Penal. Vereador. Palavras consideradas ofensivas proferidas no exercício da função e no recinto da Câmara. Inviolabilidade material.

“RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS N.º 12.948/MG

REL.: MIN. JOSÉ ARNALDO DA FONSECA

EMENTA: As palavras proferidas por vereador contra a pessoa de deputado no ato da apreciação das contas do município, como decorrência do exercício do mandato, e no âmbito da Câmara respectiva, têm-se por invioláveis, conforme dispositivo constitucional previsto no art. 29, inciso VIII.

Sendo assim, a ação penal dali decorrente afigura-se injustificável, sendo imperioso o trancamento.

Recurso provido.”

(STJ/DJU de 16/12/02)

Na linha de precedentes do Superior Tribunal de Justiça, a sua Quinta Turma, relator o ministro José Arnaldo da Fonseca, concedeu “habeas corpus” para trancar ação penal privada proposta contra vereador por palavras consideradas como ofensivas, proferidas no recinto da Câmara durante a votação das contas do município.

Considerou a turma que, pelo preceito constitucional insculpido no art. 29, inciso VIII, assegura-se ao vereador a inviolabilidade por suas opiniões, palavras e votos, estabelecendo, tão-somente, como limites, o exercício do mandato e a circunscrição do município.

Consta do voto do Relator:

O Exmo. Sr. Ministro José Arnaldo Da Fonseca (Relator):

A matéria objeto de discussão neste recurso ordinário em writ of habeas corpus, não obstante o teor majoritário do julgamento do Tribunal a quo, é tipicamente de imunidade material da função pública de vereador. É que o vereador ora paciente, no momento da discussão das contas do Município, e no âmbito de sua circunscrição, entabulou notícia contra o deputado querelante, ou seja, proferiu palavras desairosas contra aquela pessoa. Nesse sentido, tem sido o pensamento desta Corte e do Supremo Tribunal Federal.

Por essa razão, evitando-se considerações similares e improducentes, colho o parecer ministerial nas seguintes passagens como forma de decidir (fls. 165/7):

“Conforme relatado, argumenta o recorrente – Vereador da Câmara Municipal de Betim – processado por crime contra a honra, inviolabilidade por sua opinião, palavra e voto, no exercício do mandato e na Circunscrição do Município, à luz do disposto no art. 29, inciso VIII, da Magna Carta.

Com efeito, diz o art. 29, VIII da Constituição Federal:

” Art. 29. O Município reger-se-á por lei orgânica, votada em dois turnos, com interstício mínimo de dez dias, e aprovada por dois terços dos membros da Câmara Municipal, que a promulgará, atendidos os princípios estabelecidos nesta Constituição, na Constituição do respectivo Estado e os seguintes preceitos

(…)

VIII – inviolabilidade dos Vereadores por suas opiniões, palavras e votos no exercício do mandato e na circunscrição do Município”.

É incontroverso, portanto, que pelo preceito constitucional insculpido no art. 29, inciso VIII, assegura-se, expressamente, a inviolabilidade dos Vereadores por suas opiniões, palavras e votos, estabelecendo, tão-somente como limites, o exercício do mandato e a circunscrição do Município.

Tal prerrogativa, entretanto, restringe-se ao âmbito dos trabalhos feitos no recinto da Câmara Municipal ou, quando proferidos fora dele, devem guardar estrita correlação com a atividade pública do parlamentar.

Sendo assim, é indispensável que haja evidente vínculo entre os fatos declinados e o exercício do munus público.

Na espécie, o Deputado Federal Vitório Medioli ajuizou queixa-crime em 1/11/2000 contra o paciente, ao fundamento de que o Jornal Carapintada, na edição do dia 10/08/2000, veiculara matéria imputando-lhe a prática de fato que se constituiria em crime definido na lei penal, que foi a seguinte:

“Denunciou que o Deputado Vitório Medioli tentou chantageá-lo durante reunião ocorrida na sede da Sada Transporte, um dia antes da reunião da Câmara que apreciaria as contas de Maria do Carmo, do ano de 93. Segundo Salomão, o Deputado lhe preveniu sobre uma matéria pesada que o ” O Tempo” publicaria, envolvendo o nome do vereador. Medioli teria dito que se Salomão votasse contra as contas de Maria, ele, Medioli, impediria de a matéria ser publicada. ” Não aceitei a chantagem porque não tenho rabo preso com ninguém”.

Deste modo, verifica-se que no âmbito da circunscrição do Município, o paciente, na qualidade de vereador teceu crítica ao deputado federal, em tema que dizia respeito igualmente ao seu mandato de vereador, qual seja a votação das contas da ex-prefeita municipal de Betim.

Como visto, é forçoso reconhecer que o paciente agiu sob o manto da imunidade parlamentar, tendo denunciado irregularidades sobre questão de peculiar interesse municipal, qual seja aprovação ou não de conta de ex-prefeita municipal.

Manifestou, portanto, opinião em razão de exercício de mandato de vereador, estando sob o respaldo da inviolabilidade prevista no art. 29, VIII, da Constituição Federal.

Nesse sentido:

“PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ORDINÁRIO. VEREADOR. INVIOLABILIDADE.

O Vereador, atuando no âmbito da circunscrição territorial do Município a que está vinculado e na defesa da honorabilidade da sua atuação parlamentar, em meio a atrito, não pode ser submetido a processo penal pela prática de crime contra a honra pois, presente o nexo entre o exercício do mandato e a manifestação do parlamentar, incide a inviolabilidade prevista na Carta Magna (art. 29, VIII).

Recurso provido.” ( RHC 9857/SP, STJ, 5.ª Turma. Rel. Min. Felix Fischer. DJ de 27/08/2001, pág. 349)

“CONSTITUCIONAL. PROCESSUAL PENAL. VEREADOR. IMUNIDADE. OPINIÃO NO EXERCÍCIO DO MANDATO. AÇÃO PENAL. TRANCAMENTO.

– Segundo o cânon inscrito no art. 29, VI, da Constituição, o vereador é inviolável por suas opiniões, palavras e votos no exercício do mandato, no debate de assuntos de interesse do Município.

– Instaurado inquérito policial contra Vereador sob a acusação de crime contra a honra de Prefeito Municipal, impõe-se o reconhecimento da imunidade parlamentar e o conseqüente trancamento da ação penal, se as opiniões emitidas denunciavam irregularidades sobre questão de peculiar interesse municipal.

– Habeas-corpus concedido.” (HC 8518/SP, STJ, 6.ª Turma. Rel. Min. Vicente Leal. DJ de 20/09/1999, pág. 87)

Deste modo, o curso de ação penal privada intentada contra o paciente importa em constrangimento ilegal que pode ser obstado pelo provimento do recurso.”

Diante do exposto, dou provimento ao recurso para o fim de que seja trancada a ação penal.

Decisão unânime, votando com o relator os ministros Felix Fischer e Jorge Scartezzini.

Processual Civil. Petição recursal não assinada. Irregularidade suprível. Princípio da instrumentalidade.

“RECURSO ESPECIAL N.º 157.414/DF

REL.: MIN. BARROS MONTEIRO

EMENTA: – Em face do princípio da instrumentalidade, salvo a hipótese de má-fé, deve ser propiciada à parte a oportunidade de regularizar a peça recursal apresentada sem assinatura. Precedentes.

Recurso especial conhecido e provido.”

(STJ/DJU de 10/3/03)

Decidiu o Superior Tribunal de Justiça, uma vez mais, desta feita através de sua Quarta Turma, relator o ministro Barros Monteiro, que, em face do princípio da instrumentalidade das formas, deve ser concedida à parte oportunidade para suprir a falta de assinatura na peça recursal.

O sr. ministro Barros Monteiro (relator):

Razão assiste à recorrente.

Em face do princípio da instrumentalidade das formas, salvo a hipótese de má-fé, deve o juiz propiciar à parte a oportunidade de regularizar a peça recursal apresentada sem assinatura. Essa é a jurisprudência pacífica desta Corte Superior. Nesse sentido confiram-se os REsps n.º 3.368-CE, relator ministro Athos Carneiro; 18.729-RJ, relator ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira; 111.803-RS, relator ministro Aldir Passarinho Júnior; 163.950-SP, relator ministro José Arnaldo; e 61.908-RJ, por mim relatado.

Trata-se, com efeito, de irregularidade suprível, pelo que, ao indeferir, deste logo, o recurso interposto, o Tribuanl a quo não somente malferiu a regra do art. 284 do CPC, como ainda dissentiu da jurisprudência desta Casa, colacionada pela recorrente.

Do quanto foi exposto, conheço do recurso por ambas as alíneas do admissor constitucional e dou-lhe provimento, a fim de que, cassado o Acórdão recorrido e suprida a deficiência, o sr. relator profira o juízo de admissibilidade dos embargos opostos.

É o meu voto.

Decisão unânime, votando com o relator os ministros César Asfor Rocha, Ruy Rosado de Aguiar e Sálvio de Figueiredo Teixeira.

Ronaldo Botelho

é advogado e professor da Escola da Magistratura.