que, produzidas no curso do inquérito, são irrepetíveis na instrução do processo: porque assim verdadeiramente definitivas, a produção de tais provas, no inquérito policial, há de observar com rigor as formalidades legais tendentes a emprestar-lhe maior segurança, sob pena de completa desqualificação de sua idoneidade probatória. III. Reconhecimento fotográfico. O reconhecimento fotográfico à base da exibição da testemunha da foto do suspeito é meio extremamente precário de informação, ao qual a jurisprudência só confere valor ancilar de um conjunto de provas juridicamente idôneas no mesmo sentido: não basta para servir de base substancial exclusiva de decisão condenatória.”

(HC 74.751/RJ, 1.ª Turma, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJU de 3/4/98).

“HABEAS CORPUS. PROVA. RECONHECIMENTO FOTOGRÁFICO. O reconhecimento fotográfico tem valor probante pleno quando acompanhado e reforçado por outros elementos de convicção. Habeas corpus indeferido.”

(HC 74.267/SP, 2.ª Turma, Rel. Min. Francisco Rezek, DJU de 28/2/97).

“PENAL. PROCESSUAL PENAL. “HABEAS CORPUS”. RECONHECIMENTO FOTOGRÁFICO. CRIME TENTADO. REDUÇÃO DA PENA. I. – Reconhecimento fotográfico apoiado em outros elementos de prova: legitimidade. II. – Correta a redução apenas de um terço da pena pela tentativa, dadas as circunstâncias em que o crime foi cometido. III. – H.C. indeferido. ”

(HC 73.688/SP, 2.ª Turma, Rel. Min. Carlos Velloso, DJU de 23/8/96).

“Reconhecimento fotográfico: não cabe, em habeas-corpus, declarar a nulidade de sentença condenatória, sob o fundamento de invalidade do reconhecimento fotográfico do réu, se a decisão se fundou também em outros meios de prova, cuja licitude não se contesta e da suficiência dos quais não e dado perquirir neste procedimento sumario e documental.”

(HC 70.995/SP, 1.ª Turma, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJU de 24/6/94).

In casu, conforme se depreende dos documentos acostados aos autos, a condenação do paciente (sentença – fls. 16/28) fundamentou-se, basicamente, nos depoimentos das vítimas e no reconhecimento fotográfico dos réus na fase inquisitória, o qual se deu quase um ano após a ocorrência dos fatos, o que, ao que me parece, não se mostra suficiente para sustentar a condenação do acusado.

Aliás, esse foi o entendimento esposado pelo representante do Ministério Público Estadual, verbis:

“Caso, a nosso humilde ver, Excelências, é de deferimento do pleito, eis que é muito fraca a prova de autoria existente nos autos — não possibilitando espancar dúvidas que emergem em socorro do requerente.

Como bem destacado no pedido ora em análise, os dois Réus de nome Marcelo foram reconhecidos só na fase inquisitorial da instrução, quase um ano após a data dos fatos, e apenas por meio de fotografias. Aliás, tais fotos siquer estão nos autos para que se possa avaliar quão nítidas são.

Remate-se dizendo que fato de os suspeitos, segundo consta, se haverem recusado ao reconhecimento pessoal. apesar de presos (cf. fls. 10 e 151), nem mesmo frágil Indicio é de que autores tenham sido do crime aqui em tela. D’outra parte, sem recriminar a nossa Policia Civil (abandonada, sem recursos, à própria sorte), indiscutível que recusa dos Acusados (certificada) não é justificativa para que os mesmos deixassem de ser submetidos ao procedimento mencionado. Se o Estado, por seus agentes e suas instituições, é fraco, e consegue reunir prova mínima contra cidadãos submetidos a seu poder soberano, não pode pretender condenar sem provas (com a justificativa ridícula de não ter conseguido exercer sua autoridade etc.), s.m.j..

Aplica-se, portanto: “A construção jurisprudencial no sentido de que, em tema de roubo, a palavra da vítima é o núcleo central da prova, não pode, evidentemente, estender-se até agasalhar isolada e insegura versão do sujeito passivo” (JUTACRIM 9/259; Relator: Haroldo Luz).” (Fls. 30/31).

No mesmo sentido, as judiciosas argumentações tecidas pela douta Magistrada do e. Tribunal de Alçada Criminal do Estado de São Paulo, no voto-vencido da Revisão Criminal n.º 354.470-9, em que o paciente figurava como revisionando:

“Segundo a denúncia, 27 de março de 1993, por volta de 20:00 horas, em São Sebastião-SP, o revisionando Marcelo de Souza Silva, juntamente com Marcelo dos Santos Beiline e Osmar Machado, no interior de residência, subtrairam vários objetos, entre eles jóias, mediante grave ameaça consistente no uso de arma de fogo.

No inquérito policial, as vítimas Djalma Fefim e Janete Gomes Arcanjo, proprietários do imóvel, reconheceram através de fotografia o revisionando Marcelo de Souza Silva e o co-réu Marcelo dos Santos Beiline.

Ocorre que referido reconhecimento, precário pela sua própria natureza, no caso presente, deu-se quase um ano após os fatos, ou seja, em 25 de fevereiro de 1994 (fls. 7/9).

Foi certificado nos autos que os dois encontravam-se detidos na Delegacia de Polícia de São Sebastião e que o reconhecimento pessoal não pode se realizar, ante a recusa de Marcelo e do companheiro em se submeter a tal procedimento (fl. 10).

Interrogado na polícia, tanto quanto o permaneceu calado (fls. 15/21).

De notar, que o boletim de ocorrência apenas faz menção à participação de três pessoas no roubo, dois morenos, e um branco (fls. 6/v.º).

Em Juízo, é certo, as vítimas confirmam a recognição através de fotos, sendo certo que, ouvidas na Comarca de Santo André, o revisionando e demais co-réus não se achavam presentes (fls. 150/151).

O reconhecimento levado a efeito na fase inquisitiva, com a devida vênia ao entendimento do eminente juiz Relator, porquanto decorrido quase um ano após os fatos, não se mostra apto a sustentar a condenação do revisionando. Mormente porque se trata de único indicativo a ligar o revisionando aos fatos, vez que em pode do mesmo não foi apreendido qualquer bem subtraído.

Além do mais, como bem ressaltou o ilustre procurador de Justiça Pedro Falabella Tavares de Lima, as fotografias que teriam dado ensejo ao reconhecimento do revisionando, sequer vieram aos autos, nem mesmo para que, em Juízo, pudesse ser renovado o ato.

É certo que o revisionando tem outros envolvimentos criminais, no entanto, tal circunstância não tem o condão de comprovar a participação do revisionando nos fatos em questão.

Na realidade, a prova reunida nos presentes autos, mostra-se absolutamente precária para dar sustentação a decisão condenatória.

Assim sendo, com renovada vênia, pelo meu voto, defere-se a presente revisão criminal para absolver, com fundamento no artigo 386, inciso VI, do Código de Processo Penal, o revisionando.” (Fls. 120/122).

Ante o exposto, voto pela concessão da ordem para absolver o paciente da condenação pelo art. 157, § 2.º, incisos I e II do Código Penal.

Decisão unânime, votando com o relator os ministros Gilson Dipp, Laurita Vaz e José Arnaldo da Fonseca.

Ronaldo Botelho

é advogado e professor da Escola da Magistratura.