Processo civil. Assistência judiciária. Pedido formulado após a sentença. Admissibilidade

“RECURSO ESPECIAL N.º 361.701-DF

REL.: MIN. NANCY ANDRIGHI

EMENTA – É possível o juiz apreciar o pedido de assistência judiciária formulado quando da interposição da apelação, porquanto não enseja a alteração da sentença vedada pelo art. 463 do CPC, e, por outro lado, permite que, no exame prévio dos pressupostos de admissibilidade de apelação, verifique-se a exigibilidade do respectivo preparo.”

(STJ/DJU de 20/5/02, pág. 137)

No sentido da possibilidade de o juiz examinar o cabimento da assistência judiciária, mesmo após o advento da sentença, decidiu o Superior Tribunal de Justiça, através de sua Terceira Turma, relatora a ministra Nancy Andrighi, com o seguinte voto condutor:

A questão federal suscitada unge a verificar se, ante o disposto no art. 463 do CPC, pode o juiz examinar o pedido de assistência judiciária formulado na petição de interposição da apelação.

O dispositivo tido por violado, quando afirma que “ao publicar a sentença de mérito, o juiz cumpre e acaba o ofício jurisdicional”, tem por escopo assegurar a inalterabilidade da sentença pelo juiz, impedindo que este reveja ou altere questões diretamente ligadas à composição da lide.

No caso em exame, contudo, a sentença permaneceu inalterada, tendo o juiz se limitado a negar o pedido de assistência judiciária e, por conseguinte, julgar deserta a apelação por ausência do respectivo preparo.

Não se vislumbra, portanto, qualquer violação ao art. 463 do CPC.

Ressalte-se, ademais, que, antes da remessa dos autos ao Tribunal ad quem, compete ao juiz o exame dos pressupostos de admissibilidade da apelação, dentre os quais o do preparo.

Assim justifica-se que o pedido de assistência judiciária seja apreciado pelo juiz, porquanto, dessa forma, estar-se-ia possibilitando que este, no exercício do juízo prévio de admissibilidade recursal, certifique-se quanto à exigilibidade do pagamento do respectivo preparo.

O acórdão recorrido, outrossim, entendeu ser da atribuição do vice-presidente do Tribunal o exame do pedido de assistência judiciária formulado pelo ora recorrente, tendo em vista o disposto no art. 28, II, do Regimento Interno do TJDFT.

Ocorre que tal dispositivo dispõe acerca de “feitos e expedientes judiciais protocolizados na Secretaria do Tribunal”, enquanto que o caso em exame cuida de hipótese diversa, em que o pedido de assistência judiciária foi formulado na petição de interposição da apelação, que é dirigida ao juiz prolator da sentença (art. 514 do CPC).

Evidenciada, por conseguinte, a inaplicabilidade do referido dispositivo regimental.

O juiz julgou o mérito do incidente, negando os benefícios da assistência judiciária por considerar que “o réu, em todo o curso da ação, jamais alegou ou demonstrou pobreza” e “se a pobreza é superveniente, deveria ter sido, no mínimo, demonstrada. A simples declaração, só agora confeccionado, nada prova, a par do momento processual.

O acórdão recorrido, por sua vez, a despeito de ter afirmado que o juiz carecia de competência para julgar o pedido de assistência judiciária, esposou entendimento contrário, considerando que “o réu (…) formalizou a declaração erigida, daí emergindo a presunção de que é pobre, o que se deu no curso da ação”.

É indevida, com efeito, a apontada exigência de comprovação de pobreza, já que “pelo sistema legal vigente, faz jus a parte aos benefícios a assistência judiciária mediante simples afirmação, na própria petição, de que não está em condições de pagar as custas do processo e os honorários do advogado, sem prejuízo próprio ou de sua família.”

(RESp 91.609/SP, relator ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ 08/06/1998.)

Dessa forma, afastado o óbice processual apontado pelo acórdão recorrido, impõe-se a concessão do benefício da assistência judiciária, afastando-se, por conseguinte, a deserção da apelação por falta de preparo.

Forte em tais razões, DOU PROVIMENTO ao Recurso Especial para restabelecer a decisão monocrática.

É o voto.

Decisão unânime, votando com o relator os ministros Castro Filho, Ari Pargendler e Carlos Alberto Menezes Direito.

Processo penal. Recurso. Ausência de razões e contra-razões do réu. Nulidade absoluta.

“HABEAS CORPUS N.º 16.457-RJ

Rel.: Min. Hamilton Carvalhido

EMENTA: 1. Em sede penal, as razões do recurso do réu e a sua resposta ao recurso de apelação do Ministério Público, são elementos essenciais ao exercício do direito de ampla defesa, como atualmente assegurado na Constituição da República (artigo 5.º, inciso LV).

2. Doutrina e jurisprudência, por isso, firmaram-se no sentido de interpretar o artigo 601 do Código de Processo Penal, de modo a possibilitar que, em não sendo apresentadas as razões de apelação pelo patrono constituído, seja o réu intimado para substituí-lo ou, havendo indiferença do acusado, lhe seja, para tal ato, nomeado defensor dativo pelo magistrado.

2. “A nulidade ocorrerá por omissão de formalidade que constitua elemento essencial do ato.”(artigo 564, inciso IV, do Código de Processo Penal).

4. A não-apresentação das contra-razões ao recurso de apelação, interposto pelo Ministério Público, substancia fundamentação bastante a determinar, diante da inequívoca violação do princípio constitucional da ampla defesa, a nulidade do acórdão estadual.

Contudo, se o apelo ministerial ensejou tão-somente a condenação de um dos co-réus, em nada repercutindo nos interesses do paciente, nenhuma nulidade, precisamente porque inocorrente qualquer prejuízo, há de ser declarada.

5. Ordem concedida.”

(STJ/DJU de 1/7/02, pág. 400)

No sentido da nulidade absoluta do processo em caso de falta das razões ou contra-razões de apelação da parte do réu, decidiu o Superior Tribunal de Justiça, através de sua Sexta Turma, relator o ministro Hamilton Carvalhido, com o seguinte voto condutor:

Exmo. sr. ministro Hamilton Carvalhido (relator):

Senhor presidente, habeas corpus contra a Segunda Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro que, negando provimento ao apelo de Sérgio Pedro da Silva e dando parcial provimento ao recurso do Ministério Público local, condenou o co-réu Luiz Augusto Lima como incurso nas penas dos artigos 180, caput, e 296, parágrafo 1.º, inciso II, ambos do Código Penal, preservando, ainda, a condenação do paciente à pena de 4 anos de reclusão pela prática do crime tipificado no artigo 288, também do Código Penal.

A impetração está fundada na ausência das razões de apelação em favor do paciente e, ainda das contra-razões ao apelo ministerial.

Pugna pela concessão da ordem para que possa apresentá-las.

Decerto, a não-apresentação das contra-razões ao recurso de apelação interposto pelo Ministério Público, por sua natureza absoluta, consubstancia fundamentação bastante a determinar, diante da inequívoca violação dos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa, a nulidade do acórdão estadual.

Nesse sentido, o seguinte precedente:

“Habeas corpus. Processual penal. Ausência de contra-razões do réu. Nulidade contra-razões que invocam os argumentos deduzidos por ocasião da apresentação das alegações finais. Validade, desde que bastante para responder ao apelo ministerial concessão da ordem para a renovação do julgamento de um dos pacientes.

1. A não-apresentação das contra-razões ao recurso de apelação interposto pelo Ministério Público, por sua natureza absoluta, consubstancia fundamentação bastante a determinar, diante da inequívoca violação dos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa, a nulidade do acórdão estadual.

2. Não há falar em constrangimento ilegal decorrente de cerceamento de defesa na hipótese do réu, intimado a apresentar suas contra-razões ao apelo interposto pelo Ministério Público, pugnar pela manutenção da sentença, invocando, para tanto, os fundamentos exarados por ocasião da apresentação de suas alegações finais, desenganadamente bastante para responder a pretensão do Parquet.

3. O simples fato da versão trazida pela Defesa não ter sido acolhida pelos magistrados que compõem o órgão colegiado a quo não induz, a toda evidência, nulidade do decisum pela alegada deficiência.

4. A mera alegação de juntada inoportuna de prova documental aos autos, desprovida de qualquer fundamentação tendente a demonstrar o prejuízo de irregularidade advindo, ou, mesmo, a interferência no conhecimento da verdade substancial da causa, não determina a nulidade do processo.

5. “O projeto não deixa respiradouro para o frívolo curialismo, que se compraz em espiolhar nulidade. É consagrado o princípio geral de que nenhuma nulidade ocorre se não há prejuízo para a acusação ou a defesa.” (Exposição de Motivos do Código de Processo Penal, XVII).

6. “Não será declarada a nulidade de nenhum ato processual, quando este não haja influído concretamente na decisão da causa ou na apuração da verdade substancial. Somente em casos excepcionais é declarada insanável a nulidade.”(Exposição de Motivos do Código de Processo Penal, XVII).

7. “Salvo os casos expressos em lei, as partes poderão apresentar documentos em qualquer fase do processo.”(artigo 231 do Código de Processo Penal).

8. Ordem concedida tão-somente para que se renove o julgamento do paciente Rogério Florêncio Canto, ensejando previamente à defesa o ofertamento de contra-razões, com nomeação de defensor dativo, se for o caso.”(HC 18.568/RS, de minha relatoria, in DJ 25/2/2002 – nossos os grifos)

Na espécie, contudo, o parcial provimento do apelo ministerial ensejou, tão-somente, a condenação do co-réu, não repercutindo, de modo algum, nos interesses do paciente.

Assim, nesse particular, precisamente porque inocorrente qualquer prejuízo, nenhuma nulidade se há de declarar.

Por outro lado, as razões de apelação substanciam, por fora do novo ordenamento constitucional, elemento essencial ao efetivo exercício da ampla defesa, na medida em que assegura ao réu “os meios e recursos, a ela inerentes” (artigo 5.º, inciso LV).

A propósito, o seguinte julgado:

“Habeas corpus. Processual penal. Matéria estranha ao acórdão estadual. Amplo efeito devolutivo da apelação. Exame da questão objeto da impugnação. Constituição de patrono. Direito do réu. Aceitação de advogado diverso do constituído. Relação de mandato. Irregularidade que não repercute na validade processual. Razões de apelação. Elemento essencial ao efetivo exercício da ampla defesa. Concessão da ordem.

1. Ainda que estranha a questão à fundamentação do acórdão estadual proferido em sede de apelação, compete ao Superior Tribunal de Justiça, dado o amplo efeito devolutivo desse recurso, examinar a matéria, enquanto objeto de habeas corpus que alveja o decisum da Corte a quo. Precedentes do STJ.

2. Conquanto seja a constituição de advogado de sua confiança direito inerente ao exercício de ampla defesa, é inegável que a aposição de ciente nos autos, no prazo de defesa prévia, por advogado diverso daquele outro constituído, aliada à aceitação do réu durante todo o curso da instrução, que silente permaneceu, caracteriza relação de mandato, cuja irregularidade em nenhum momento repercute na validade processual.

3. As razões de apelação, contudo, assim como as alegações finais, substanciam, por força do novo ordenamento constitucional, elemento essencial ao efetivo exercício da ampla defesa, na medida em que se assegura ao réu “os meios e recursos a ela inerentes”(artigo 5.º, inciso LV).

4. “A nulidade ocorrerá por omissão de formalidade que constitua elemento essencial do ano.”(artigo 564, inciso IV, do Código de Processo Penal).

5. Doutrina e jurisprudência têm se orientado no sentido de interpretar o artigo 601 do Código de Processo Penal, de modo a possibilitar que, em não sendo apresentadas as razões de apelação pelo patrono constituído, seja o réu intimado para substituí-lo ou, havendo indiferença do acusado, lhe seja, para tal ato, nomeado defensor dativo pelo magistrado.

6. Ordem concedida para, anulando o acórdão estadual, garantir ao réu intimado o direito de constituir novo advogado para a apresentação das razões de apelação ou, havendo indiferença do acusado, ser-lhe, para tal ato, nomeado defensor dativo pelo magistrado. Ordem concedida, ainda, para garantir ao paciente o direito de aguardar o julgamento do recurso em liberdade – como concedido, por ocasião da prolação da sentença, pelo magistrado singular -, se por outro processo não estiver custodiado.”(HC 16.475/AM, de minha relatoria, in DJ 18/2/2002 – nossos os grifos).

Nesse passo, é de se invocar a incidência, na espécie, do artigo 564 inciso IV, do Código de Processo Penal, verbis:

“Art. 564. A nulidade ocorrerá nos seguintes casos:

(…)

IV – por omissão de formalidade que constitua elemento essencial do ato.”

Em hipóteses tais, doutrina e jurisprudência têm se orientado no sentido de interpretar o artigo 601 do Código de Processo Penal de modo a possibilitar que, em não sendo apresentadas as razões de apelação pelo patrono constituído, seja o réu intimado para substituí-lo ou, havendo indiferença do acusado, lhe seja, para tal ato, nomeado defensor dativo pelo magistrado.

Nesse sentido, confira-se trecho do voto proferido pelo eminente ministro Félix Fischer, no REsp 125.680/RS, in DJ 13/10/98, verbis:

“(…)

A doutrina hodierna converge, em boa parte, no sentido de entender que, na inércia do defensor para a apresentação de razões, deve o réu ser intimado para substituí-lo, ou então, havendo indiferença deste, deve o juiz nomear defensor dativo. A aplicação literal, fora do contexto geral do ordenamento jurídico, de que dispõe o art. 601 do CPP, seja uma ofensa ao princípio da ampla defesa. Faltaria, assim, ao recurso, elemento essencial, lógica e juridicamente indispensável. O magistrado não pode querer ser julgador e defensor simultaneamente. Se fosse possível aceitar esta situação híbrida, o juiz poderia, ad argumentandum, exercer, então todas as funções em juízo, sendo, daí, prescindíveis tanto o promotor de justiça como o advogado. Reconhecendo o error in procedendo tem-se: a) Fernando da Costa Tourinho filho in “Código de Processo Penal Comentado”, vol. 2, p. 329/330, 3.ª ed. Saraiva, 1998; b) Ada Pellegrini Grinover & outros in “Recursos no Processo Penal”, p. 150, 1996, RT; c) Ada Pellegrini Grinover & outros in “As Nulidades no Processo Penal”, pg. 195 e 198, 5.º ed., RT; d) Fernando Capez in “Curso de Processo Penal), p. 368, 1997, Saraiva; e) J.F. Mirabete in “Processo Penal”, p. 639, 7.º ed., 1997, Ed. Atlas S.A.

A quaestio

, aqui, não guarda semelhança com aquela da exigência, ou não, de recorrer por parte do defensor. No caso, ele apelou, só que deixou de cumprir com a sua função. Com a sua inércia, houve prejuízo evidente e até reconhecido, de certa maneira, no v. acórdão vergastado. Sob outro prisma, se as regras processuais do CPP fossem similares às do CPC, o defensor, na interposição, já teria motivado a súplica. Assim, numa interpretação histórico-evolutiva não é de se aceitar, hoje em dia, a aplicação literal do disposto no art. 601 do CPP, que cerceando o direito do réu, se apresenta fora do contexto processual penal, quer constitucional quer infraconstitucional.

Na douta 6.ª Turma desta Corte tem-se como precedente v. julgado no Resp 88.194/GO (relator ministro Luiz Vicente Cernicchiaro, DJU de 9/6/97, p. 25574).

Em tema de contra-razões o Pretório Excelso reconheceu o erro in procedendo no HC 73.807/SC (relator ministro Sydney Sanches, DJU de 31/5/96, p. 18803).

O processo deve ser, pois, anulado a partir das razões recursais, para que o réu, intimado, indique outro defensor ou, no silêncio, lhe seja nomeado defensor dativo.

(…)”

Pelo exposto, concedo a ordem para, anulando o acórdão estadual, garantir ao réu intimado o direito de constituir novo advogado para a apresentação das razões de apelação ou, havendo indiferença do acusado, ser-lhe, para tal ato, nomeado defensor dativo pelo magistrado.

É o voto.

Decisão unânime, votando com o relator os ministros Fontes de Alencar, Vicente Leal e Fernando Gonçalves.

Ronaldo Botelho

é advogado e professor da Escola da Magistratura.