Penal. Tráfico de entorpecentes. Substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direito. Possibilidade.

?APELAÇÃO CRIMINAL N.º 2005.70.03.001815-8/PR

Rel.: Des. Federal Élcio Pinheiro de Castro

EMENTA – 1. A legislação referente aos crimes hediondos e/ou equiparados (art. 5.º, XLIII, da CF/88 e art. 2.º da Lei 8.072/90) proíbe a concessão de graça, anistia, indulto e liberdade provisória, com ou sem fiança, não trazendo vedação expressa ao benefício da substituição da pena carcerária por restritivas de direitos. Tampouco há previsão no CP de que tal instituto não poderia ser aplicado aos referidos delitos. 2. A obrigatoriedade de regime integralmente fechado (art. 2.º, § 1.º, da Lei n.º 8.072/90) não obsta, per se stante, a permuta por sanções alternativas, porquanto o regime de cumprimento é matéria afeta à pena privativa de liberdade, devendo ser levado em conta somente quando houver a conversão das restritivas de direitos, nos termos do 44, § 4.º, do CP. Precedentes do STF (HC n.º 84.928, Primeira Turma – Informativo n.º 403) e desta Corte (ACR n.º 2004.70.02.002078-4/PR, Sétima Turma, Rel. Des. Maria de Fátima Freitas Labarrère, public. no DJU de 16.2.2005). 3. In casu, restaram preenchidos os requisitos objetivos (pena não superior a 04 anos e crime não cometido com violência ou grave ameaça à pessoa) e subjetivos (culpabilidade, antecedentes, conduta social, personalidade, motivos e circunstâncias) indicando ser a substituição medida suficiente para fins de prevenção e repressão ao delito.

(TRF da 4.ª Região, DJU de 1/2/06)

No sentido do que a lei dos crimes hediondos não veda a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direito, decidiu a Oitava Turma do Tribunal Federal da 4.ª Região, relator o desembargador federal Élcio Pinheiro de Castro, com o seguinte voto condutor:

Centra-se a irresignação, portanto, no pedido de substituição da pena privativa de liberdade por sanções alternativas. Neste ponto, o douto Procurador Regional da República teceu as seguintes considerações:

?(…) Os crimes descritos no art. 12 da Lei 6.368/76 são equiparados a hediondos por força da Lei 8.072/90.

Assim, tendo em vista o regime de cumprimento da pena privativa de liberdade, não há como aplicar a substituição da reprimenda imposta por sanção restritiva de direitos. Como foi percucientemente abordado pelo magistrado a quo: ?A Constituição Federal considera o tráfico de entorpecentes delito assemelhado a crimes hediondos (art. 5.º, inciso XLIII). Esse tratamento mais rigoroso imposto pela norma constitucional resulta na impossibilidade de aplicação de pena alternativa ou de ?sursis?, institutos reservados apenas aos crimes de menor gravidade. Além disso, o art. 2.º da Lei 8.072/90, estabelece em seu parágrafo primeiro o regime integralmente fechado para o cumprimento da pena decorrente, entre outros, do tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins. Tratando-se de norma especial, deve prevalecer diante das disposições gerais contidas no Código Penal (art. 12 do CP)?. (fl. 102). A impossibilidade da substituição aludida pela defesa é reconhecida também pelo Superior Tribunal de Justiça e pelo Supremo Tribunal Federal (…).?

Da mesma forma, vários julgados foram proferidos por esta Corte nesse sentido, como, por exemplo:

ACR n.º 2004.71.03.000087-5/RS (Sétima Turma, Rel. Des. Néfi Cordeiro, public. no DJU de 11.5.2005) ACR n.º 2002.71.00.009434-2/RS (Oitava Turma, Rel. Des. Élcio Pinheiro de Castro, public. no DJU de 2.7.2003) ACR n.º 2003.72.00.007661-9/SC (Sétima Turma, Rel. Des. Mária de Fátima Freitas Labarrère, public. no DJU de 2.3.2005).

Entretanto, recentemente a Primeira Turma do STF, no julgamento do Habeas Corpus 84928/MG, de relatoria do Ministro Cezar Peluso, prolatou a seguinte decisão:

?A Turma deferiu habeas corpus impetrado contra acórdão do STJ que, aplicando o princípio da especialidade, mantivera decisão determinando ao condenado pela prática do crime de tráfico de entorpecentes (Lei 6.368/76, art. 12) o cumprimento da pena em regime integralmente fechado. No caso concreto, o juiz, considerando presentes os requisitos do art. 44 do CP, procedera à substituição da pena privativa de liberdade por duas restritivas de direitos, sendo esta decisão modificada pelo Tribunal de origem e confirmada pela Corte a quo, ao fundamento de ser incabível a aludida substituição de pena – trazida ao CP pela Lei 9.714/98 – para os delitos elencados ou equiparados a hediondo, haja vista a vedação de progressão do § 1.º do art. 2.º da Lei 8.072/90. Entendeu-se não haver óbice à aplicação da regra do art. 44 do CP à pena privativa de liberdade imposta pela prática do crime em questão, tendo em conta que: a) embora a Lei 8.072/90 determine o cumprimento da pena privativa de liberdade em regime integralmente fechado, nada dispôs acerca da suspensão condicional ou da substituição da mesma pena; b) a constitucionalidade do impedimento de progressão de regime encontra-se em discussão pelo plenário do STF (HC 82959/SP, v. informativos 315, 334 e 372); c) a Lei 9.714/98, posterior à Lei 8.072/90, ao ampliar a possibilidade substituição da pena privativa de liberdade por penas restritivas de direitos, não abrigou princípio ou norma que obstasse a sua aplicação aos chamados ?crimes hediondos?, senão apenas àqueles cujo cometimento envolva violência ou grave ameaça à pessoa; d) no crime de tráfico ilícito de entorpecentes não há, em regra, o emprego de violência ou grave ameaça à pessoa. Asseverou-se, ainda, que a exigência do regime fechado instituída pela Lei 8.072/90 refere-se à execução de pena privativa de liberdade imposta e, sendo esta substituída por pena restritiva de direitos, não haveria pertinência em cogitar-se do teórico regime fechado de execução como obstáculo à substituição já operada. HC deferido para cassar a decisão do STJ, reestabelecendo a substituição da privativa de liberdade por restritiva de direitos, na forma da sentença condenatória de 1.º grau.? (Informativo n.º 403 do STF – 26 a 30 de setembro de 2005).

Inteiro Teor (937849)

Com efeito, não há na letra da lei proibição expressa à concessão do benefício por se tratar de delito equiparado a hediondo. Vejamos o teor das normas pertinentes à matéria em debate:

Art. 5.º, XLIII, da CRFB – ?A lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática de tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem.?

Art. 2.º da Lei 8.072/90 – ?Os crimes hediondos, a prática de tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins e o terrorismo são insuscetíveis de: I -anistia, graça e indulto; II – fiança e liberdade provisória. § 1.º. A pena por crime previsto neste artigo será cumprida integralmente em regime fechado.

(…).?

Art. 44 do Código Penal – ?As penas restritivas de direitos são autônomas e substituem as privativas de liberdade, quando: I – aplicada pena privativa de liberdade não superior a 4 (quatro) anos e o crime não for cometido com violência ou grave ameaça à pessoa ou, qualquer que seja a pena aplicada, se o crime for culposo; II – o réu não for reincidente em crime doloso; III – a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do condenado, bem como os motivos e as circunstâncias indicarem que essa substituição seja suficiente. (…).?

Na estrita exegese dos dispositivos transcritos, as únicas vedações para os crimes hediondos e/ou equiparados são a graça, anistia, indulto e liberdade provisória, com ou sem fiança, não havendo qualquer menção à substituição.

O fato de que a reprimenda deva ser ?cumprida em regime integralmente fechado? não obsta, per se, a permuta por sanções alternativas, porquanto a espécie de regime de cumprimento é matéria afeta à pena privativa de liberdade, devendo ser levada em conta somente quando houver a conversão das sanções alternativas, nos termos do 44, § 4.º, do CP.

Trata-se, em verdade, de etapas distintas na atividade jurisdicional. O cumprimento da pena de reclusão se dá quando não haja prévia substituição ou ocorrer o descumprimento injustificado das restritivas de direitos.

Assim, a rigidez legislativa no que tange ao regime de cumprimento da sanção reclusiva referente aos crimes hediondos e/ou equiparados se impõe nas hipóteses de não-preenchimento dos requisitos objetivos (art. 44, I e II, do Estatuto Repressivo) ou subjetivos (inciso III do mesmo dispositivo legal) para a aplicação da benesse.

(…)

In casu, a pena fixada não é superior a 04 (quatro) anos, e o delito não foi cometido com violência ou grave ameaça à pessoa, tampouco a acusada é reincidente em crime doloso. Assim, restam preenchidos os requisitos objetivos.

No que tange aos subjetivos (artigo 44, inc. III, do CP) constata-se que a culpabilidade da recorrente é normal à espécie, não havendo ainda qualquer registro de antecedentes. Inexistem maiores informações em relação à conduta social e à personalidade de Andréia, não podendo militar em seu desfavor – a ponto de impedir a substituição da pena – o fato de ter confessado ser usuária de ?maconha? e ?crack?.

Quanto à motivação, a prática se deu provavelmente movida pelo intuito de lucro, ou em decorrência de dificuldades financeiras, sendo-lhe exigido, porém, conduta diversa, já que, conforme bem destacado pelo ilustre julgador singular, ?além de possuir saúde física e mental, é capaz de garantir seu próprio sustento e do nascituro por meio do trabalho honesto.?

Ademais, a ré possui 19 (dezenove) anos de idade. Declarou que a mãe faleceu há um ano, e o pai está desaparecido há muito tempo. Tem, ainda, uma filha de 02 (dois) anos, além de estar grávida de gêmeos (consoante depoimento às fls. 16-7).

Por fim, registre-se que nada indica que a substituição não seja suficiente para a reprovação e prevenção do crime, o que autoriza, portanto, a concessão do aludido benefício.

Diante disso, substituo a pena privativa de liberdade de A.R. por duas restritivas de direitos, quais sejam, prestação de serviços à comunidade, pelo tempo da condenação, e prestação pecuniária, no valor de 02 (dois) salários mínimos em favor de entidade assistencial a ser definida pelo Juízo da Execução.

Frente ao exposto, dou parcial provimento ao recurso para substituir a privativa de liberdade por sanções alternativas, nos termos da fundamentação.

Des. Federal Élcio Pinheiro de Castro

Decisão por maioria.

Ronaldo Botelho é advogado e professor da Escola da Magistratura.