“HABEAS CORPUS N.º 94.216-4 RJ
Rel.: Min. Marco Aurélio
EMENTA

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Estando preso o acusado, cumpre requisitá-lo para a audiência de oitiva de testemunhas, pouco importando encontrar-se em unidade da Federação diversa daquela na qual tramita o processo.

PROCESSO. NULIDADE. CUSTÓDIA PROVISÓRIA. PROJEÇÃO NO TEMPO.

Uma vez anulado o processo e verificada a projeção no tempo de custódia do acusado, impõe-se o relaxamento da prisão”.
(STF/DJe de 19/6/09)

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O Supremo Tribunal Federal, por sua Primeira Turma e por maioria de votos, concedeu ordem de habeas corpus para anular o processo em que o réu preso não foi requisitado para a audiência de oitiva de testemunhas, pouco importando encontrar-se em unidade da Federação diversa daquela na qual tramita o processo.

Uma vez anulado o processo e verificada a projeção no tempo de custódia do acusado, impõe-se o relaxamento da prisão.

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Votaram com o Relator Ministro Marco Aurélio, os Ministros Ricardo Lewandowski e Cármen Lúcia, vencido o Ministro Relator, quanto à extensão aos corréus e vencida a Ministra Cármen Lúcia, quanto ao deferimento.

Consta do voto do Relator:

O Senhor Ministro Marco Aurélio (Relator) À audiência designada para a instrução do processo é indispensável o comparecimento das partes, vale dizer, daquele que personifica o Ministério Público como titular da ação penal e do acusado, devendo este estar assistido profissionalmente. Apenas em situação excepcional, mostra-se possível ouvir testemunha sem a presença do acusado. Isso decorre do disposto no artigo 217 do Código de Processo Penal, que, antes da Lei n.º 11.690/08, tinha o seguinte teor:

Art. 217 Se o juiz verificar que a presença do réu, pela sua atitude, poderá influir no ânimo da testemunha, de modo que prejudique a verdade do depoimento, fará do depoimento, fará retirá-lo prosseguindo na inquirição, com a presença do seu defensor. Neste caso deverão constar do termo a ocorrência e os motivos que a determinaram.

Eis a nova redação do preceito:

Art. 217 Se o juiz verificar que a presença do réu poderá causar humilhação, temor, ou sério constrangimento à testemunha ou ao ofendido, de modo que prejudique a verdade do depoimento, fará a inquirição por videoconferência e, somente na impossibilidade dessa forma, determinará a retirada do réu, prosseguindo na inquirição, com a presença do seu defensor.

Parágrafo único. A adoção de qualquer das medidas previstas no caput deste artigo deverá constar do termo, assim como os motivos que a determinaram.

Vê-se a persistência da regra básica ligada a todo e qualquer processo a audição de testemunhas faz-se em audiência com a presença das partes. Encontrando-se o réu sob a custódia do Estado em outra localidade, deverá ser requisitado. Nesse sentido é a melhor doutrina:

(…)

O réu deverá, também, comparecer? Se o quiser. Notificado deverá ser. E se ele estiver preso? Bento de Faria professa: “Se estiver preso e não for possível ou conveniente o seu transporte para ali, a inquirição deverá ser assistia pelo defensor, que, então, lhe deverá ser nomeado ad hoc (cf. Código, cit., 1942, v. 1, p. 278).

Claro que a nomeação de defensor ad hoc somente se admite se o defensor, constituído ou nomeado, a despeito de notificado, não comparecer no local da diligência.

Espínola Filho, por seu turno, endossa o ensinamento de Bento de Faria (cf. Código, cit., v. 3, p. 134). Na jurisprudência, vejam-se: RT, 455/416; 435/381; 429/381; 391;301 e, inclusive, o pronunciamento do Excelso Pretório no DJU, 22/fev./1974, p. 896; DJU, 9/mar./1979, p. 1.585; RTJ, 63/776; DJU, 8/jun./1979, p. 4.534.

Sem embargo da opinião majoritária, entendemos ser indispensável o comparecimento do réu preso à audiência de instrução. Se estiver em liberdade, comparecerá se o quiser. Mas sua desatenção implicará revelia, nos termos do art. 366. Ora, se o não-comparecimento a qualquer ato do processo, desde que devidamente notificado, produz a revelia, é sinal de que o legislador julgou de suma importância a sua presença nos atos instrutórios. Não se concebe ampla defesa, como quer a Constituição, cadastrando-se o direito de o réu comparecer à audiência, onde, muitas vezes, poderá orientar seu defensor, no que tange à contradita e à formulação de certas reperguntas. Ao lado da defesa técnica, confiada a profissional habilitado, já proclamou a Suprema Corte, existe a denominada autodefesa, por meio da presença do acusado aos atos processuais. Vejam-se, neste sentido, RTJ, 46/653, 67/85. (TOURINHO, Fernando da Costa Filho, Processo Penal. 3.º Volume. 10.ª edição. Editora Saraiva, 1987, página 136).

(…)

No mesmo sentido: Antonio Magalhães Gomes Filho, Direito à Prova no Processo Penal, editora Revista dos Tribunais, páginas 154 e 155; Antonio Scarance Fernandes, Processo Penal Constitucional, 3.ª edição revista, atualizada e ampliada, editora Revista dos Tribunais.
No caso, mesmo diante do protesto do defensor do acusado, a audiência teve sequência, vindo à balha condenação. Insistiu a defesa no atendimento da formalidade legal, afastando, com isso, conforme ressaltado pela Procuradoria Geral da República, a preclusão no que esta Corte já consignou revelar nulidade relativa a falha na requisição do acusado para a audiência.

Concedo a ordem para assentar a nulidade do processo a partir da audiência de oitiva de testemunhas sem a presença do paciente. Com isso, dá-se o retorno do processo a tal quadra e a conclusão sobre não poder persistir a custódia do paciente, que fora preso, em flagrante, no dia 21 de outubro de 2006 (folha 117), sendo solto por força de liminar implementada, neste processo, em 10 de maio de 2008. Suplantada a questão da nulidade, concedo, de ofício, a ordem para tornar definitiva a medida acauteladora, tal como formalizada, alcançada, assim, a extensão.

Ronaldo Botelho é advogado e professor da Escola da Magistratura.