RECURSO ESPECIAL N.º 327.288/DF
Rel.: Min. César Asfor Rocha
EMENTA – A repercussão econômica que entidade da Administração Pública pode vir a suportar não enseja, por si só, interesse público capaz de propiciar a intervenção do Ministério Público na qualidade de custos legis.
(STJ/DJU de 17/11/03, pág. 330)
Nesta decisão posta em destaque, entendeu a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, Relator o Ministro César Asfor Rocha, na esteira de diversos outros julgados da Corte, que, em ações de natureza privada, sobre questão meramente patrimonial, não cabe a intervenção do Ministério Público como “custos legis” apenas pela repercussão econômica que a entidade da Administração Pública possa vir a suportar. O interesse público não se identifica com o da fazenda pública, representada judicialmente pela sua procuradoria.
Consta do voto do Relator:
Exmo. Sr. Ministro Cesar Asfor Rocha:
Não merece prosperar o inconformismo.
A jurisprudência desta Corte firmou-se no sentido de que, em ações de natureza privada, a repercussão econômica que entidade da Administração Pública possa vir a suportar não enseja, por si só, interesse público capaz de propiciar a intervenção do Ministério Público na qualidade de custos legis. A propósito, confiram-se os seguintes precedentes, no pertinente:
“MINISTÉRIO PÚBLICO. Fiscal da lei. Intervenção. Valor econômico. Em ação de natureza privada sobre questão meramente patrimonial, não cabe a intervenção do Ministério Público como custos legis apenas por ser elevada a importância a que poderia ser condenada a pagar a entidade pública.
Recurso não conhecido.” (REsp 327.285/DF, relatado pelo eminente Ministro Ruy Rosado de Aguiar, DJ 18.03.2002).
“PROCESSUAL CIVIL. INTERESSE PATRIMONIAL DO ESTADO. INDENIZAÇÃO CONTRATUAL. MINISTÉRIO PÚBLICO. INTERVENÇÃO. HIPÓTESE NÃO OBRIGATÓRIA. ART. 82, III, DO CPC.
II – A simples presença do Estado na relação processual não vincula o membro do parquet, nem mesmo o valor da indenização, que não motiva, por si só, a presença obrigatória do Ministério Público ab initio.
(…)
IV – Agravo regimental a que se nega provimento.” (AGREsp 453.420/DF, relatado pelo eminente Ministro Francisco Falcão, DJ 03.02.2003).
“AGRAVO REGIMENTAL. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA.
– Nem sempre o interesse da Fazenda Pública se constitui em interesse público convocador do Ministério Público, como custus legis.
– Agravo denegado.” (AEREsp 236.853/SP, relatado pelo eminente Ministro Fontes de Alencar, DJ 04.02.2002).
“Execução fiscal. Processual Civil. Desnecessária a intervenção do Ministério Público. prescrição. CPC, arts. 82, III, 84 e 246, CTN, art. 174. lei num. 6.830/1980 (art. 40).
(…)
3. O interesse ou participação de pessoa jurídica de direito público na lide, por si não alcança definido e relevante interesse público faltante expressa disposição legal, de modo a tornar obrigatória a intervenção do Ministério Público na relação processual. Não é a qualificação da parte nem o seu interesse patrimonial que evidenciam o ‘interesse público’, timbrado pela relevância e transcendência dos seus reflexos no desenvolvimento da atividade administrativa. Nessa linha, só a natureza da lide (no caso, execução fiscal) não impõe a participação do Ministério Público. o interesse na execução fiscal e de ordem patrimonial.
(…)
5. A palma, fica derriscada a intervenção do Ministério Público, acertado que o interesse publico (art. 82, III, CPC), na execução fiscal, não se identifica com o da fazenda publica, representada judicialmente pela sua procuradoria.
(…)
8. Recurso provido, parcialmente vencido o relator.” (REsp 72.676/PR, relatado pelo eminente Ministro Milton Luiz Pereira, DJ 23.09.1996).
O acórdão recorrido não divergiu dessa orientação.
Diante esse pressuposto, não conheço do recurso especial.
Decisão unânime, votando com o Relator os Ministros Fernando Gonçalves, Aldir Passarinho Júnior, Sálvio de Figueiredo Teixeira e Barros Monteiro.
Processual penal. Identificação criminal. Organização criminosa. Hipótese ausente do rol constante da Lei N.º 10.054/2000
RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS N.º 12.965/DF
Rel: Min. Felix Fischer
EMENTA
– O art. 3.º, caput e incisos, da Lei n.º 10.054/2000, enumerou, de forma incisiva, os casos nos quais o civilmente identificado deve, necessariamente, sujeitar-se à identificação criminal, não constando, entre eles, a hipótese em que o acusado se envolve com a ação praticada por organizações criminosas. Com efeito, restou revogado o preceito contido no art. 5.º da Lei n.º 9.034/94, o qual exige que a identificação criminal de pessoas envolvidas com o crime organizado seja realizada independentemente da existência de identificação civil.Recurso provido.
(STJ/DJU de 10/11/03, pág. 197)
Não obstante a disposição do art. 5.º da lei n.º 9.034/95, estabelecendo a imprescindibilidade da identificação criminal das pessoas envolvidas com o crime organizado, decidiu o superior Tribunal de Justiça, através de sua Quinta Turma, Relator o Ministro Félix Fischer, que essa disposição veio a ser revogada pela lei n.º 10.054/2000, a qual, em seu art. 3.º e incisos, elencou, taxativamente, as hipóteses em que a pessoa já identificada civilmente pode ser submetida à identificação criminal.
Art. 3.º – “O civilmente identificado por documento original não será submetido à identificação criminal, exceto quando:
I – estiver indiciado ou acusado pela prática de homicídio doloso, crimes contra o patrimônio praticados mediante violência ou grave ameaça, crime de receptação qualificada, crimes contra a liberdade sexual ou crime de falsificação de documento público;
II – houver fundada suspeita de falsificação ou adulteração do documento de identidade;
III – o estado de conservação ou a distância temporal da expedição de documento apresentado impossibilite a completa identificação dos caracteres essenciais;
IV – constar de registro de extravio do documento de identidade;
V – houver registro de extravio do documento de identidade;
VI – o indiciado ou acusado não comprovar, em 48 (quarenta e oito) horas, sua identificação civil.”
Consta do voto do Relator:
Exmo. Sr. Ministro Felix Fischer: Na hipótese dos autos, o recorrente foi indiciado pelo envolvimento com a ação praticada por organizaçãoes criminosas.
Impetrou-se, então, habeas corpus, buscando-se impedir a sua identificação criminal ao fundamento de que, já sendo civilmente identificado, a providência não se justificava, em face do disposto no art. 3.º da Lei n.º 10.054/2000.
A ordem foi denegada sob a justificativa de que a identificação criminal de pessoas envolvidas com o crime organizado deve ser realizada independentemente da identificação civil, haja vista o disposto no art. 5.º da Lei n.º 9.034/95, que constitui mais uma exceção ao lado das enumeradas pelo art. 3.º da Lei n.º 10.054/2000.
Daí o presente apelo, em que o recorrente sustenta que o art. 3.º caput e incisos, da Lei n.º 10.054/2000 revogou o disposto no art. 5.º da Lei n.º 9.034/95.
Antes de examinar as razões do writ, transcrevo o teor dos dispositivos retromencionados:
Art. 5.º da Lei 9.034/95 – “A identificação criminal de pessoas envolvidas com a ação praticada por organizações criminosas será realizada independentemente da identificação civil.”
Art. 3.º da Lei 10.054/2000 – “O civilmente identificado por documento original não será submetido à identificação criminal, exceto quando:
I – estiver indiciado ou acusado pela prática de homicídio doloso, crimes contra o patrimônio praticados mediante violência ou grave ameaça, crime de receptação qualificada, crimes contra a liberdade sexual ou crime de falsificação de documento público;
II – houver fundada suspeita de falsificação ou adulteração do documento de identidade;
III – o estado de conservação ou a distância temporal da expedição de documento apresentado impossibilite a completa identificação dos caracteres essenciais;
IV – constar de registro de extravio do documento de identidade;
V – houver registro de extravio do documento de identidade;
VI – o indiciado ou acusado não comprovar, em 48 (quarenta e oito) horas, sua identificação civil.”
O presente apelo merece prosperar.
Entendo que o rol enumerado no art. 3.º, caput e incisos, da Lei n.º 10.054/2000, exauriu as hipóteses em que se exige a identificação criminal independentemente da existência de identificação civil.
Com efeito, o referido regramento dispôs integralmente acerca da matéria, afigurando-se escorreito entender que o art. 5.º da Lei n.º 9.034/95, legislação editada em momento anterior, restou revogado. Ora, o art. 3.º, I, de forma incisiva e taxativa, enumerou os casos nos quais o civilmente identificado deve, necessariamente, sujeitar-se à identificação criminal, quais sejam, quando acusado da prática de homicídio doloso, crimes contra o patrimônio praticados mediante violência ou grave ameaça, crime de receptação qualificada, crimes contra a liberdade sexual ou crime de falsificação de documento público. Como se vê, não se evidencia nesse rol a hipótese de o acusado envolver-se com a ação praticada por organizações criminosas. Ou seja, se fosse vontade do legislador, efetivamente seria acrescida tal hipótese na lista do inciso I do art. 3.º, ou mesmo nos demais incisos do respectivo dispositivo.
Desse modo, não se encontrando o recorrente nos casos enumerados no art. 3.º, caput e incisos, da Lei n.º 10.054/2000, dou provimento ao recurso para que seja obstada a pretendida identificação criminal.
É como voto.
Decisão unânime, votando com o Relator os Ministros Gilson Dipp, Jorge Scartezzini, Laurita Vaz e José Arnaldo da Fonseca.
Ronaldo Botelho é advogado e professor da Escola da Magistratura.