RECURSO ESPECIAL N.º 208.898-SP

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Rel.: Min. Jorge Scartezzini

EMENTA

1 – Consoante entendimento desta Corte, o magistrado não pode indeferir liminarmente a inicial, extinguindo o feito sem julgamento do mérito, sem antes oportunizar à autora prazo para emendá-la. Precedentes.

2 – Recurso especial provido para determinar a remessa dos autos ao juízo de primeiro grau, a fim de que seja oportunizado à autora a regularização da inicial.

(STJ/DJU de 11/9/06, pág. 285)

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Se o Juiz considera a inicial como inepta, cumpre-lhe abrir prazo para a parte emendá-la. Descabimento da extinção, desde logo, do feito sem julgamento do mérito. Decisão da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, relator o Ministro Jorge Scartezzini.

O Exmo. Sr. Ministro Jorge Scartezzini (Relator): Srs. Ministros, como relatado, trata-se de recurso especial interposto com fundamento exclusivo na alínea ?a? do permissivo constitucional, onde a recorrente alega, em síntese, violação ao art. 284 do CPC, sob o argumento de que não foi oportunizado a regularização da inicial.

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Inicialmente saliento que foram satisfeitos os pressupostos de admissibilidade, inclusive no que tange ao prequestionamento, razão pela qual passo ao exame de mérito do recurso.

O art. 284, caput e parágrafo único do Código de Processo Civil, preceitua:

?Art. 284. Verificando o juiz que a petição inicial não preenche os requisitos exigidos nos arts. 282 e 283, ou que apresenta defeitos e irregularidades capazes de dificultar o julgamento de mérito, determinará que o autor a emende, ou a complete, no prazo de (10) dias.

Parágrafo único. Se o autor não cumprir a diligência, o juiz indeferirá a petição inicial.?

A r. sentença, mantida pelo Tribunal a quo, ao extinguir o feito, asseverou:

?…o autor pediu, estritamente, como lançado na inicial, condenação não separada para cada réu, mas solidária, onde, entretanto, inexiste solidariedade. Basta ver que quanto à alienação fiduciária em garantia os contratos se referem apenas a ?creditado?, ou seja, exclusivamente a um dos figurantes na relação processual e só ele, assim, o dever de guarda em depósito. Descabe pois o pedido coletivo, tal como formulado, de condenação dos dois réus à devolução de coisas depositadas não com eles na totalidade.

Nesse quadro, a inicial é inepta, porque da descrição fática não decorre conclusão lógica (CPC, art. 295, I e § único, I), do que decorre o inevitável indeferimento na medida em que, contestada a ação, já não comporta emenda.? (fls. 323).

Dos autos extrai-se que restou firmado entre a recorrente e os recorridos contratos de financiamentos para compra de bens móveis, cujas parcelas eram representadas por notas promissórias, figurando os recorridos um como avalista do outro.

O avalista, consoante entendimento desta Corte, ao firmar contrato juntamente com o emitente da nota promissória, concordando com as cláusulas ali inseridas, assume posição de coobrigado, respondendo, assim, solidariamente. Nesse sentido destaco o seguinte aresto:

?COMERCIAL – EXECUÇÃO DE TÍTULO CAMBIARIFORME – AVALISTAS COOBRIGADO POR SOLIDARIEDADE – CONTRATO DE MÚTUO.

I – A JURISPRUDÊNCIA DO STJ FIRMOU ENTENDIMENTO NO SENTIDO DE QUE, NO CONTRATO DE MÚTUO COM GARANTIA CAMBIARIFORME, SE AVALISTAS, ALEM DA CÁRTULA, FIRMARAM A AVENÇA, AOS ENCARGOS DESTA TAMBÉM SE VINCULAM, EIS QUE COOBRIGADOS PELO INSTITUTO DA SOLIDARIEDADE. DAÍ RESULTA QUE A MULTA CONTRATUAL LHES E DEVIDA.

II – RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.? (REsp 26.555-5/MG, Rel. Ministro WALDEMAR ZVEITER, DJ de 16.11.1992.) – grifro não original.

De outro vértice, ao contrário do afirmado pelo acórdão recorrido, a não discriminação em separado dos débitos não se revela absurda a ponto de não ser oportunizado a emenda a inicial, mormente quando esta vem acompanhada de ampla documentação demonstrativa e individualizada de cada contrato.

Como cediço, a causa de pedir são os fatos que fundamentam a pretensão manifestada pelo demandante e o pedido (que pode ser mediato e imediato) a manifestação, em juízo, da pretensão do demandante.

Assim, no caso em tela, a causa de pedir remota seria o empréstimo e a causa próxima o inadimplemento. Ambos devidamente descritos na inicial, a partir dos fatos narrados. Por outro lado, o pedido imediato seria o pagamento da dívida decorrente do financiamento e o pedido mediato a proteção do direito de crédito violado pelo pelo devedor.

Destarte, sendo o caso, deveria haver sido oportunizado ao recorrente a regularização da peça inicial. Neste diapasão, válidas as considerações de NELSON NERY JÚNIOR, in Código de Processo Civil Comentado: e legislação extravagante, São Paulo, ed. Revista dos Tribunais 2003, p. 673, verbis:

?Sendo possível a emenda da inicial, o juiz deve propiciá-la ao autor, sedo-lhe vedado indeferir, desde logo, a petição inicial. O indeferimento liminar da vestibular somente deve ser feito quando impossível a emenda, como, por exemplo, no caso de haver decadência do direito.?

E acrescenta:

?A emenda da petição inicial é direito subjetivo do autor. Constitui indeferimento liminar da petição inicial, sem dar-se oportunidade ao autor para emendá-la, em sendo a emenda possível.?

Por fim, a existência de contestação -outro fundamento utilizado pelo magistrado para extinção do feito – não é impeditivo para a emenda da inicial (v.g. REsp n.º 101.013/CE, Rel. Ministro HAMILTON CARVALHIDO, DJ 18.08.2003; REsp n.º 480.614/RJ, Rel. Ministro JOSÉ DELGADO, DJ 09.02.2004; REsp n.º 390.815/SC, Rel. Ministro HUMBERTO GOMES DE BARROS, DJ 29.04.2002).

Logo, deve-se facultar a instituição financeira prazo para a regularização da peça vestibular. Este também tem sido o posicionamento deste Colegiado Superior, consoante se depreende dos seguintes julgados:

?PROCESSO CIVIL – VIOLAÇÃO AO ART. 535 DO CPC – OCORRÊNCIA -AUSÊNCIA DE OPORTUNIDADE DE EMENDA À INICIAL – PRINCÍPIO DA ECONOMIA PROCESSUAL.

1. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça assentou entendimento no sentido de que o Juiz não pode indeferir a petição inicial sem oportunizar à parte prazo para emendá-la.

2. A função uniformizadora desta Corte impede o conhecimento de matéria não prequestionada.

3. Relevância, in casu, do retorno dos autos à instância de origem para manifestação acerca da aplicação do art. 284 do CPC.

4. Recurso provido.? (REsp n.º 415.707/DF, Rel. Ministro LUIZ FUX, DJ 12.09.2002)

?PROCESSUAL CIVIL. EXTINÇÃO DO FEITO, DE OFÍCIO, PELO TRIBUNAL A QUO. INÉPCIA DA INICIAL. PECULIARIDADES DA ESPÉCIE. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO PARA ENSEJAR A COMPLEMENTAÇÃO NECESSÁRIA DA PETIÇÃO INICIAL.? (REsp n.º 202.679/SP, Rel. Ministro BARROS MONTEIRO, Rel. p/ Ac. Ministro CESAR ASFOR ROCHA, DJ 04.08.2003)

?PROCESSO CIVIL – RECURSO ESPECIAL – AÇÃO RESCISÓRIA – AUSÊNCIA DE JUNTADA DA CERTIDÃO DE TRÂNSITO EM JULGADO DA SENTENÇA RESCINDENDA – EMENDA À PETIÇÃO INICIAL – CPC, ART. 284 – POSSIBILIDADE.

I – A certidão do trânsito em julgado da decisão rescindenda é documento indispensável à propositura da ação rescisória. Todavia, o Tribunal não poderá indeferir a petição inicial antes de possibilitar ao autor a sua emenda no decêndio a que alude o art. 284 do CPC.? (REsp n.º 256.270/PR Rel.(a) Ministra NANCY ANDRIGHI, DJ 28.11.2000)

Por tais fundamentos, dou provimento ao recurso para determinar a remessa dos autos ao juízo de primeiro grau, a fim de que seja oportunizado à autora a regularização da inicial.

É como voto.

Decisão unânime, votando com o Relator os Ministros Hélio Quaglia Barbosa, Massami Uyeda e Aldir Passarinho Júnior.

Ronaldo Botelho é advogado e professor da Escola da Magistratura.