Processo civil. Apelação. Interposição durante as férias. Preparo efetuado após o primeiro dia útil seguinte às férias. Deserção.

RECURSO ESPECIAL N.º 485.590/PR

Rel.: Min. Carlos Alberto Menezes Direito

EMENTA – 1. Se a parte interpõe a apelação durante as férias forenses, deve apresentar no mesmo ato o comprovante do preparo. Se assim não faz ou sequer recolhe no primeiro dia útil após as férias, nem apresenta qualquer justificativa para tanto, o recurso é deserto.

2. Recurso especial não conhecido.

( STJ/DJU de 17/11/03, pág. 321)

Se o apelo é protocolado durante as férias, ainda assim deve ser acompanhado do respectivo preparo. Não efetuado o preparo na ocasião da interposição do recurso, e nem no primeiro dia útil seguinte às férias, ocorre a deserção.

Assim decidiu o Superior Tribunal de Justiça, através de sua Terceira Turma, Relator o Ministro Carlos Alberto Menezes Direito, com o seguinte voto condutor:

O Exmo. Sr. Ministro Carlos Alberto Menezes Direito:

Ação monitória ajuizada pelo Banco do Brasil S.A., recorrente, apoiada em contrato de abertura de crédito em conta-corrente, devidamente embargada.

A sentença julgou extinto o processo, com base no art. 267, VI, do Código de Processo Civil.

O Tribunal de Justiça do Paraná acolheu a deserção, nos termos do art. 511 do Código de Processo Civil. Afirmou o acórdão recorrido que o recurso foi interposto em 20/7/01 e o preparo efetuado em 02/8/01. Assim, mesmo considerando que o recurso veio durante as férias forenses, o certo é que o preparo foi realizado no segundo dia após as férias.

A alegação do especial é que o recurso foi interposto nas férias forenses e o preparo no dia 02 de agosto, “enquanto o início do prazo recursal somente começaria a fluir a partir de 07 de agosto de 2001” (fl. 148).

O especial vem amparado em precedente da Quarta Turma, que afirma, na ementa: “Apresentado o recurso de apelação no período de férias forenses, quando ainda não iniciado o prazo para sua interposição, não há nenhuma irregularidade se o preparo for apresentado no primeiro dia de sua fluência” (fl.150).

Tenho que o precedente não serve. Naquele caso, o acórdão recorrido assinalou que “a interposição do recurso de apelação foi protocolada no período de férias, dias antes do exaurimento do prazo fatal. Na data terminal, fez a juntada do preparo…” (fl. 153), como reproduziu o eminente Relator Ministro Cesar Asfor Rocha.

O especial não foi conhecido e o voto condutor assinalou que “além de não apontar nenhuma violação ao art. 184 do Código de Processo Civil, não cuidou de demonstrar o equívoco que pudesse ter sido cometido pelo v. aresto recorrido, o que inviabiliza o conhecimento do recurso para apreciar esse tópico do acórdão, por falta de efetivo ataque” (fl. 153). E, ainda, alinhavou que “mesmo que tal deficiência não fosse percebida, o recurso não poderia ser provido, na linha do entendimento, que pode ser ajustado à hipótese em tablado, expresso no REsp n. 50.348-5/AL, desta Quarta Turma, relatado pelo eminente Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, segundo o qual ‘tendo a decisão sido publicada em final de semana (sábado), quando não há expediente forense, considera-se realizada a intimação respectiva no primeiro dia útil subseqüente (segunda-feira, em regra), disso decorrendo que apenas o segundo dia útil após a publicação (terça-feira, no mais das vezes) é que há de ser considerado no cômputo do prazo recursal como dia inicial de sua fluência” (fl. 154).

Finalmente, o paradigma ainda considerou que o recurso não poderia ser conhecido, porque “não foi observado o disposto no parágrafo único do art. 541 do Código de Processo Civil e § 2º do art. 255 do RISTJ, apresentando-se falha a comprovação da desinteligência dos julgados, sendo deficiente para evidenciá-la a simples citação de ementa, quando não se trata, como no caso, de notória divergência” (fl. 154), ademais de não ter sido feita a demonstração analítica. É certo que faz menção a outro precedente da Quarta Turma, Relator o Senhor Ministro Ruy Rosado de Aguiar, em que se assinalou que se a parte protocola o recurso nas férias forenses e depois disso recolhe, ainda no mesmo período, o preparo, não há falar em violação do art. 511 do Código de Processo Civil.

Há, ainda, outro precedente, Relator o Senhor Ministro Ari Pargendler (REsp nº 188.955/MG, DJ de 08/3/99), entendendo que a “regra do artigo 511 do Código de Processo Civil , na parte em que exige a comprovação do preparo no ato das interposição do recurso, não se aplica à apelação protocolada no curso das férias forenses, em que os prazos estão suspensos”.

Neste feito, o acórdão recorrido considerou que efetuado após a interposição, mesmo que dentro do prazo recursal, o preparo não é mais possível. E, também, destacou que veio no segundo dia útil e não no primeiro.

Ora, mesmo que se queira enxergar a identidade do paradigma trazido aos autos, acolitado pelos termos da ementa, não creio que mereça prevalecer o entendimento pretendido pelo recorrente.

De fato, ao meu sentir, se foi interposto o recurso sem o devido preparo no ato da interposição, mesmo que feito dentro do prazo recursal, acarreta a deserção (REsp nº 323.964/RJ, de minha relatoria, DJ de 22/10/01). E a circunstância da interposição no período de férias, enquanto suspensos os prazos, não me parece autorizar o alargamento do prazo para preparar, porque se houve a interposição e se o dispositivo exige que o preparo seja concomitante, não há motivo que justifique a sua ausência. No entanto, mesmo que se pensasse fosse isso possível, no caso, sequer o preparo foi realizado no primeiro dia útil, como anotado no acórdão recorrido, o que seria suficiente, na interpretação mais favorável, para o reconhecimento da deserção, considerando que não houve qualquer justificativa para que o recolhimento fosse no segundo dia, nem a parte a apresentou oportunamente.

O próprio acórdão recorrido mostrou esse preciso aspecto, isto é, o preparo não foi feito no primeiro dia útil após a interposição, a revelar a discrepância com o paradigma, além de trazer outro precedente da Quarta Turma afirmando que “optando a parte por interpor o recurso, ainda que durante o recesso forense, deve fazê-lo acompanhado do respectivo comprovante de preparo” (fl. 139).

Com tais razões, eu não conheço do especial.

Decisão unânime, votando com o Relator os Ministros Nancy Andrighi e Ari Pargendler.

Processo Penal. Sustentação oral em julgamento de habeas corpus. Direito do réu.

HABEAS CORPUS N.º 22.161/ RJ

REL.: MIN. PAULO MEDINA

EMENTA – Constitui cerceamento de defesa impedir que o advogado sustente oralmente, perante a Turma julgadora, as razões do pedido, máxime quando, para tanto, fez expresso requerimento.

“A frustração da sustentação oral viola as garantias constitucionais do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa.” (HC 21.415/RJ)

Ordem concedida para anular o julgamento do HC n.º 2001.02.01.046708-7, a fim de que outro seja realizado, oportunizando à defesa o exercício da sustentação oral.

(STJ/DJU de 8/9/03, pág. 367)

Decidiu mais uma vez o Superior Tribunal de Justiça, desta feita pela sua Sexta Turma, Relator o Ministro Paulo Medina, que o impedimento da sustentação oral constitui cerceamento de defesa, por violar as garantias do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa.

Releva observar que a Corte reconheceu o direito do advogado sustentar oralmente em julgamento de “habeas corpus”, para o que torna-se necessário que o advogado tenha ciência do dia do julgamento.

Consta do voto do Relator:

PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. SUSTENTAÇÃO ORAL. IMPEDIMENTO. DEFESA. CERCEAMENTO.

Constitui cerceamento de defesa impedir que o advogado sustente oralmente, perante a Turma julgadora, as razões do pedido, máxime quando, para tanto, fez expresso requerimento.

“A frustração da sustentação oral viola as garantias constitucionais do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa.” (HC 21.415/RJ)

Ordem concedida para anular o julgamento do HC n.º 2001.02.01.046708-7, a fim de que outro seja realizado, oportunizando à defesa o exercício da sustentação oral.

O Exmo. Sr. Ministro Paulo Medina (Relator): Sr. Presidente, consta da petição original, dirigida à Corte Regional, expresso requerimento pertinente à sustentação oral, vazada nos seguintes termos (fl. 19):

“Os impetrantes manifestam desde já sua intenção de sustentar oralmente a ordem pleiteada, requerendo, para tanto, sua intimação. Trata-se de medida que mais se coaduna com o princípio constitucional da ampla defesa e com o pleno exercício do múnus público dos impetrantes (art. 133, CF).”

Da transcrição fonográfica do julgamento, percebe-se que o advogado não compareceu porque atendera, na mesma oportunidade, a uma audiência na comarca de Mangaratiba-RJ, distante cerca de uma hora e meia de viagem (fls. 57/58).

Não obstante, em que pese prevenido pelo Presidente da Turma sobre a conveniência do adiamento, ante o cerceamento da defesa, o Relator pôs o feito em mesa, sob o seguinte fundamento, in verbis (fls. 56/57):

“Sr. Presidente, vou julgar o Habeas Corpus agora. Vou julgá-lo e indeferi-lo.

Egrégia Turma, trata-se de um Habeas Corpus razoavelmente antigo. Foi distribuído, aqui, em 2001, quer dizer, estamos quase nomeio do ano…

Concedi a Liminar para o Interrogatório.

Mandei ao Ministério Público e pedi as informações. O Habeas Corpus foi ao Ministério Público que, dentro de um prazo razoável, pelo volume de trabalho que tem, ofertou o seu Parecer.

Fiz o voto. Reclama-se, ainda, que o Poder Judiciário não funciona. Quer dizer, a própria atividade defensiva atrapalha, e está com essa Liminar aqui. Eu já tinha julgado um outro Habeas Corpus parecido. Neste caso, agora, está-se, mais uma vez, pedindo o adiamento. Não vejo como adiar, e peço a máxima vênia a S. Excelência, o Dr. Advogado, sobretudo porque o Dr. Estagiário pronunciou-se, aqui, verbalmente, dizendo que o Dr. Advogado encontra-se fora do Rio de Janeiro.”

Prestigiou o Relator, sobretudo, a celeridade do rito, aspecto relevante, sem qualquer dúvida.

Contudo, tratando-se de ação constitucional exclusiva da defesa, unicamente o paciente seria, por desventura, prejudicado pelo novo adiamento, porquanto, como aventado pelo Presidente do Colegiado, a liminar poderia ser cassada (fl. 58).

Com efeito poderia, se relevantes os motivos para tanto.

Do modo em que foi julgado o writ Å sem sustentação oral Å maior foi, para o acusado, o prejuízo que adviria do segundo adiamento, pois a ordem foi denegada e, ademais, é certo que a delonga repercute menos no direito do réu que a ausência de pronunciamento da defesa.

Decerto que a garantia instituída no artigo 5.º, incisos LIV e LV, da Constituição Federal, harmoniza-se com os artigos 133 e 134 da Carta Magna, posto que cabe ao advogado e ao defensor público, no exercício do ius postulandi, materializar, no processo, em favor do réu, os meios inerentes à ampla defesa.

Em recente julgado de minha relatoria, assim expressei meu convencimento sobre a questão:

PROCESSO PENAL. APELAÇÃO. FALTA DE INTIMAÇÃO DO ACUSADO PARA CONSTITUIR NOVO PATRONO, EM FACE DA RENÚNCIA DO ADVOGADO. NÃO NOMEAÇÃO DE DEFENSOR DATIVO, ANTE A AUSÊNCIA DO DEFENSOR CONSTITUÍDO. JULGAMENTO REALIZADO SEM DEFENSOR. CERCEAMENTO DE DEFESA.

[…]

Do mesmo modo, “a falta de intimação pessoal do advogado do réu para a sessão de julgamento da apelação, configura cerceamento de defesa, importando em constrangimento ilegal susceptível de revisão por meio de habeas corpus” (HC 15.397/SP).

A frustração da sustentação oral viola as garantias constitucionais do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa. (grifei)

Ordem concedida para anular o acórdão proferido na Apelação Criminal n.º 2.646/2001-050 e todos os atos processuais subseqüentes, para que outro julgamento seja proferido com a presença do Defensor.

HC 21.415/RJ, Relator o Min. Paulo Medina, DJ de 02.06.2003, pág. 354)

Este tem sido o posicionamento desta Corte, também em casos de habeas corpus, razão por que destaco os seguintes precedentes:

PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. DECRETO-LEI N.º 201/67. COMPETÊNCIA ORIGINÁRIA. DEFESA FINAL.

A defesa final que antecede o iudicium causae é indispensável e a sua ausência gera nulidade absoluta.

Writ concedido.

HC 21.995/RS, Relator o Min. José Arnaldo da Fonseca, Relator p/acórdão o Min. Félix Fischer, DJ de 30.09.2002, pág. 275)

Do voto-condutor, ressalto o seguinte excerto:

“A defesa final que antecede o iudicium causae, no processo criminal, não é opcional ou facultativa. Ela é obrigatória, sendo uma imposição natural do devido processo legal e da necessidade da efetiva defesa (art. 5º, incisos LIV e LV da Lex Fundamentalis).

A própria defesa meramente formal não preenche os requisitos exigidos constitucionalmente. Por maior razão, a inexistência da defesa (v.g., Súmula n.º 523-STF // STF: HC 73227/RS 2.ª Turma, relator Min. Maurício Côrrea, DJU de 25/10/96 – STJ: RHC 10186/RS, 5.ª Turma, relator Min. Edson Vidigal, DJU 2/4/01).

Qualquer manobra havida como protelatória poderia implicar na nomeação de defensor (ou a substituição) com a imediata comunicação à OAB. No entanto, a ausência de defesa deveria ter sido, com antecedência razoável (dada a sua relevância evidente), suprida e não relegada a uma plano secundário.

Voto pela concessão da ordem.”

Calha transcrever ainda, porque oportuno, o seguinte julgado desta Turma, assim ementado:

“HABEAS-CORPUS. RECURSO ORDINÁRIO.

– Ordem concedida para que a Corte de origem proceda a novo julgamento da causa, assegurada ao recorrente a sustentação oral.”

(RHC 10.932/SP, Relator o Min. Fontes de Alencar, DJ de 01.04.2002, pág. 550)

Deste voto, sobressaem as razões acolhidas pelo Relator e expendidas pela então Subprocuradora-Geral da República, Dra. Laurita Hilário Vaz, que hoje compõe a Quinta Turma desta Casa, a seguir transcritas:

“Assim sendo, restando comprovado nos autos a manifesta intenção do advogado do recorrente em produzir sustentação oral em plenário, utilizando-se a faculdade que a lei lhe confere, a sua ausência em razão de óbice criado pela omissão dos serviços burocráticos da Justiça, constitui cerceamento de defesa e ofensa ao devido processo legal.”

Destarte, conquanto não se trate aqui de similitude fática, mas jurídica, entendo evidente, à luz do que se contém nos autos, o constrangimento ilegal imposto ao paciente.

Posto isso, CONCEDO a ordem, para anular o julgamento do HC n.º 2001.02.01.046708-7, a fim de que outro seja realizado, oportunizando à defesa o exercício da sustentação oral.

Decisão unânime, votando com o Relator os Ministros Hamilton Carvalhido e Paulo Gallotti.

Ronaldo Botelho

é advogado e professor da Escola da Magistratura.