Processo Civil. Erro judiciário. Prisão preventiva. Posterior absolvição.Cabimento da indenização.

RECURSO ESPECIAL N.º 427.560-TO

REL.: MIN. LUIZ FUX

EMENTA

1. A prisão por erro judiciário ou permanência do preso por tempo superior ao determinado na sentença, de acordo com o art. 5.º, LXXV, da CF, garante ao cidadão o direito à indenização.

2. Assembelha-se à hipótese de indenizabilidade por erro judiciário, a restrição preventiva da liberdade de alguém que posteriormente vem a ser absolvido. A prisão injusta revela ofensa à honra, à imagem, mercê de afrontar o mais comezinho direito fundamental à vida livre e digna. A absolvição futura revela da ilegitimidade da prisão pretérita, cujos efeitos deletérios para a imagem e honra do homem são inequívocos (notória non egent probationem).

3. O pedido de indenização por danos decorrentes de restrição ilegal à liberdade, inclui o “dano moral”, que in casu, dispensa prova de sua existência pela inequivocacidade da ilegalidade da prisão, duradoura por nove meses. Pedido implícito, encartado na pretensão às “perdas e danos”. Inexistência de afronta ao dogma da congruência (arts. 2.º, 128 e 460, do CPC).

4. A norma jurídica inviolável no pedido não integra a causa petendi. “O constituinte de 1988, dando especial relevo e magnitude ao status libertatis, inscreveu no rol das chamadas franquias democráticas uma regra expressa que obriga o Estado a indenizar o condenado por erro judiciário ou quem permanecer preso por tempo superior ao fixado pela sentença (CF, art. 5.º, LXXV),situações essas equivalentes a de quem submetido à prisão processual e posteriormente absolvido.”

5. A fixação dos danos morais deve obedecer aos critérios da solidariedade e exemplaridade, que implica na valorização da proporcionalidade do quantum e na capacidade econômica do sucumbente.

6. Recurso especial desprovido.”

(STJ/DJU de 30/9/02)

A presente decisão da Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça, relator o ministro Luiz Fux, deve servir de alerta quanto as prisões processuais decretadas precipitadamente sem que estejam bem caracterizados os pressupostos e os requisitos de necessidade da prisão cautelar, sobretudo se o apontado autor vem a ser absolvido por crime que não cometeu (que é o caso tratado pelo acórdão).

Em várias oportunidades e escritos temos procurado chamar a atenção para a diferença que existe entre os indícios de autoria para servir de base à propositura da ação penal, para a decretação da prisão cautelar e à condenação.

Deixando de lado os indícios de autoria para a condenação, que constituem prova de certeza, constata-se que existe uma diferença de grau entre os indícios de autoria suficientes para a propositura da ação penal e os indícios de autoria necessários à decretação da custódia cautelar.

Com efeito, para a propositura da ação penal, basta a suspeita razoável, a possibilidade de que seja o acusado o autor do fato punível.

Porém, para a decretação da prisão preventiva os indícios de autoria têm que ser bem mais consistentes, é preciso mais do que possibilidade, reclama-se probabilidade.

Justifica-se a distinção, porque a cautelar atinge o status libertatis do acusado, enquanto que a ação penal não chega a esse ponto.

Assim, se o juiz, simplesmente porque existem indícios para o deflagrar da ação penal, leva-os em conta também para a decretação da prisão preventiva e depois o réu vem a ser absolvido, por não ter sido autor ou partícipe do crime, o Estado pode ser compelido a pagar indenização.

Consta do voto do relator:

Preliminarmente, ressalte-se que os arts. 2.º, 128, 286 e 460, do CPC foram devidamente ventilados no acórdão recorrido, pelo que restou cumprido o requisito de admissibilidade do prequestionamento, imprescindível à admissão do Recurso Especial, pelo que dele conheço.

Quanto à violação aos arts. 2.º e 128, do CPC, sustenta o recorrente que a parte não pleiteou os danos morais e materiais concedidos pelo acórdão recorrido, cabendo ao juiz prestar a tutela jurisdicional apenas quanto ao requerido pelo interessado, decidindo limitadamente questões suscitadas por ele. Neste passo, forçoso é concluir que a condenação do Estado em “perdas e danos” por erro judiciário, abrange as imputações impostas no acórdão recorrido, inclusive os danos morais, motivo pelo qual sem sentido se torna não só a alegação de violação ao artigo supracitado, como também ao art. 460, do CPC.

É que argumenta o recorrente, que a parte requereu indenização por erro judiciário e o Estado foi condenado por danos morais. Ora, in casu, não houve a prolação de decisão extra petita, haja vista que a proteção à liberdade pessoal é dever absoluto do Estado, uma conquista do cidadão contra o poder soberano, impondo-se, dessa forma, em qualquer circunstância, a obrigação de indenizar sempre que alguém sofrer prisão indevida. E qual seria essa indenização, se não os próprios danos morais?

Deveras, o pedido de perdas e danos, como manifestação volitiva do jurisdicionado deve ser interpretado e nele entrevisto o pleito moral.

Destaque-se que o cidadão que é privado do direito de ir e vir, por crime que não cometeu, deve ser indenizado, pela dor, tristeza, humilhação por ele sofridas, valores que mercê de inapreciáveis economicamente, não impedem que se fixe um quantum compensatório, como o intuito de suavizar o respectivo dano moral. Assevere-se, que o tempo de restrição de sua liberdade (9 meses, no presente caso), gerou-lhe grave insulto à sua honra e à boa-fama, desmoralização perante a família e a sociedade, tudo causado pela prisão indevida.

Aduz o recorrente que o recorrido é lavrador e percebe uma remuneração que não está próxima de 1/100 da condenação, acrescentando-se a isso, que ele não é uma pessoa pública, não possuindo uma imagem a zelar.

Mercê da violação de bem que prescinde da imagem pública ou da notoriedade, haja vista que a liberdade é necessarium vitae, a jurisprudência tem se posicionado no sentido de que o valor da indenização por danos morais deve ser arbitrado pelo juiz de maneira que a composição seja proporcional à ofensa, calcada nos critérios da exemplaridade e da solidariedade. In casu, a indenização foi fixada em 550 salários mínimos.

Deveras, o valor da indenização a título da danos morais deve assegurar a justa reparação do prejuízo sem proporcionar enriquecimento sem causa do autor, além de levar em conta a capacidade econômica fática do réu, daí a proposta de redução.

Merece destacar, que cabe ao STJ aumentar ou reduzir o valor fixado a título de indenização por danos morais, quando este se configure irrisório ou exorbitante, sem que isso, implique análise de matéria fática.

Em recente julgado, tivemos a oportunidade de assentar:

Administrativo. Responsabilidade civil do Estado. Danos materiais e morais. Quantum indenizatório.

* Quando o quantum fixado a título de indenização por danos morais se mostrar irrisório ou exorbitante, incumbe ao Superior Tribunal de Justiça aumentar ou reduzir o seu valor, não implicando em exame de matéria fática. Precedentes deste Sodalício.

* A perda precoce de um filho é de valor inestimável, e portanto, a indenização pelos danos moral deva ser estabelecida de forma eqüânime, apta a ensejar indenização exemplar.

* Ilícito praticado pelos agentes do Estado incumbidos da Segurança Pública. Exacerbação da condenação.

* Recurso desprovido.”

(RESP 331279/CE, Mn. Luiz Fux, DJ:03/06/2002)

No que pertine à violação ao art. 286, do CPC, alega o recorrente que a petição inicial da recorrida é inepta, haja vista ter a parte pleiteado a condenação do Estado de Tocantins por erro Judiciário com fundamento no art. 5.º, LXXV, que trata de condenação de inocente ou prisão além do quantum da condenação.

Em primeiro lugar, a norma jurídica inviolável no pedido não integra causa petendi.

Sob esse ângulo, forçoso convir que a situação de o cidadão ser submetido à prisão processual e depois absolvido, é equivalente àquela em que o Estado indeniza o condenado por erro judiciário ou pelo fato de este permanecer preso além do tempo fixado na sentença.

Forçoso, assim, concluir, que quando preso preventivamente o cidadão e depois é absolvido, sem que tenha havido condenação.

Nesse sentido, dispõe parte do voto proferido pelo e. ministro Vicente Leal, no RESP n.º 61899/Sp, publicado no DJ de 03/06/1996:

“Com efeito, o constituinte de 1988, dando especial relevo e magnitude ao status libertatis, inscreveu no rol das chamadas franquias democráticas uma regra expressa que obriga o Estado a indenizar a condenado por erro judiciário ou quem permanecer preso por tempo superior ao fixado pela sentença (CF, art. 5.º, LXXV), situações essas equivalentes a de quem submetido à prisão processual e posteriormente absolvido.”

Por fim, sustenta o recorrente que não há documentos que provem que o recorrido sofreu danos morais e materiais. Todavia, para que nasça o dever público de indenizar é mister, apenas, que o dano corresponda à lesão a um direito da vítima, que, in casu, é a liberdade individual e que seja certo, vale dizer, não apenas eventual. No caso vertente a prisão indevida, cuja ilegitimidade restou reconhecida pela absolvição trânsita, eclipsou a hipótese líquida e certa de indenizabilidade pelo dano moral.

Ante o exposto, nego provimento ao recurso especial.

É como voto.

Decisão unânime, votando com o relator os ministros Garcia Vieira, José Delgado e Francisco Falcão.

Ronaldo Botelho

é advogado criminalista e professor da Escola da Magistratura.