Preso. Direito a receber visitas de familiares

 

O Ministro Gilmar Mendes, do STF, deferiu, recentemente, liminar em habeas corpus cujo impetrante reclama seja assegurado ao paciente, preso, o direito a receber visitas de familiares (filhos e enteados menores). Veja-se a íntegra da decisão:

DECISÃO: Trata-se de habeas corpus, com pedido de medida liminar, impetrado pela Defensoria Pública da União, em favor de Marcio Garcia da Silva.

Nestes autos, a defesa questiona a decisão proferida pelo Ministro Og Fernandes, do Superior Tribunal de Justiça, que indeferiu liminarmente o HC 198.787/RS, por reputá-lo incabível.

Na espécie, o paciente encontra-se recolhido no sistema prisional do Estado do Rio Grande do Sul desde o dia 19.9.2001, com término de pena previsto para 16.7.2040.

A defesa requereu ao Juízo da Vara das Execuções Criminais da Comarca de Porto Alegre/RS autorização de visita para seus dois filhos e três enteados, que restou indeferida, nos seguintes termos:

 

‘Em que pese a manifestação ministerial de fl. 666 e o vínculo de parentesco de duas das crianças com o apenado em questão, indefiro o pedido de visitação dos menores EVELYN TELLES RODRIGUES DA SILVA, LUÃ TELLES RODRIGUES DA SILVA, RAFAELA GARCIA NUNES, RAFAEL GARCIA NUNES e WESLLEY GARCIA ALVES, tendo em vista que, mesmo possuindo vínculo, os mesmos estão sendo expostos, sem nenhuma garantia, a um ambiente que não lhes é próprio podendo trazer prejuízos à formação psíquica dos menores, o que, no momento, deve ser preservado’.

Contra essa decisão interpôs agravo em execução.

A Terceira Câmara Criminal do TJ/RS negou provimento ao recurso, conforme ementa transcrita:

‘AGRAVO EM EXECUÇÃO. PEDIDO DE AUTORIZAÇÃO DE VISITAS DE MENORES.

O ingresso das crianças e adolescentes no ambiente prisional afronta as disposições protetivas do Estatuto da Criança e do Adolescente, artigos 18 e 70. Com efeito deve ser preservada a saúde física e psicológica da criança, preponderando tal direito em sobreposição ao interesse do apenado em receber a visita dos menores. Portanto, a decisão recorrida deve ser mantida. AGRAVO IMPROVIDO. UNÂNIME’.

A defesa, então, impetrou HC perante o STJ, sustentando que o pedido de visitas é assegurado legalmente pela LEP e auxilia no processo de ressocialização do preso.

O Ministro Og Fernandes, relator no STJ, indeferiu liminarmente o habeas: ‘o pedido de visitas ora formulado não se compatibiliza com a via eleita, uma vez que a ação constitucional do habeas corpus visa garantir a liberdade do cidadão (direito de locomoção) e, no caso, não há qualquer violação ao direito de ir e vir do paciente‘.

Neste writ, a defesa alega: “a autorização para que os filhos e enteados do paciente possam visitá-lo é perfeitamente viável por meio de HC, uma vez que o deslinde dessa pretensão espraiará efeitos sobre o processo de ressocialização e em seu estado de liberdade.

Assevera, ainda: ‘a falta de autorização para as visitas pretendidas, além de interferir no estado de liberdade do paciente, configura constrangimento na liberdade de locomoção, também, dos filhos e enteados do reeducando, uma vez que os priva de irem até o lugar onde o pai deles está‘.

Liminarmente, requer a suspensão das decisões proferidas pelas instâncias ordinárias, por meio das quais foi vedada a visita dos filhos e enteados menores do paciente ao estabelecimento prisional em que se encontra recolhido.

Passo a decidir.

Inicialmente entendo viável em sede de habeas corpus discutir-se a possibilidade de visita de filhos. É que de longa data esta Corte já vem analisando, por meio de impetração, a questão relativa ao direito do réu preso ao contato com seu advogado, bem como com sua família (HC 37.399, red. p/acórdão Min. convocado Henrique D’Avila, Pleno, DJ 8.9.1960). Aliás, o direito a visita é assegurado pela Lei de Execuções Penais (art. 41, X).

Conforme ressaltado pelo Ministro Celso de Mello no julgamento do HC 105.175/SP: ‘sabemos que a execução penal, além de objetivar a efetivação, a implementação da condenação penal imposta ao sentenciado, busca também propiciar condições para a harmônica integração social daquele que sofre a ação do magistério punitivo do Estado.’

Nesse contexto, portanto, a visita representa medida adequada à ressocialização do preso. Nesse sentido, transcrevo a ementa de julgado desta Corte:

‘PENA – CUMPRIMENTO – TRANSFERÊNCIA DE PRESO – NATUREZA. Tanto quanto possível, incumbe ao Estado adotar medidas preparatórias ao retorno do condenado ao convívio social. Os valores humanos fulminam os enfoques segregacionistas. A ordem jurídica em vigor consagra o direito do preso de ser transferido para local em que possua raízes, visando a indispensável assistência pelos familiares (…)’ – (HC 71.179/PR, Rel. Min. Marco Aurélio, 2ª Turma, unânime, DJ 3.6.1994).

Vislumbro, à primeira vista, que as decisões formalizadas pelo Juízo de origem e demais tribunais são inidôneas, e merecem ser suspensas.

Esclarecedor é o parecer do Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul, Comarca de Porto Alegre, que assim se manifesta:

‘Com a devida vênia, há de se acolher a postulação defensiva apenas em relação ao pedido para que os filhos LUÃ e EVELYN possam visitá-lo.

Afinal, o direito do agravante em receber visitas não é contestado, em absoluto, por este Juízo, não só por ser um direito previsto na Lei de Execução Penal (art. 41, inciso X), mas por se tratar de importante elemento para a ressocialização dos apenados em geral.

Ocorre que a SUSEPE, na sua Portaria nº 02 de 2001, regulou os procedimentos a serem adotados quanto ao ingresso de visitantes nos Estabelecimentos Prisionais do Rio Grande do Sul, visando, com tal medida, estabelecer normas de organização para a entrada e saída de pessoas, amigos e parentes dos apenados, e evitar o caos e a insegurança penitenciários.

Ao regulamentar o acesso das pessoas às penitenciárias e presídios, buscou-se, com relação às crianças menores de 12 anos, a comprovação de parentesco e vínculo familiar com os apenados, uma vez que não se nega tal direito, conforme determinado no artigo 8º da Portaria, apenas resguarda-o.

O que se discute aqui é concessão de autorização judicial para que duas crianças de 05 (cinco) anos e uma de 12 (doze) anos de idade, filhas da atual companheira do apenado (chamada Giovana Brum Garcia), possa visitá-lo no estabelecimento penal.

Neste aspecto, é importante ressaltar que tais infantes são filhos da companheira atual do apenado, conforme certidões de nascimento juntadas às fls. 654, 656 e 659 do PEC, não havendo nenhuma prova nos autos da relação de pai e filho, bem como da relação estável com a genitora.

É nítida a ausência de elementos que justificam e comprovam vínculo familiar. Aliás, nesse aspecto, é importante referir que em 03/06/2008 (há cerca de um ano e meio atrás), o apenado teve deferido em seu favor a visita por parte de Angela Giovana Santos Rodrigues (fls. 424/426), sua companheira na ocasião, a qual não é mãe nem de seus filhos nem dos referidos enteados.’

Ante o exposto, defiro parcialmente o pedido de medida liminar apenas para assegurar ao paciente o direito de visita dos filhos LUÃ TELLES RODRIGUES DA SILVA e EVELYN TELLES RODRIGUES DA SILVA.

Com relação aos menores WESLEY GARCIA ALVES, RAFAEL GARCIA NUNES e RAFAELA GARCIA NUNES, filhos da suposta companheira do apenado, indefiro o pedido, pois não restou demonstrado o vínculo de parentesco com o paciente, tão pouco a estabilidade da relação com a genitora.

Comunique-se com urgência.

Publique-se.

Estando os autos devidamente instruídos, abra-se vista à Procuradoria-Geral da República.

Brasília, 11 de abril de 2011.

Ministro GILMAR MENDES

Relator

Documento assinado digitalmente.

(STF – HC 107701/RS – Rel. Gilmar Mendes – DJe de 14.4.11)

N o t a s

É impressionante o fato de que os procuradores do cidadão preso tenham sido obrigados a passar por todas as instâncias do Judiciário para que fosse reconhecido (ainda que provisoriamente, em sede liminar) um direito que tem base constitucional e legal expressa, como aponta a humana decisão. Um dos fundamentos utilizados, nas instâncias inferiores, para que fosse negada ao preso a visitação pelos próprios filhos, diz com a qualidade do “ambiente prisional”, que seria prejudicial aos menores. Quanto a isso, cabem algumas ponderações.

Em primeiro lugar, a prisão é um ambiente feito para ser prejudicial. Ela segrega cidadãos e serve como meio de repressão estatal, de modo que uma de suas funções naturais é infligir um mal. Porém, esse mal deve ser ministrado de forma controlada, em atenção a direitos mínimos, como a dignidade da pessoa humana, por exemplo. Em nosso país, sabe-se que tais direitos mínimos, como regra, não são garantidos aos penitentes. Sendo assim, o citado fundamento está a impedir que qualquer preso, no Brasil, seja visitado por seus filhos menores (ao menos enquanto a situação carcerária geral permanecer crítica). E será criada, assim, uma pena acessória à reclusão: a proibição de convivência com os filhos. Por um lado, se a ideia da “ressocialização” é factível, ela provavelmente rejeita a quebra dos laços familiares do condenado; por outro lado, em que medida a separação abrupta e duradoura dos pais poderá afetar a saúde de uma criança? Quando a Constituição diz que “nenhuma pena passará da pessoa do condenado” (CF, art. 5º, XLV), ela impõe que se considere tal indagação.

Em segundo lugar, a opinião de que é prejudicial às crianças visitar o pai que está preso revela um alto grau de paternalismo. Não do pai, mas do Estado (o que, em Direito Penal, é o avesso do Estado Social). Será que o Estado-Juiz realmente sabe o que é melhor para a relação de Luã Telles Rodrigues da Silva e de Evelyn Rodrigues da Silva com o pai deles? Será que o Estado-Juiz tem essa responsabilidade? Será que ele a quer? É óbvio que o cabe ao poder público coibir qualquer lesão ou perigo de lesão evidentes à pessoa humana (seja menor ou adulto), mas a sua intervenção encontra limite na esfera de livre disposição da privacidade e da intimidade jurisdicionado.

Em terceiro lugar, quando se afirma que a visitação de menores a seus parentes em presídios desrespeita garantias do Estatuto da Criança e do Adolescente, ignora-se a possível existência de procedimentos adequados e regulamentados em normas administrativas para tal visita. Afinal, pode ser que não seja tão ruim assim, para a criança, encontrar com os pais, mesmo que estejam presos. Eventual abuso por parte de quem quer que seja, apto a causar danos à criança, certamente será passível de responsabilização. O que não pode haver é a antecipação de um prejuízo que talvez nunca ocorra, em detrimento do convívio familiar.

No mais, registre-se o importante reconhecimento, mais uma vez divulgado, do cabimento da ação constitucional de habeas corpus como meio idôneo para questionar e fazer cessar a violação a garantias fundamentais, como foi feito na decisão em questão.

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