Processo civil. Ação civil pública. Direitos de adquirentes de apartamentos residenciais. Legitimidade do Ministério Público.

“RECURSO ESPECIAL N.º 187.668 – DF

REL. MIN. ARI PARGENDLER

EMENTA

O Ministério Público tem legitimidade para propor ação civil pública cujo objeto seja a tutela de direitos de adquirentes de apartamentos residenciais. Ressalva do entendimento pessoal do relator, que a restringe à defesa dos interesses individuais homogêneos indisponíveis. Recurso especial conhecido e provido.”

(STJ/DJU de 18/3/02, pág. 242)

Decidiu o Superior Tribunal de Justiça através de sua 3.ª Turma, relator o ministro Ari Pargendler, que o Ministério Púbico tem legitimidade para propor ação civil pública em defesa dos direitos de adquirentes de apartamentos residenciais, por isso que o Código de Defesa do Consumidor também se aplica aos contratos regidos pela lei 4.591/64, pois entre incorporador e adquirente surge uma relação de consumo.

Consta do voto do relator.

Exmo. sr. ministro ARI PARGENDLER (Relator)

Os autos dão conta de que Moneytárius Construções e Incorporações Ltda., construtora do edifício residencial Saint Tropez, firmou contrato com Wagner Bueno, corretor de imóveis, a fim de que fosse promovida a venda das unidades habitacionais do referido empreendimento. Wagner Bueno, por sua vez, credenciou a empresa Juwago Empreendimentos Imobiliários Ltda., que efetivou as alienações por meio de pré-contrato denominado `pedido de reserva e proposta de compra e venda’, ocorrendo o pagamento, pelos compradores, de parte do preço do imóvel.

Ocorre que Moneytárius Construções e Incorporações Ltda. “resolveu não convalidar as vendas, alegando que o contrato que mantinha era com o réu Wagner Bueno, e não com a ré Juwago, e que não tinha recebido parte do pagamento das 72 unidades habitacionais, passando, em seguida, a anunciar a venda das unidades habitacionais”(fl. 57).

Visando proteger os direitos do grupo adquirinte dos apartamentos do Edifício Saint Tropez, o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios propôs uma ação cautelar e uma ação civil pública.

O MM. juiz de Direito julgou ambas as ações procedentes.

O tribunal a quo reformou a sentença, declarando a ilegitimidade ativa ad causam do Ministério Público.

Lê-se na ementa do acórdão recorrido:

“Ação civil pública. Contrato de promessa e venda de imóvel em construção sob o regime de incorporação. Interessados certos e determinados. Curadoria de defesa do consumidor. Ilegitimidade ativa ad causam. 1. Falta a condição de mero consumidor para a parte que firma contrato de incorporação, uma vez que este é um associado do empreendimento. Falta a condição de mero consumidor para a parte que firma contrato de incorporação e o associado não pode ser tido como consumidor da associação a que pertence.2. Por outro lado, a legitimidade do Ministério Público decorre da circunstância de estar a enfocar um grupo indeterminado de consumidores, não sendo viável o manejo da ação civil pública para proteger determinadas pessoas. 3. Apelação conhecida e provida. Unânime”

(fl. 142).

Defendendo tese contrária, as razões do recurso especial pretendem a modificação do julgado.

Com razão.

O primeiro fundamento adotado pelo Tribunal a quo para declarar a ilegitimidade do Ministério Público, qual seja, o de que incabível, no caso, a ação civil pública, já que não pode ser reconhecida “a condição de mero consumidor para a parte que firma contrato de incorporação”(fl. 149), deve ser afastado.

“O Código de Defesa do Consumidor também se aplica aos contratos regidos pela Lei 4.591/64, pois entre incorporador e adquirente surge uma relação de consumo” (REsp 80.036, SP, relator o eminente ministro Ruy Rosado de Aguiar, DJU 25/3/96).

O mesmo se diga com relação ao segundo fundamento, levando em conta que a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça tem admitido a propositura, pelo Ministério Público, de ação civil pública para a defesa de consumidores em contratos análogos.

Nesse sentido o EREsp n.º 141.491, SC, relator o eminente ministro Waldemar Zveiter, assim ementado:

“Processual civil. Ação coletiva. Cumulação de demandas. Nulidade de cláusula de instrumento de compra e venda de imóveis. Juros. Indenização dos consumidores que já aderiram aos referidos contratos. Obrigação de não-fazer da construtora. Proibição de fazer constar nos contratos futuros. Direitos coletivos, individuais homogêneos e difusos. Ministério Público. Legitimidade. Doutrina. Jurisprudência. Recurso provido.

I – O Ministério Público é parte legítima para ajuizar ação coletiva de proteção ao consumidor, em cumulação de demandas, visando: a) a nulidade de cláusula contratual (juros mensais); b) a indenização pelos consumidores que já firmaram os contratos em que constava tal cláusula; c) a obrigação de não mais inseri-la nos contratos futuros, quando presente como de interesse social relevante a aquisição, por grupo de adquirentes, da casa própria que ostenta a condição das chamadas classes média e média baixa.

II – Como já assinalado anteriormente (REsp. 34.155-MG), na sociedade de uma nova atmosfera cultural, o processo civil, vinculado estreitamente aos princípios constitucionais e dando-lhes efetividade, encontra no Ministério Público uma instituição de extraordinário valor na defesa da cidadania.

III – Direitos (ou interesses) difusos e coletivos se caracterizam como direitos transidividuais, de natureza indivisível. Os primeiros dizem respeito a pessoas indeterminadas que se encontram ligadas por circunstâncias de fato; os segundos, a um grupo de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária através de uma única relação jurídica.

IV – Direitos individuais homogêneos são aqueles que têm a mesma origem no tocante aos fatos geradores de tais direitos, origem idêntica essa que recomenda a defesa de todos a um só tempo.

V – Embargos acolhidos”

(DJU 1/8/00).

Ante o exposto, com ressalva de entendimento pessoal, voto no sentido de conhecer do recurso especial e de lhe dar provimento para que, afastada a ilegitimidade ativa do Ministério Público, o tribunal a quo prossiga no julgamento da causa.

Decisão unânime, votando com o relator os ministros César Asfor Rocha, Ruy Rosado de Aguiar e Aldir Passarinho Júnior.

Processual civil. Recurso especial. Prazo que não flui nas férias forenses.

“AGRG NO AGRAVO DE INSTRUMENTO N.º 198.867 – SP

Rel.: Min. Ari Pargendler

EMENTA

No curso de férias coletivas do Tribunal não flui o prazo para a interposição do recurso especial. Agravo Regimental não provido.” (STJ/DJU de 30/9/02, pág. 254)

Decidiu a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, relator o ministro Ari Pargendler, que durante as férias forenses não tem curso o prazo para interposição de recurso especial, mesmo em causa de procedimento sumaríssimo.

Consta do voto do relator:

Exmo. sr. ministro Ari Pargendler (relator):

A Egrégia Terceira Turma, no julgamento do REsp 299.835, RJ, de minha relatoria, em 19 de março de 2002, decidiu que o prazo para a interposição de recurso, em processos de rito sumário, não flui durante as férias forenses.

Do voto condutor se extrai:

“… porque durante as férias coletivas, previstas na Lei Complementar n.º 35, de 1979, `não flui o prazo para interposição do especial’ (REsp n.º 80.671, MG, relator para acórdão ministro Eduardo Ribeiro, DJ, 8/9/98).

No mesmo sentido, o REsp n.º 48.969, SP, relator o ministro Costa Leite, assim ementado: `Recurso especial. Superveniência de férias coletivas. Procedimento sumaríssimo. A interpretação teleológica das regras constantes dos arts. 174 do CPC e 66, § 1.º, da Loman autoriza concluir que, durante as férias coletivas do Tribunal, não flui o prazo do recurso especial, mesmo que se trate de causa de procedimento sumaríssimo. Embargos conhecidos e recebidos’

(SJ, 24/11/97)”.

Voto, por isso, no sentido de negar provimento ao agravo regimental.

Decisão por unanimidade, votando com o relator os ministros Fernando Gonçalves, Hamilton Carvalhido, Paulo Gallotti e Fontes de Alencar.

Penal. Comissão de recolhimento de contribuições previdenciárias. Parcelamento anterior à denúncia. Desnecessidade do pagamento integral. Extinção da punibilidade.

“RECURSO ESPECIAL N.º 326.243-PR

REL.: MIN. GILSON DIPP

EMENTA

I. Uma vez deferido o parcelamento, em momento anterior ao recebimento da denúncia, verifica-se a extinção da punibilidade prevista no Art. 34 da Lei n.º 9.249/95, sendo desnecessário o pagamento integral do débito para tanto.

II. Precedentes da 3.ª Seção desta Corte.

III. Recurso desprovido.”

(STJ/DJU de 16/9/02, pág. 220).

Na linha do precedente da 3.ª seção do Superior Tribunal de Justiça decidiu a 5.ª Turma dessa Corte que o acordo de parcelamento do débito tributário, efetivado antes do recebimento da denúncia, enseja a extinção da punibilidade prevista na Lei n.º 9.249/95, art. 34.

Consta do voto do Relator:

O exmo. sr. ministro Gilson Dipp (relator):

Trata-se de recurso especial, interposto de decisão do Tribunal Regional da Quarta Região que negou provimento ao recurso interposto pelo Parquet, confirmando decisão de primeiro grau de jurisdição que extinguiu a punibilidade do réu, com base no art. 34 da Lei n.º 9.249/95.

Consta dos autos que o recorrido foi denunciado como incurso no art. 95, alínea “d”, da Lei n.º 8.212/91 c/c o art. 71 do Código Penal, por que não teria, em tese, recolhido aos cofre do INSS as contribuições previdenciárias descontadas de seus empregados no período de março de 1995 a outubro de 1996.

Por ocasião da sentença do proferimento da sentença, o juiz monocrático decretou a extinção da punibilidade do réu, em razão do parcelamento da dívida efetuada antes do recebimento da denúncia do réu, nos termos da denúncia, argumentando que o referido parcelamento não seria capaz de ilidir o dolo da conduta e que somente o pagamento integral da dívida poderia ocasionar a extinção da punibilidade.

O Tribunal a quo, por sua vez, recebendo a apelação como recurso em sentido estrito, negou-lhe provimento confirmando a sentença monocrática.

Diante disso o Ministério Público Federal interpôs o presente recurso especial sustentando contrariedade ao art. 34 da Lei n.º 9.249/95, além de dissídio jurisprudencial.

Conheço do recurso porque satisfeitos os seus requisitos de admissibilidade.

Não assiste, contudo, razão ao recorrente.

O cerne da questão diz respeito ao parcelamento do débito antes do recebimento da denúncia, e se o mesmo enseja, ou não, a extinção da punibilidade do réu.

Tenho entendido que a manifestação concreta no sentido de saldar a dívida – como no caso de parcelamento do débito junto ao Estado – em momento anterior ao recebimento da exordial acusatória, afasta a justa causa para a ação penal, ainda que restando eventual discussão extrapenal dos valores.

Com efeito, o parcelamento do débito deve ser entendido como equivalente à promoção do pagamento. Dessarte, o próprio art. 14 da Lei n.º 8.137/90 não fazia distinção se o promover seria integral ou parcelado, razão pela qual se tem como suficiente o ato de saldar a dívida – o que sobressai do próprio parcelamento. De outro lado, o parcelamento cria nova obrigação, extinguindo a anterior, pois, na realidade, verifica-se uma novação da dívida – o que faz a equivalência ao art. 14 da Lei n.º 8.137/90, para o fim de extinguir a punibilidade do aturo do crime.

Desta maneira, o instituto envolve transação entre as partes credora e devedora, alternado a natureza da relação jurídica e retirando dela o conteúdo criminal para lhe atribuir caráter de ilícito civil tato sensu.

Não obstante, o Estado credor dispõe de mecanismos próprios e rigorosos para satisfazer devidamente os seus créditos, pois a própria negociação realizada envolve previsões de sanção para a inadimplência.

A questão de eventual inadimplência ainda poderá ser resolvida no Juízo apropriado, pois na esfera criminal só restará a declaração da extinção da punibilidade.

Devido a tal conclusão, penso que se torna efetivamente irrelevante saber se foram pagas poucas ou muitas parcelas, pois o que interessa é que o acordo de parcelamento foi celebrado antes do recebimento da denúncia, possuindo efeito jurídico igual ao pagamento.

Dessarte, para efeitos penais, o parcelamento extingue a dívida, criando outra obrigação, razão pela qual se deve ter como efetuado o pagamento, para este fim – embora deva ser consignado que o e. Supremo Tribunal Federal não tem manifestado esse entendimento. Mas trata-se de matéria infraconstitucional e, sendo favorável à parte, não haverá recurso em habeas corpus para o Supremo Tribunal Federal, pacificando-se, nesta instância, que é a sede efetiva da interpretação da lei federal.

Não há porque o Direito Penal preocupar-se com atos que não sejam relevantemente anti-sociais, a justificar o desencadeamento da proteção punitiva Estatal – como, aliás, apregoam os modernos doutrinadores penalistas. Ainda tenho por colacionar a promoção do i. Subprocurador-Geral da República, Eitel Santiago de Brito Pereira, exarado no Resp n.º 191.294-RS, que se adapta com precisão à controvérsia:

“A interpretação rigorosa dos preceitos da lei penal, perseguida pelo Recorrente, não concorre para melhorar as condições de vida da sociedade brasileira. O encarceramento de empresários, pela perpetração de crimes fiscais, deve ser reservado para situações excepcionalíssimas, pois pode provocar até o desaparecimento de algumas empresas, aumentando o intolerável nível de desemprego existente na atualidade. De que adiantaria mandar para as cadeias, já abarrotadas de delinqüentes violentos, pessoas que mesmo cometendo ilícitos tributários, exercem atividades comerciais lícitas e produtivas, absorvendo mão-de-obra em suas empresas? Tal providência não se justifica, nem atende aos reclamos de uma política criminal construtiva. Notadamente, se os responsáveis pela infração procuram se compor com o Fisco, providenciando ainda que de forma parcelada, a quitação das exações devidas.”

A corroborar o entendimento, os seguintes julgados:

“Penal. Débito tributário. Parcelamento anterior ao recebimento da denúncia. Extinção da punibilidade.

1. O acordo de parcelamento do débito tributário, efetivado antes do recebimento da denúncia, enseja a extinção de punibilidade prevista na Lei 9249/95, art. 34, porquanto a expressão “promover o pagamento deve ser interpretada como qualquer manifestação concreta no sentido de pagar o tributo devido.

2. “Habeas Corpus” conhecido; pedido deferido.”

(HC n.º 9.909/PE; Rel. Ministro Edson Vidigal; DJ 13/12/1999)

“Resp. Débito tributário. Transação. Formalização antes do recebimento da denúncia. Art. 34 da Lei 9.249/95. Extinção da punibilidade.

1. A transação proposta pelo contribuinte e aceita pelo Fisco, antecedentemente ao recebimento da denúncia com vistas à extinção do crédito tributário pelo pagamento, ainda que de forma parcelada e mediante concessões mútuas, retira a justa causa para a ação penal.

O art. 34, da Lei 9.249/95 fala em “promover o pagamento” e, nestas cricunstâncias, formalizado bilateralmente o ajuste, com providências efetivas ao pagamento, nada impede que este se faça após o ato de recebimento da acusação.

“Recurso especial. Penal e processual penal. Apropriação indébita. Não recolhimento de tributos. Parcelamento do débito antes do oferecimento da denúncia. Extinção da punibilidade.

Reiterada jurisprudência desta Corte no sentido de que o parcelamento da dívida tributária eqüivale a pagamento, acarretando a extinção da punibilidade do sujeito ativo da infração, nos termos do art. 34, da Lei 9.429/95.

Na hipótese vertente, além de comprovado o parcelamento do débito antes do recebimento da denúncia, verificou-se posteriormente a quitação integral da obrigação tributária.

Recurso conhecido, mas desprovido.”

(Resp 184.338/SC; Rel. ministro José Arnaldo; DJ de 31/5/1999).

Poder-se-ia dizer que a Lei do Refis, a Lei n.º 9.964/2000, quando propicia o parcelamento do débito, mas condiciona apenas a suspensão do processo à suspensão da prescrição até o efetivo cumprimento da obrigação, que pode se dar, às vezes, em trinta anos, comete uma iniqüidade – esse tipo de suspensão do processo com parcelamento tão amplo – a lei do Refis – parece-me que não se aplicaria aos casos concretos ora tratados, porque mostra uma disposição, pelo legislador, de verdadeiro arrocho fiscal através da lei penal. Além disso, cuida-se de inovação legislativa posteriormente mais benéfica ao réu. Nestes termos, parcelado o débito antes do recebimento da denúncia, que, para fins penais eqüivale ao pagamento, e aplicando-se de forma retroativa lex mitior, que prevê como causa extintiva de punibilidade do denunciado.

A Terceira Seção desta Corte, inclusive, por ocasião do julgamento, em 8/5/2002, do RHC n.º 11.598/SC, de minha relatoria, firmou entendimento nesse sentido:

“Criminal. Recurso em habeas corpus. Omissão de recolhimento de contribuições previdenciárias. Parcelamento anterior à denúncia. Desnecessidade do pagamento integral. Recurso provido.

I. Uma vez deferido o parlamento, em momento anterior ao recebimento da denúncia, verifica-se a extinção da punibilidade prevista no art. 34 da Lei n.º 9.249/95, sendo desnecessário o pagamento integral do débito para tanto.

II. Recurso provido para conceder a ordem, determinando o trancamento da ação penal movida contra os pacientes.”

Diante do exposto, nego provimento ao recurso.

É como voto.

Documento: 486234

Relatório e voto

Decisão unânime, votando como relator os ministros José Arnaldo da Fonseca e Felix Fischer.

Ronaldo Botelho

é advogado e professor da Escola da Magistratura.