Processo civil. Cobrança de indenização de contrato de seguro. Inquérito Policial e Boletim de Ocorrência. Validade como meio de prova. Conceito de prova emprestada.

RECURSO ESPECIAL N.º 311.370/SP

Rel.: Min. Humberto Gomes de Barros

EMENTA

1. A sistemática do ônus da prova no Processo Civil Brasileiro (CPC; art. 333, I e II) guia-se pelo interesse. Regula-se pela máxima: “o ônus da prova incumbe a quem dela terá proveito”.

2. No conceito construído pela doutrina e jurisprudência prova emprestada é somente aquela transladada e oriunda de outro processo judicial.

3. Recurso não conhecido.

(STJ/DJU de 25/5/04, pág. 256)

Decidiu o Superior Tribunal de Justiça, através de sua terceira turma, relator o ministro Humberto Gomes de Barros, que, embora o Boletim de Acidentes e o inquérito policial, utilizados para instruir ação civil de cobrança, não possam ser considerados como “prova emprestada”, segundo a concepção da doutrina e da jurisprudência, têm validade como meio de prova (art. 332 do CPC).

Consta do voto do relator:

Ministro Humberto Gomes de Barros (relator): Os arts. 131; 458, III; e 368, parágrafo único, não foram objeto de exame pelo acórdão recorrido. Está ausente o necessário prequestionamento. Incidem as Súmulas 282/STF e 211/STJ.

A sistemática do ônus da prova no Processo Civil Brasileiro (CPC; art. 333, I e II) guia-se pelo interesse. Regula-se pela máxima: “o ônus da prova incumbe a quem dela terá proveito”.

O autor produzirá as provas que constituem seu direito (CPC; art. 333, I)

O réu deverá provar as alegações que impeçam, modifiquem ou extingam o direito do autor (CPC; art. 333, II).

É do confronto dessas provas que o Juiz constatará a verdade das alegações.

No caso, a autora, ora recorrente, alegou que a cláusula contratual foi cumprida. Assim, faria jus à indenização pactuada. Juntou declaração da ré alegando que não pagaria a indenização porque, apesar de armados, os guardas não possuíam habilitação para o porte.

Na contestação foi dito que sequer havia guardas. A ré alegou que o motorista transportava os valores sozinho. Carreou aos autos Boletim de Ocorrência, Inquérito Policial e declarações de testemunhas nesse sentido, dentre outros documentos.

A autora, ora recorrente, dentre outras alegações, replicou atacando a autenticidade dos documentos juntados.

Ocorre que a recorrente olvidou a forma correta de combater os documentos juntados pela ré. Não argüiu falsidade (CPC; art. 390), a qual lhe incumbia (CPC; art. 389, I). Também não manifestou interesse em produzir provas (fl. 109). Assim, as alegações formuladas na réplica foram, com disse o acórdão “a quo”, formais e vazias.

Sobre a autora pesava o ônus de instaurar o incidente e promover a efetiva invalidação dos documentos. Não bastava o levante de meras alegações.

No conceito construído pela doutrina e jurisprudência prova emprestada é somente aquela transladada e oriunda de outro processo judicial. (Cf. DINAMARCO, Cândido Rangel. In Instituições de Direito Processual Civil, vol. III, Malheiros: São Paulo, 2001, p. 97, item 811).

Portanto, as cópias do inquérito policial e do boletim de ocorrência não são provas emprestadas.

Também não há qualquer vedação ao seu uso.

Ora, o boletim de ocorrência juntado aos autos foi oriundo de “queixa” dada pelo motorista da ora recorrente junto à Delegacia de Polícia. A validade do inquérito policial também não pode ser afastada como prova. Trata-se de persecução criminal oficial no objetivo de evidenciar a materialidade e de achar os autores do crime. Qual invalidade pode haver?

Nenhuma. O art. 332 do CPC explica:

“Todos os meios legais, bem como os moralmente legítimos, ainda que não especificados neste Código, são hábeis para provar a verdade dos fatos, em que se funda a ação ou a defesa.”.

Veja-se que o motorista agiu, sim, em nome da empresa-recorrente. Dirigia o veículo da empresa-patroa. Foi roubado. Atitude lógica até para os fins da cobertura securitária: comunicar o roubo à autoridade policial.

Também não há como desvincular as afirmações do motorista da empresa-recorrente. Foi por “ocasião do exercício do trabalho” (CC; art. 1.521, III) que o motorista-empregado prestou o depoimento. Ele não estava a dirigir seu próprio carro, nem foi ele (pessoa física) o assaltado. Não há ofensa ao art. 1.521, III, do CC.

Ademais, os documentos foram submetidas ao crivo do contraditório. No entanto, a autora com alegações vazias apenas atacou a forma e sequer instaurou o incidente que lhe incumbia (CPC; art. 389, I).

Enfim, as provas são válidas. O Juiz e o Tribunal “a quo” deram-lhes a força que entenderam devida. Nessa seara o STJ não ingressa. A Súmula 07 barra o exame.

Na terminologia da Turma, não conheço do recurso.

Decisão unânime, votando com o relator os ministros Carlos Alberto Menezes Direito, Nancy Andrighi e Castro Filho.

Processo civil. Litisconsórcio passivo. Contestação de apenas um dos litisconsortes. Aplicação do benefício do art. 191 do CPC.

RECURSO ESPECIAL N.º 579.813/MG

Rel.: Min. Cesar Asfor Rocha

EMENTA

A regra benévola prevista no art. 191 do Código de Processo Civil incide mesmo quando apenas um dos co-réus oferece defesa, porquanto o contestante não tem como saber se os demais demandados impugnarão ou não o feito.

Recurso conhecido e provido.

(STJ/DJU de 14/6/04, pág. 236)

Conforme consta da presente decisão da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, relator o ministro César Asfor Rocha, em caso de litisconsórcio passivo, é inviável afastar-se o benefício do prazo em dobro para a contestação, quando apenas um dos listisconsortes apresenta contestação, uma vez que não pode adivinhar se o outro vai ou não contestar.

Consta do voto do relator:

Exmo. Sr. Ministro Cesar Asfor Rocha (Relator):

A jurisprudência desta Corte é firme no sentido de que a regra benévola prevista no art. 191 do Código de Processo Civil incide no prazo da contestação mesmo quando apenas um dos réus oferece defesa, porquanto o contestante não tem como saber se os demais demandados impugnarão ou não o feito. A propósito, confiram-se os seguintes precedentes, no pertinente:

“PRAZO EM DOBRO. CONTESTAÇÃO. LITISCONSÓRCIO PASSIVO. DEFESA APRESENTADA POR UM DOS RÉUS, COM A UTILIZAÇÃO DO PRAZO EM DOBRO. LITISCONSORTE REVEL. ADMISSIBILIDADE.

– É permitida a utilização da regra benévola do art. 191 do CPC desde logo, pois nem sempre é possível saber se a outra parte irá ou não apresentar defesa. Precedentes do STJ.

Recurso especial conhecido e provido.” (REsp 453.826/MT, relatado pelo eminente Ministro Barros Monteiro, DJ 14.04.2003).

“PROCESSUAL CIVIL. LITISCONSORTE PASSIVO. DOIS RÉUS. CONTESTAÇÃO APRESENTADA POR APENAS UM, UTILIZANDO-SE DA REGRA BENÉVOLA DO ART. 191, CPC. POSSIBILIDADE. PRECEDENTE. RECURSO PROVIDO.

– Em interpretação integrativa, é de aplicar-se a regra benévola do art. 191, CPC mesmo quando apenas um dos co-réus contesta o feito, e no prazo duplo.” (REsp 277.155/PR, relatado pelo eminente Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ 11.12.2000).

“Litisconsorte. Contestação. Revelia. Art. 191 do Código de Processo Civil. Precedentes da Corte.

1. Não podendo a parte adivinhar se o outro réu vai, ou não, contestar, é inviável afastar-se o benefício do prazo em dobro, previsto no art. 191 do Código de Processo Civil, pelo só fato de estar ausente a contestação do outro réu, decretada a revelia.

2. Recurso especial conhecido e provido.” (REsp 443.772/MT, relatado pelo eminente Ministro Carlos Alberto Menezes Direito, DJ 25.02.2002).

“PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO PAULIANA. RÉUS DIVERSOS. PRAZO PARA CONTESTAÇÃO DOBRADO. BENEFÍCIO QUE INDEPENDE DA CIÊNCIA OU NÃO DE REVELIA DOS OUTROS LITISCONSORTES. CPC, ART. 191. CONTESTAÇÃO. TEMPESTIVIDADE.

I. A regra do art. 191, do CPC, que confere prazo dobrado para contestar quando os réus atuem com procuradores diversos, tem aplicação independentemente do comparecimento do outro litisconsorte à lide, bastante que apresente a sua defesa separadamente, mediante advogado exclusivo, sob pena de se suprimir, de antemão, o direito adjetivo conferido à parte que, atuando individualmente, não tem como saber se o co-réu irá ou não impugnar o feito.

II. Recurso especial conhecido e provido, para determinar o aproveitamento da contestação, com o afastamento da pena de revelia.” (REsp 245.689/PR, relatado pelo eminente Ministro Aldir Passarinho Junior, DJ 25.02.2002).

“LITISCONSÓRCIO. PRAZO EM DOBRO PARA RESPONDER E RECONHECER. (…). REVELIA DE LITISCONSORTE E O ARTIGO 191 DO CPC. APLICA-SE A REGRA BENÉVOLA DO ARTIGO 191 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DESDE QUE O PROCURADOR DE UM DOS LITISCONSORTES NÃO HAJA SIDO CONSTITUÍDO TAMBÉM PELO(S) OUTROS(S), POIS SENDO IMPOSSÍVEL SABER DE ANTEMÃO SE OCORRERA A HIPÓTESE INCOMUM DE REVELIA, NÃO É EXIGÍVEL DA PARTE QUE, NA DÚVIDA, RENUNCIE A VANTAGEM QUE O ALUDIDO DISPOSITIVO DE LEI LHE CONCEDE. (…) RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E PROVIDO.” (REsp 5.460/RJ, relatado pelo eminente Ministro Athos Carneiro, DJ 13.05.1991).

Com efeito, não se pode exigir que o contestante, na dúvida, renuncie ao benefício previsto na Lei Processual Civil, ante a rara possibilidade de revelia de todos os demais co-réus, como na espécie, em que, além do ora recorrente, foram citadas outras sete pessoas.

Ante o exposto, conheço do recurso e dou-lhe provimento para reformar o acórdão recorrido, determinando o retorno dos autos ao primeiro grau, a fim de afastar a pena de revelia e ser aproveitada a contestação oferecida pelo recorrente, prosseguindo a ação como entender de direito.

Decisão unânime, votando com o relator os ministros Fernando Gonçalves, Aldir Passarinho Júnior e Barros Monteiro.

Ronaldo Botelho

é advogado e professor da Escola da Magistratura.