RECURSO ESPECIAL N.º 623.575/RO

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Rel.: Min. Nancy Andrighi

EMENTA

– O depoimento pessoal é ato personalíssimo, em que a parte revela ciência própria sobre determinado fato. Assim, nem o mandatário com poderes especiais pode prestar depoimento pessoal no lugar da parte.

Recurso parcialmente provido.

(STJ/DJU de 07/03/05)

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C.P.F, ora recorrido, ofereceu embargos à execução proposta pelo recorrente. O i. Juiz julgou improcedente o pedido e aplicou a pena de confissão ficta, por não ter o ora recorrido comparecido à audiência de instrução e julgamento, na qual prestaria depoimento pessoal.

Inconformado, o recorrido interpôs recurso de apelação que foi provido pelo Tribunal de Justiça do Estado de Rondônia para declarar nula a sentença, determinando o prosseguimento da instrução com a colheita do depoimento pessoal do ora recorrido, a ser prestado pelo próprio ou por mandatário com poderes especiais. Confira-se a ementa:

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?Embargos do devedor. Cerceamento de defesa. Depoimento pessoal. Mandatário com poderes especiais. Possibilidade de produção da prova. Confissão ficta. Aplicação indevida. Nulidade da sentença.

É legítima e válida como prova a oitiva do depoimento pessoal do autor por meio de mandatário com poderes especiais.

É indevida a aplicação da pena de confissão ficta se a parte estava representada no ato por procurador com poderes bastantes para prestar o depoimento pessoal, ainda mais se inexiste prova de que tenha sido regularmente advertida dos efeitos processuais da sua contumácia ou da eventual negativa de depor.?

Irresignado, o exequente M.E.M.S. interpôs recurso especial, alegando violação ao art. 343, § 2.º e 349 do CPC e dissídio jurisprudencial, sustentando que o depoimento pessoal é ato personalíssimo, não sendo, portanto, admitido que seja realizado por procurador com poderes especiais.

Admitido, o recurso especial veio a ser provido pela Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, relatora a ministra Nancy Andrighi, com o seguinte voto:

Discute-se a possibilidade de procurador com poderes especiais prestar depoimento pessoal no lugar da parte.

Há precedente da Quarta Turma deste STJ que defende a impossibilidade de terceiro prestar depoimento pessoal pela parte, ainda que lhe tenham sido conferidos poderes especiais. Confira-se neste sentido o Resp n.º 54.809, da relatoria do e. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, pub. no DJ de 10/6/96.

?PROCESSUAL CIVIL. DEPOIMENTO PESSOAL PRESTADO POR PROCURAÇÃO. CPC, ART. 343. IMPOSSIBILIDADE. PENA DE CONFISSÃO. APLICAÇÃO. NECESSIDADE DE INTIMAÇÃO PESSOAL. CIRCUNSTÂNCIAS DOS AUTOS QUE LEVAM A NÃO-APLICAÇÃO DA REFERIDA PENA. RECURSO DESPROVIDO.

I- O DEPOIMENTO PESSOAL, POR SER ATO PERSONALÍSSIMO, DEVE SER PRESTADO PELA PRÓPRIA PARTE, NÃO SE ADMITINDO O MESMO POR PROCURAÇÃO. (…)?

Verifica-se que o tema tem suscitado discussão na doutrina e na jurisprudência, daí a relevância desta Terceira Turma apresentar posicionamento sobre a matéria. Entretanto, desde logo é relevante ressaltar que o posicionamento a ser defendido aplica-se a pessoas físicas, pois, sendo a parte pessoa jurídica, em tese, diante das particularidades do caso concreto, possível seria adotar entendimento diverso.

O festejado professor Cândido Rangel Dinamarco, em sua obra intitulada ?Instituições de Direito Processual Civil?, volume II, define depoimento pessoal como sendo ?o meio de prova que tem por fonte as partes e destina-se a obter destas os informes que tiverem sobre os fatos relevantes para o julgamento da causa; as partes são fontes ativas dessa prova, da qual participam mediante um ato de vontade, que é a prestação do depoimento?.

Daí entender que a finalidade do depoimento pessoal é justamente a obtenção de esclarecimentos da parte sobre os fatos objeto da controvérsia. Esclarecimento de terceiro sobre os fatos discutidos na lide é obtido por meio de prova testemunhal.

Se a intenção do legislador fosse permitir que terceiro, com poderes especiais, pudesse prestar depoimento pessoal no lugar da parte teria assim, expressamente, estabelecido, como o fez no art. 349 do CPC, quando permitiu que a confissão espontânea fosse feita por mandatário com poderes especiais.

Ademais, interpretando os dispostivios de forma sistemática percebe-se que a vontade do legislador foi, efetivamente, atribuir à parte o ônus de prestar depoimento pessoal. No art. 342 do CPC, por exemplo, consta que o juiz determinará o ?comparecimento pessoal das partes, a fim de interrogá-las sobre os fatos da causa?.

Notório, portanto, que a finalidade é inquirir a própria parte e não seu mandatário. Neste sentido, relevante trazer à colação os ensinamentos do ilustre jurista Arruda Alvim. Confira-se:

?O depoimento, portanto, justamente porque pessoal, é, em regra, insuscetível de ?delegação?. E isto se deve à circunstância de ser o litigante – conhecedor dos fatos dos quais se pretende extrair uma conseqüência jurídica contra ele, ou, ainda, sabedor dos fatos que ele próprio alegou, contrapondo-se ao seu adversário 0 quem tem o ônus de prestar depoimento. Sentido prático algum teria, na verdade, admitir-se que o litigante delegasse a outrem a tarefa de depor, pois: a) este alguém não poderia saber de tais fatos, como o litigante sabe; b) de outra parte, ainda, poderia delegar tal tarefa a alguém altamente experimentado na vivência forense e, assim, frustar-se-iam os objetivos em função dos quais se disciplina o depoimento pessoal.? (Manual de Direito Processual Civil, volume 2).

Por outro lado, sem fundamento o argumento de que se o art. 349 do CPC estabelece que a confissão espontânea pode ser feita por mandatário com poderes especiais, da mesma forma seria possível terceiro, com poderes especiais, prestar depoimento pessoal no lugar da partes.

A confissão se dá em relação a fatos determinados. Já no depoimento pessoal as perguntas formuladas ao depoente são referentes a fatos variados, sendo inviável sua pré-determinação. Assim, somente a própria parte está habilitada a prestar os esclarecimentos necessários ao deslinde da controvérsia.

Neste sentido, importante transcrever os ensinamentos de Ernane Fidélis dos Santos invocados pelo e. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira em seu voto proferido no Resp 54.809. Confira-se:

?O depoimento pessoal não pode ser prestado por procurador, pois que se trata de ato personalíssimo, em que a parte revela ciência própria sobre determinado fato. Neste caso, para que o depoimento pessoal fosse possível, mister se constassem da procuração as próprias respostas a possíveis perguntas do juiz ou da parte. Mas, aí, o esclarecimento se esgotava já no próprio mandato, dispensável, portanto, a formalização do ato de depoimento pessoal.?

Verifica-se, portanto, que o Tribunal de origem se equivocou quando facultou que o depoimento pessoal fosse prestado pelo próprio recorrido ou por mandatário com poderes especiais.

Entretanto, o acórdão recorrido declarou nula a sentença e determinou o prosseguimento da instrução probatória com a coleta do depoimento pessoal do ora recorrido por dois fundamentos autônomos entre si: (i) possibilidade de procurador com poderes especiais prestar depoimento pessoal no lugar da parte e (ii) a parte não ter sido cientificada da ?presunção de veracidade dos fatos contra ela alegados? em caso de não comparecimento à audiência de instrução.

Assim, inviável reformar o acórdão em sua totalidade, pois o recorrente deixou de refutar o segundo argumento apresentado pelo Tribunal de origem.

Por outro lado, verifica-se que na parte dispositiva do acórdão recorrido consta que o depoimento pessoal a ser colhido pelo i. juiz poderá ser prestado pela própria parte ou ?por mandatário com poderes especiais?. E, como já esclarecido, este Tribunal entende ser inviável que procurador preste depoimento pessoal no lugar da parte, ainda que possua poderes especiais.

Forte em tais razões, CONHEÇO e DOU PROVIMENTO PARCIAL ao recurso especial para reformar, em parte, o acórdão recorrido apenas para retirar, da parte dispositiva, a possibilidade de que mandatário com poderes especiais preste depoimento pessoal no lugar do recorrido.

Decisão unânime, votando com o relator os ministros Castro Filho, Humberto Gomes de Barros e Carlos Alberto Menezes Direito.

Ronaldo Botelho é advogado e professor da Escola da Magistratura.