Processo civil. Investigação de paternidade. Exame de DNA. Conversão do julgamento em diligência. Possibilidade

EMENTA

Tratando-se de ação de estado, na qual o direito em debate é indisponível, o julgador não pode dispensar a ampla instrução, principalmente quando a feitura da prova foi devidamente requerida pelo autor.

Nada impede que o órgão julgador, para evitar decisão em estado de perplexidade, converta o julgamento em diligência para complementação de instrução probatória.

Recurso especial provido.

(STJ/DJU de 23/05/05, pág. 265)

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, Relator o Ministro Castro Filho, decidiu que, em processo de investigação de paternidade, cabe a produção de provas até mesmo por iniciativa do Juiz para que seja alcançada a verdade real.

Consta do voto do Relator:

O Exmo. Sr. Ministro Castro Filho (Relator): O Ministério Público do Estado do Paraná, ora recorrente, pretende a conversão do julgamento em diligência, para realização de exame de DNA, a fim de que se possa constatar, por meio de prova técnica de grande precisão, a veracidade das alegações do autor.

Esta Terceira Turma já decidiu, no julgamento do Recurso Especial n.º 278.926/MG, publicado no DJ de 08/10/2001, de relatoria do ilustre Ministro Carlos Alberto Menezes Direito, litteris:

?A produção de provas, até mesmo por iniciativa do Juiz, em processo de investigação de paternidade, é necessária para que se alcance a verdade real. Em ação do tipo, o cerceamento de defesa fica presente quando o Juiz não se adianta para descobrir os meios próprios para que os autores encontrem o verdadeiro pai.

Há dois precedentes, Relator o Senhor Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, mostrando que o julgador tem ?iniciativa probatória quando presentes razões de ordem pública e igualitária, como por exemplo, quando se esteja diante de causa que tenha por objto direito indisponível (ações de estado), ou quando o julgador, em face das provas produzidas, se encontre em estado de perplexidade ou, ainda, quando haja significativa desproporção econômica ou sociocultural entre as partes?, deixando o Juiz ?de ser mero expectador inerte da batalha judicial, passando a assumir uma posição ativa, que lhe permite, dentre outras prerrogativas, determinar a produção de provas, desde que o faça com imparcialidade e resguardando o princípio do contraditório? (REsp n.º 140.665/MG, 4.º Turma, DJ de 03/11/98; no mesmo sentido, do mesmo Relator, REsp n.º 43.467/MG).

De fato, na minha avaliação, configura-se o cerceamento de defesa quando, em ação de investigação de paternidade, o julgador limita-se a constatar formalmente a impossibilidade da prova, sem abrir oportunidades para que seja a verdade real descoberta, deixando inertes os autores, pessoas modestas, sem recursos, beneficiários da justiça gratuita, (…)?.

Assim, entendo assistir razão ao douto representante do Ministério Público Federal, quando afirma que o colegiado estadual não poderia ter dispensado a ampla instrução probatória reclamada pelas ações de estado, nas quais o direito em debate é indisponível, principalmente quando a feitura da prova foi devidamente requerida pelo autor (fls. 36). Deveria o órgão julgador, ante a incerteza em relação ao estado de filiação, ter determinado a realização do exame, na forma pretendida pelo recorrente.

Argumenta o egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Paraná que se deixou de realizar o exame, por não ser este ofertado pelo Município de Ibiporã. Entretanto, apesar de o autor ser menor impúbere e beneficiário da Justiça gratuita e, portanto, sem condições de arcar com as despesas necessárias à realização do apontado exame, pleiteado desde a inicial, afirma o recorrente ser possível a expedição de requerimento à Secretaria de Justiça do Estado do Paraná, a qual é conveniada com a Corregedoria de Justiça do mesmo ente federado, para que a prova pericial de DNA seja realizada às expensas da dela. Ademais, é de se ressaltar que, passados dez anos, as condições locais poderão ter-se alterado, de molde a permitir o exame ali mesmo. O que não se pode admitir é que, em situações como a dos autos, por entender insuficiente a prova, se julgue contra os interesses do investigante quando há meios técnico-científicos para se alcançar a verdade real, evitando-se julgamento em estado de perplexidade.

Pelo exposto, dou provimento ao recurso especial, para cassar a decisão recorrida, determinando o retorno dos autos ao tribunal de origem, a fim de ensejar a complementação da instrução probatória. Concluída a diligência, aquela egrégia Corte deverá proceder a outro julgamento.

É como voto.

Ministro Castro Filho

Relator

Decisão unânime, votando com o Relator os Ministros Antônio de Pádua Ribeiro e Nancy Andrighi.

Processual penal. Suspensão do processo. Cabimento do ?Habeas Corpus?

HABEAS CORPUS N.º 85.747-7-SP

Rel.: Min. Marco Aurélio

EMENTA

A suspensão do processo, operada a partir do disposto no artigo 89 da Lei n.º 9.099/95, não obstaculiza impetração voltada a afastar a tipicidade da conduta.

Não obstante a suspensão do processo, é possível a impetração de ?Habeas Corpus? para questionar a própria existência da ação penal. Assim decidiu o Supremo Tribunal Federal, através da Primeira Turma, Relator o Ministro Marco Aurélio, com o seguinte voto:

O Senhor Ministro Marco Aurélio (Relator) – Admito a impetração de forma parcial, não chegando ao exame de fundo da ação penal, ou seja, ao deslinde da questão alusiva à justa causa e à insignificância da lesão, ante as balizas do pronunciamento do Superior Tribunal de Justiça, restrito que ficou ao interesse de agir na via do habeas corpus.

Enquanto pendente a suspensão do processo, conta-se com parâmetros que podem levar à seqüência respectiva e à vinda à balha de condenação. Essa óptica foi endossada pelo Ministério Público. Nem mesmo a confissão do acusado e a prova robusta de certa prática obstaculizam a impetração, mormente quando discutida a tipicidade, ou não, do ato, isso sob o ângulo penal. Valho-me do convencimento que tive oportunidade de revelar quando do deferimento da medida acauteladora:

O que versado como causas de pedir deste habeas e daquele impetrado no Superior Tribunal de Justiça, tendo em conta também a matéria de fundo, possui seriedade, relevância sob o ângulo jurídico. Faço esta observação sem adentrar a queima de etapas, ou seja, tão-somente para emprestar respaldo ao exame apropriado neste habeas, que é o relativo à questão de se saber se, aceitando o acusado a proposta de suspensão do processo, prevista no artigo 89 da Lei n.º 9.099/95, pode vir, ou não, a ajuizar habeas para questionar a própria existência da ação penal.

O habeas possui envergadura maior, não se sujeitando às balizas atinentes à preclusão, sob o ângulo do tempo, da lógica ou da consumação. Não sofre as peias sequer da coisa julgada, servindo mesmo para, uma vez configurada a ilegalidade, vir a afastá-la do cenário jurídico. A vontade, em si, do acusado, do réu ou do condenado, ainda que mediante decisão judicial transitada em julgado, não mais sujeita a impugnação na via recursal, é irrelevante. O que cumpre ter presente é a possibilidade, ainda que latente e ante certo ato, de o paciente, por este ou aquele motivo, vir a sofrer cerceio na liberdade de ir e vir. Então, tem-se que, deixando o acusado de atentar para as condições fixadas quando da formalização do termo concernente à suspensão do processo, segue-se a retomada do curso da ação penal para prolação de sentença, no sentido de absolver ou condenar. É o suficiente para se assentar o interesse de agir na via do habeas corpus, mitigando-se o efeito da concordância com o que proposto pelo Ministério Público. O fato não obstaculiza o questionamento sobre a tipicidade, ou não, do que articulado na denúncia reveladora da peça primeira da ação penal.

Defiro parcialmente a ordem para que o Superior Tribunal de Justiça proceda ao exame da impetração, afastado o óbice vislumbrado. Fica mantida a liminar, em termos de verdadeira concessão da ordem, até o julgamento final a ser precedido pelo referido Tribunal.

Decisão unânime, votando com o Relator os Ministros Cezar Peluso, Carlos Britto e Eros Grau.

Ronaldo Botelho é advogado e professor da Escola da Magistratura.